quarta-feira, 11 de março de 2020

Lettério Polimeni

Era sábado, véspera do Dia das Mães do ano de 1965. 

Fazia pouco mais de um ano que o Golpe Civil-Militar havia sido dado no Brasil e a maior parte da população não estava ciente do que estava acontecendo, ou - nem muito menos - do que estaria por vir. Pelo contrário - estava inebriada pela inauguração da Ponte da Amizade', que liga os territórios de dois países, Brasil e Paraguai (1), passando sobre o Rio Paraná, ocorrida no dia 27 de março daquele ano. E mais ainda por outro fato que mudaria - e muito- a vida da população brasileira a partir daquele ano: dia 26 de abril a Rede Globo de Televisão fora inaugurada no Rio de Janeiro. (2) 

Foi justamente nesse ano que o jovem estudante Lettério Polimeni havia, com seu grupo de amigos, fundado o Grêmio Estudantil na Escola Estudantil da Escola Técnica de Comércio "Nossa Senhora da Candelária", na pequena Indaiatuba. 

Pouco tempo depois o cenário político entraria em convulsão sobre forte repressão da Ditadura e todos as agremiações estudantis como essa, seriam alvos de perseguições. 

Mas o jovem Lettério não seria testemunha dessa parte horrenda da nossa História, pois ele faleceu no dia 8 de maio de 1965, no Hospital Augusto de Oliveira Camargo, vítima de anemia aguda por hemorragia interna (3), provocada por um ferimento por arma de fogo (4).

O jovem tinha, então, 20 anos e era filho de Eugenio Polimeni e Emilia Uvini Polimeni.

A morte do jovem impactou a pequena Indaiatuba, todos ficaram chocados com o evento que o vitimou na madrugada de sábado para domingo do outono de 1965. Muitos narram, até hoje, onde estavam e o que lembram daquela data que entrou para nossa história como um evento traumático de caráter coletivo. 

Cada indivíduo da pequena cidade, que estava no despertar de sua 'era industrial' interagiu com àquela morte e manifestou sua percepção com o assassinato, dando robustez ao trauma coletivo a cada comentário de indignação, surpresa e pesar. 

Ninguém ficou isento. 

A recordação desse trauma coletivo e o armazenamento que cada indaiatubano teve do evento foram sendo recriadas e reconstruídas de forma sentimental; e a cada recontar, novas emoções e informações foram sendo acrescentadas e muitas vezes distorcidas. 

E assim a comunidade constrói e reconstrói suas lembranças, até um momento que história e memória se misturam, perdendo-se de uma vez por todas o limite entre informação e recordação. 

De acordo com o jornal Tribuna de Indaiá (5), o jovem Lilo estava em uma festa beneficente (6) promovida pela comunidade católica Santa Rita de Cássia no pátio da antiga Maternidade Albertina Sampaio de Paula Leite, onde atualmente é o Fórum (7) na noite do sábado dia 08 de maio de 1965 quando foi "barbaramente assassinado" por João Baptista Pauzer, um operário de 21 anos, que disparou contra a vítima um tiro de revólver calibre 22. 

De início, as notícias espalhadas como pólvora em paiol seco afirmavam, de boca em boca, que o disparo havia sido feito pelas costas, no exato momento em que as luzes do local se apagaram. Amigos que estavam na festa o levaram rapidamente para o HAOC, mas ele faleceu antes de ser atendido e após receber os últimos sacramentos do Padre Francisco de Paula Vasconcelos, o Pe. Xico. 

O mesmo jornal afirma que, o responsável pelo tiro fugiu para não ser pego em flagrante e que ambos já tinham "rixa anterior" (8) provavelmente iniciada com uma eleição no Grêmio Estudantil da Escola Técnica de Comércio "Nossa Senhora da Candelária", e agravada em uma gincana escolar na qual cada um dos envolvidos estava de um lado da competição. 

Em seu velório, houve os que o reverenciavam, principalmente pela iniciativa de ser o idealizador do grêmio e os que criticavam, principalmente por seu temperamento inquieto. 

O acusado foi a julgamento público e foi inocentado após dois julgamentos. 

Embora a acusação tenha defendido a tese de homicídio culposo, os advogados do réu defenderam a tese de legítima defesa, que foi acolhida pelos jurados por 5 x 1. Os advogados de defesa provaram que o projétil detonado pelo réu atingiu a vítima embaixo do braço esquerdo e não como constava que fora pelas costas, sustentando, pois, que a vítima se dirigia na direção do réu com o braço levantado e em atitude de agressão (9). 

O pai do jovem Lilo, o Sr. Eugenio Polimeni manifestou-se em uma seção livre do jornal, dizendo que estava com o "coração sangrando e olhos cheios de lágrimas" pela perda do filho, que afirmou ser amigo e benquisto por todos. Manifestou toda a sua "surpresa e pesar ante o resultado do (...) julgamento cujo juri havia absolvido um réu confesso". Terminou lamentando: 

"Peço a Deus que os cinco jurados que votaram pela absolvição do culpado, nunca venham a perder um ente querido em tão trágicas condições e suas famílias vejam a salvo a imensa dor causada pelo réu que declararam inocente. Certo estou que a justiça dos homens falhou nesse julgamento, a do Altíssimo não falhará."

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1 "Presidentes inauguram Brasil-Paraguai" (primeira página do 1° caderno), Folha de S.Paulo (28 de março de 1965). 

2 "Reestruturação" (página 4 do 4° caderno), Folha de S.Paulo (27 de abril de 1965). 

3 Dados retirados do Atestado de Óbito número 7.252 emitido pela Comarca de Itu no dia 10 de maio de 1965

4 Idem. 

5 Tribuna de Indaiá - Edição de 15 de maio de 1965. 

6 Tribuna de Indaiá - Edição de 28 de novembro de 1965. 

7 Esquina da Rua Adhemar de Barros com a Avenida Itororó. 

8 Tribuna de Indaiá - Edição de 15 de maio de 1965. 

9 Idem


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