domingo, 19 de junho de 2011

São Benedito das Caneleiras

Óleo sobre tela de Isabela Portes, cedida para o blog por Gustavo Portes

No mesmo local onde hoje está a Igreja de São Benedito, na Praça Rui Barbosa, na Rua Padre Bento Pacheco, já esteve, um nosso passado distante, uma singela capelinha, pequenina, onde cabiam no máximo cinquenta pessoas.

Naquele passado onde toda a redondeza era formada por campos, exatamente no mesmo local, que era considerado distante do centro da cidade, foi construída essa capelinha, pelos devotos de Santa Cruz, e por isso mesmo denominada "Capela de Santa Cruz". Em frente dela, onde hoje é a praça, existia um grande batidão de terra, chamado Largo das Caneleiras.

Segundo conta D. Sylvia Sannazzaro, em seu livro "O Tempo e a Gente" , "o responsável por zelar pela capelinha era o sr. Miguel Venâncio, pai do Cristo, ou melhor, do sr. Cristiano",  que foi também zelador de outra casa de Cristo, ou melhor, Jesus Cristo, a Matriz Nossa Senhora da Candelária. Sr. Miguel era devoto da Santa Cruz, a ponto de receber da criançada da rua, beijos nas mãos seguidos de pedidos de bençãos, também por ostentar uma grande cruz no peito, em alusão à sua fé. Embora nem sempre ele deixasse a capelinha aberta, mesmo fechada, os fiéis acendiam velas do lado de fora e, em noites sem ventos, essa luz mortiça destacava-se no meio de praticamente nada além do mato.

Após a morte do beato Miguel, assumiu seu lugar o sr. Antônio Soares Rodrigues, que também era funcionário da Prefeitura, onde exercia o cargo de fiscal. Ficou com essa incumbência também até sua morte, quando então quem assumiu a zeladoria da capelinha foi a Irmandade de São Benedito.

Essa irmandade transferiu para a capelinha uma imagem desse Santo que pertencia até então à Igreja Matriz, toda entelhada em madeira (roca) e vestida com um hábito de veludo preto, sob uma capa do mesmo pano, onde sobressaíam o colarinho e os punhos de uma túnica branca. Era uma imagem de São Benedito diferente das demais por não ter o Menino Jesus no colo. Na cabeça tinha uma auréola de metal rendilhado e na mão direita uma palma de flores. São Benedito passou, então, à ser o patrono da capelinha e a receber os devotos, que aumentavam a cada dia para louvar, e mais do que isso, fazer ou cumprir promessas por graças alcançadas.


Imagem de roca de São Benedito
(cópia do livro de Nilson Cardoso de Carvalho, feita por Antonio da Cunha Penna)

Entre 1911 e 1920, período em que o padre Francisco Eduardo Paes Moreira foi pároco da Matriz,  por ordem do Papa, proibiu-se as imagens de madeira nos altares, ordenando-se por consequencia que as mesmas fossem substituídas por de gesso. Foi um chororô que só vendo, até que os devotos aceitaram a troca após um paciente trabalho do vigário. (Coitado... que incumbência coube a ele, não?!). Mas a imagem não foi dispensada, não. Muito pelo contrário! Foi levada em procissão até a capela da Fazenda Cachoeira, então propriedade da família Cotching, onde morava o irmão de opa, Severino Fonseca, muito devoto do santo, que passou a zelar pela imagem.

" No dia me que levaram a imagem de São Benedito para a capela da fazenda Cachoeira do Jica, por volta de 1920, eu me lembro muito bem. Era pequena, tinha medo dos rojões, queria me esconder. Lembro-me que chovia muito; muito mesmo! Foi daí que veio a fama que São Benedito fazia chover."

Quem contou a história acima para o pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho foi  Dona Sylvia Sannazzaro, que ainda escreveu...

"...Ai aí surgiu uma devoção posta em prática algumas vezes: quando o povo necessitava de uma graça, como por exemplo, chuva em tempo de seca,o povo ia buscar o São Benedito na fazenda, deixando-o permanecer na capela tantos dias quantos demorasse a estiagem. Mas chegando as chuvas perdidas, o povo agradecia com orações reconhecidas e o levava reverente de volta, em procissão, para seu altar da fazenda."


Não era um local de muitas missas e rezas, pois as celebrações aconteciam com mais periodicidade na Matriz. Mas dois eventos eram sagrados: as tradicionais festas de Santa Cruz, em alusão à primeira missa rezada no Brasil e a de São Benedito, patrono dos negros em alusão à libertação dos escravos.

Segundo o pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho em seu livro "A Paróquia de Nossa Senhora da Candelária", a festa de São Benedito comemorada especificamente em maio de 1951, teve especial pompa, tendo sido uma procissão muito concorrida. Nesse ano comemorou-se o primeiro centenário da Irmandade, fundada ao tempo do vigário colado Antônio Cassemiro da Costa Roris.

Com base no que nos deixaram escrito os memorialistas Nilson e Sylvia, concluo que é provável que em algum mês de maio entre 1911 e 1920 a capelinha de Santa Cruz tenha oficialmente se transformado em Igreja de São Benedito. Mas essa referência segura, eu não achei. E se for correta, é provável que o centenário da Igreja São Benedito - tão meigamente pintada por Isabela Portes - tenha acontecido em maio deste ano ou acontecerá em algum "maio" que rapidamente chegará.

Quem sabe onde podemos achar essa informação de maneira segura?

Família da professora Jane Bonet, início da década de 1970









Um comentário:

  1. Adorei ler esse texto!
    E o quadro da Isabela Portes, que lindo!
    Não me canso de olhá-lo!
    Abraços.

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