terça-feira, 21 de julho de 2020

OS SEGREDOS DOS TÚMULOS ECLÉTICOS DE TAIPAS


Muitas vezes apreciamos a beleza dos túmulos antigos, apreciamos a chamada arte tumular sem nos atentar ao significado de cada símbolo, representado em homenagem a entes queridos perdidos, deixados na tentativa de explicar como teriam vivido ou como morreram; ou da falta que fizeram à quem ficou.

No cemitério de Taipas, da Candelária, na viela principal próximo ao portão de entrada, estão enterradas duas mulheres de uma mesma família, mortas com poucos dias de diferença, e que nos deixaram muitas histórias, subjetivamente representadas, em seus túmulos, que são os mais belos exemplos de escultura do século XIX, na cidade de Indaiatuba.  São os túmulos de Anna Gertrudes Leite de Barros e Gertrudes Marcolina Leite de Barros.


Para entender suas histórias, iniciamos por 1839, com o primeiro Francisco de Paula Barros Leite de nossa narrativa, que deixa Jundiaí, tendo trocado a Fazenda Mont Serrat, pela Fazenda Bom Retiro em Itu, estabelecendo-se naquela cidade, casando-se duas vezes e tendo sete filhos, entre eles o Tenente-coronel Francisco de Paula Leite de Barros, Gertrudes Marcolina Leite de Barros e o Alferes Ignácio Leite de Barros.

Na mesma época, outro patriarca, Manuel Galvão de Barros França, teve quatro filhos, o Alferes Francisco Galvão de Barros Leite, Joaquim Galvão de Barros Leite, Anna Gertrudes Leite de Barros e Maria.

Manuel e Francisco eram parentes próximos, seus filhos eram primos mas mesmo assim acabaram promovendo vários matrimônios entre eles, não se sabe se por vontade própria, imposição ou simplesmente romance.

O alferes Ignácio após viuvar-se de sua primeira esposa, casou com Anna Gertrudes, e gerou grande prole.

O irmão de Anna Gertrudes, Francisco Galvão, casou-se com Gertrudes Marcolina , irmã do Alferes Ignácio não tendo deixado descendentes.

Ainda entre eles, Joaquim Galvão de Barros Leite, irmão de Francisco Galvão e Anna Gertrudes, casou com a enteada da irmã, filha do primeiro casamento do Alferes Ignácio, irmão de Gertrudes Marcolina.

ANNA GERTRUDES DE BARROS LEITE era filha de Manuel Galvão de Barros França, nascida em 1825, era prima e 2.ª mulher do alferes Ignacio de Paula Leite de Barros; e irmã do Alferes Francisco Galvão de Barros Leite.

GERTRUDES MARCOLINA BARROS LEITE era filha de Francisco de Paula leite, nascida em 1837, era prima e casada com o Alferes Francisco Galvão de Barros Leite;  e irmã do alferes Ignacio de Paula Leite de Barros.

Elas eram primas, com diferença de idade entre elas de 12 anos, e eram também cunhadas, coisa muito comum na aristocracia da época. No entanto eram, se podemos chamá-las assim,  duplamente cunhadas, casadas uma, com o irmão da outra.

Curiosamente teriam vivido muito próximas e faleceram com apenas 8 dias de diferença, no mês de Julho de 1892, durante o segundo surto da epidemia de febre amarela que assolou Campinas e região.


As Homenagens póstumas à Anna Gertrudes e Gertrudes Marcolina


Na intenção de lembrá-las, foram executadas duas das mais belas obras de linguagem eclética, movimento artístico do Século XIX, esculpidas em mármore italiano de carrara, em nossa cidade, e que estão, ainda hoje, disponíveis para visitação no Cemitério de Taipas, na Rua Candelária no Centro de Indaiatuba.

ANNA GERTRUDES recebeu em seu túmulo, finamente esculpido em mármore italiano, um baldaquino, que é uma cobertura simples com quatro pilares, própria para proteger altares ou imagens, em estilo neoclássico, adornado com motivos florais, que protegem uma estátua de Nossa Senhora, encimado por uma cruz de troncos de madeira serrados. Estes troncos de madeira serrados são alegorias comuns em túmulos e podem indicar mortes repentinas, prematuras ou inesperadas; as grinaldas e coroas de flores, esculpidas em baixo relevo no entablamento, parte que segura a pequena cobertura do baldaquino, representam a salvação e a vitória do bem sobre o pecado;  e a imagem de Nossa Senhora se remete a Família e a maternidade.  No frontão do baldaquino, existe uma orbe alada, um globo com asas, esculpido em alto relevo, que simboliza a vida que “passa voando”.  






GERTRUDES MARCOLINA recebeu em seu túmulo igualmente esculpido em carrara, adornos de linguagem inglesa, neo-góticos vitorianos, em um baldaquino com quatro pináculos, que são adornos pontiagudos sobre uma cobertura,  uma cúpula em arco de ogiva,  protegendo uma imagem de Nossa Senhora e encimados por outro pináculo central. Esculpida poucos anos após a chegada da ferrovia na cidade, e que inundou a região com ornatos impregnados pela linguagem inglesa, podemos dizer que esta era uma obra arrojada e contemporânea para sua época, e que respirava a modernidade da ferrovia. Mas não há simbologias diretamente relacionadas a vida ou morte de Gertrudes Marcolina. 

Podemos dizer que seu túmulo era vanguardista e moderno para a época, o que poderia talvez, falar um pouco dela.  A imagem de Nossa Senhora que novamente remete a família, no caso de Gertrudes Marcolina, não de filhos biológicos, pois os poucos documentos existentes sobre sua vida, indicam que, sem filhos, teria criado uma sobrinha prima órfã. A grafia de seu nome na lápide é GELTRUDE, e assim como outros exemplos neste cemitério, pode estar ligada a como se pronunciava, uma alcunha ou como realmente era chamada em vida.  










O ANO DE 1892


O ano de 1892 não levou apenas estas mulheres, marcado por surto da epidemia de febre amarela; morreu também o marido de Gertrudes Marcolina, que também era seu primo, o Alferes Francisco Galvão de Barros Leite, irmão de Anna Gertrudes.  

Seu túmulo não se encontra em Indaiatuba.

O irmão de Gertrudes Marcolina, tenente-coronel Francisco de Paula Leite de Barros, senhor de engenho em Itu, também perdeu a esposa neste ano de 1892, para a febre amarela, a Sra. Maria de Almeida Sampaio, que também era sua prima. Francisco e D. Maria de Almeida tiveram seis filhos entre eles Leonor de Paula Leite e Francisco de Paula Leite.

O Tenente-coronel Francisco de Paula Leite de Barros, pai de Leonor e Francisco, morre dois anos depois, em 1894, tragicamente preso a roda de seu engenho em Itu.

Os irmãos Leonor e Francisco de Paula Leite


Eram sobrinhos de Anna Gertrudes e Gertrudes Marcolina. 

Francisco de Paula Leite, irmão mais velho, nascido em 1855, ... “fez seus estudos de medicina nos Estados Unidos, deixando de concluir o seu curso por grave enfermidade que o obrigou a voltar a sua pátria. Conseguiu em Itu, sua terra natal, restabelecer a sua saúde e dedicou-se à lavoura, que lhe proporcionou uma boa fortuna. Residiu em Itú onde foi capitalista e dedicado ao estudo, tendo aumentado os seus conhecimentos com proveitosas viagens ao Prata e à Europa. Solteiro; porém, na falta de filhos, distribuia seus carinhos a seus sobrinhos órfãos filhos de seu irmão Amador e fazia companhia a sua virtuosa irmã solteira Izabel.”...  

Leonor de Paula Leite de Barros, nascida em 1865, casou-se aos 22 anos de idade com Augusto de Oliveira Camargo, herdeiro da Fazenda Itaóca, em Indaiatuba, por onde moraram por muitos anos. 

Após o surto de febre amarela, que levou parte de sua família, em 1897, acompanhou o êxodo da região de Campinas e Itu, indo morar em São Paulo, na Famosa Avenida Higienópolis, cujo próprio nome diz, urbanizada com novos padrões sanitaristas que foram impostos na época, para melhorar condições da população nas cidades; e depois, acompanhando os passos de seu irmão mais velho, Francisco, vai para os Estados Unidos em 1913. 

Seu marido é acometido de embolia cerebral em 1921. Em 1928, estes dois irmãos, iniciam o projeto idealizado por Leonor, um Hospital para atender os mais pobres na região onde nasceram, tendo escolhido Indaiatuba como sítio de sua obra. 

Francisco de Paula Leite, estudioso e competente administrador, gerenciou a obra, foi homenageado com nada menos que a importante avenida que recebe o portão original do hospital. Leonor, mulher visionária, possivelmente movida pelo histórico de perdas de sua família, inaugura em 1933, no dia do 82° aniversário de seu marido, o Hospital Augusto de oliveira Camargo.

Os túmulos esculpidos de Gertrudes Marcolina e Anna Gertrudes


Estas elaboradas obras póstumas, foram homenagens de seus familiares, para estas mulheres prematuramente retiradas de seus entes. Da grande prole de Anna Gertrudes, podemos observar um túmulo grande e vistoso, cheio de símbolos, significados e alegorias, como se cada filho ou neto quisesse falar algo dela. O de Geltrude, que não teve filhos, é menor, mas incrivelmente vanguardista e moderno para sua época, indicaria que a pessoa que a homenageou, ou queria refletir uma pessoa à frente de seu tempo, ou ela mesma era visionária, podendo ser entre seus parentes próximos, possivelmente Francisco ou Leonor.

Os materiais e fino acabamento, com pouquíssimos similares na cidade, a localização privilegiada de suas tumbas, indicariam que estas mulheres estavam entre as mais abastadas da sua época, e suas vidas, ainda são lembradas toda a vez que alguém passa por seus túmulos, perguntando,  mesmo 128  anos depois de suas mortes:  o que teria levado mulheres de nome tão parecido, a morrer em datas tão próximas?




Autor Arquiteto Charles Fernandes
Imagens:  Cassio Sampaio

Fontes:
Tradições Paulistas
Genealogia Paulistana


Como citar este post

FERNANDES, Charles. Os Segredos dos Túmulos Ecléticos de Taipas (artigo em blog). In: História de Indaiatuba. Disponível em: http://historiadeindaiatuba.blogspot.com/2020/07/os-segredos-dos-tumulos-ecleticos-de.html. Publicado em: 21 de julho de 2020. 


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