quarta-feira, 22 de abril de 2020

Revitalização de antigas fontes e chafarizes pode auxiliar no combate à Covid-19


A recente pandemia de coronavírus que assola o nosso planeta mudou radicalmente a rotina da maior parte da população, que se vê obrigada ao recolhimento social e a adotar medidas especiais de higiene para evitar o contágio e as consequências da temida doença, que vem matando milhares de pessoas todos os dias.
Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional, e em 11 de março de 2020 a Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.
Para além do isolamento social, uma das medidas consideradas mais importantes pela Organização Mundial de Saúde para a prevenção da contaminação consiste em lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou, não sendo possível, higienizá-las com álcool em gel.
A medida se justifica pelo fato do vírus ser altamente contagioso e como as mãos tocam muitas superfícies potencialmente infectadas, elas podem transferir o vírus para os olhos, nariz ou boca, contaminando a pessoa e tornando-a nova fonte de propagação do coronavírus.
No último dia 2 de abril o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanon Ghebreysus, propôs a criação, em todo mundo, de “estações públicas de higienização” com estruturas de água limpa e sabão para que as pessoas possam se higienizar, sobretudo em áreas mais pobres e de maior circulação.
Em nosso país, seguindo a orientação acima, diversas cidades começaram a instalar “pias públicas” em praças, avenidas e locais de maior movimentação de pessoas a fim de contribuir para a prevenção da doença. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória e Vila Velha são alguns exemplos de municípios que já adotaram a útil e promissora iniciativa.
A medida acaba por trazer de volta à tona a necessidade, já experimentada pela sociedade em outros tempos, de contar com água limpa, corrente e acessível a todos nas aglomerações urbanas, de forma a propiciar a higiene e a dessedentação da população em geral.
Com efeito, em todas as antigas cidades e povoados do Brasil existiam fontes, chafarizes, “torneiras públicas” e bicas que proviam os moradores do precioso líquido, suprindo as necessidades acima expostas. Tais locais também funcionavam como pontos de sociabilidade, atividades comerciais e mesmo conflitos, integrando o chamado patrimônio cultural imaterial da sociedade brasileira. Em Minas, por exemplo, são conhecidas normas do século XVIII que regulamentavam o uso dos chafarizes, inclusive proibindo algumas atividades, tais como a dos escravos ali amolarem facas ou de os utilizarem para dessedentação de animais.
Essas antigas estruturas hidráulicas, antes consideradas como obras públicas das mais importantes nas vilas e arraiais, e que tanto contribuíram no enfrentamento e prevenção de antigas doenças, foram caindo em desuso e perdendo a sua importância a partir do primeiro quartel do século XX, com o início da distribuição de água encanada para as residências particulares. Elas constituem registros materiais importantes da evolução da história humana e, em alguns países, como na Espanha, são estudadas e protegidas dentro do conceito do chamado “patrimônio hidráulico”, que compreende os sistemas de captação, condução, distribuição e armazenamento da água, muros de contenções, diques, portos, pontes, fontes, chafarizes, tanques e outras estruturas hidráulicas que foram construídas e aperfeiçoadas ao longo da história, além dos valores imateriais a elas associados.
No Brasil, felizmente ainda existem em muitas cidades estruturas de tal tipologia, várias delas inclusive tombadas como patrimônio cultural.
Em Minas Gerais, por exemplo, temos chafarizes tombados em nível federal nas cidades de Ouro Preto, Sabará, Diamantina, Tiradentes e Conceição do Mato Dentro. Em âmbito municipal temos fontes, torneiras públicas e chafarizes protegidos como patrimônio cultural nas cidades de Timóteo, Simão Pereira, Santa Bárbara, Pitangui, Matias Barbosa, Ibiraci, Ibertioga, Estrela do Sul, Cristina, Conselheiro Lafaiete, Catas Altas, Cascalho Rico, Capela Nova, Campanha, Caeté, Bonfim, Bom Despacho, Belo Horizonte, Araçaí e Andrelândia.
Independentemente de serem reconhecidas oficialmente e de ostentarem valor artístico ou cultural, sabe-se que são milhares as antigas estruturas de distribuição pública de água que existem espalhadas pelo país, muitas delas em plenas condições de serem reativadas com a adoção de medidas simples e baratas, tais como limpeza e desentupimento. Em geral, os antigos sistemas de abastecimento e escoadouro de água dessas estruturas eram executados com materiais duráveis e de ótima qualidade, o que aumenta a possibilidade de sua rápida reativação e revitalização em benefício dos interesses da coletividade.
Assim, além da implantação – como recomendado pela Organização Mundial de Saúde - de novas e modernas “estações de higienização” em nosso país, cremos ser uma boa oportunidade a análise, por parte das administrações municipais e das concessionárias dos serviços de saneamento, da possibilidade de se utilizar as antigas fontes e chafarizes para a distribuição de água (com qualidade) à coletividade, socializando o bem hídrico de forma a contribuir para as ações de prevenção da Covid-19, além de preservar e promover os bens integrantes do nosso patrimônio cultural, qualificando-os inclusive como potenciais atrativos turísticos, como é comum na Europa.
A recuperação e a revitalização, a médio prazo, dos antigos mananciais de abastecimento dessas antigas estruturas são outras medidas que também podem e devem ser avaliadas em tal contexto, o que poderá implicar melhoria da qualidade e maior disponibilidade dos recursos hídricos em nosso país.
No atual cenário de provações e desafios, mas ao mesmo tempo de resgate de valores de solidariedade, mudança de comportamentos e preocupação com o bem comum planetário, cabe a todo cidadão contribuir para a identificação de possíveis estruturas de abastecimento de água que possam se prestar aos objetivos acima expostos, cobrando e auxiliando as autoridades públicas na adoção das medidas necessárias à sua revitalização e fruição coletiva.
Todo momento de dificuldade é também de oportunidade e possibilidade de avanços. Pensemos nisso. 
O coronavírus passará. Que saibamos aproveitar esse momento para conquistar bons e duradouros resultados em benefício de todos.

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Chafariz da Praça Elis Regina - Indaiatuba
Crédito: Gilberto Marques Francisco

Torneira Pública em Indaiatuba - Primeira metade do século XX

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Antiga bica da Fundição Villanova

Biquinha no 'Buraco da Estação" (provavelmente década de 1970)
Crédito: Roberto Ulitska


terça-feira, 14 de abril de 2020

Helvetia nasce em direção ao Sol



Dia 14 de abril de 1888, um dia qualquer no Cartório de Itu. Ali, no livro n.58 - folha 24, se registra a venda, da parte dos herdeiros de Vicente Sampaio Góes, do Sitio Capivari Mirim, totalizando 468 alqueires, para as famílias Ambiel, Amstalden, Bannwart e Wolf.
Se há pouco uma transferência de terras por parte de latifundiários de ascendência portuguesa para colonos pobres era uma cena improvável, agora mais e mais ela acontecia como resultado do transe pela qual passava o Brasil com a liberação dos escravos negros e o iminente fim do Império.
A aquisição de terras era, por si só, algo grandioso, quase que utópico para aqueles homens e mulheres imigrados da Suiça, nem há tanto tempo, em condições quase miseráveis. Mas este acontecimento trazia em si algo ainda maior: o nascimento de uma colônia que iria transpassar o tempo e até mesmo os limites físicos daquelas terras. Helvetia viria a tornar-se maior que seus próprios limites, ainda que estes muito viessem a crescer. Helvetia viria a deixar de ser apenas um lugar físico para se tornar um lugar idílico, que ocuparia corações e mentes dos muitos descendentes daqueles suíços e de outros, também suíços ou não, que viriam a juntar-se na construção deste lugar inigualável, de um encanto todo particular e secreto, que sequer os que nele convivem conseguem descrever com algum rastro de razão. Não há razão em Helvetia. Há emoção, há paixão!
Já cansados da cavalgada que se estendeu até Itaici e Indaiatuba, os irmãos Anton, Ignaz, Alois e Joseph Ambiel retornam a Sítio Grande, ao entardecer do dia de São José, 19 de março de 1888. Passando pelo Descampado, revela-se a seus olhos, ofuscados pelo sol buscando seu oeste um vale entrecortado pelo Ribeirão, formando um pequeno lago que lhes lembra a beleza da nativa Suíça. Helvetia nasce no sonho daqueles jovens suíços.
O tempo passou, e 132 anos separam-nos deste tempo de pioneirismo. Ainda que pareça, não há mágica nesta história construída a partir dos fundadores de Helvetia e continuada por seus descendentes. História construída sobre alicerces firmes de muito trabalho, determinação em vencer dificuldades, resiliência na superação de crises, senso de civilidade e união comunitária. Uma história que não teria sentido sem si própria, não fosse toda ela envolvida na Fé católica que conduziu, fortaleceu e fortalece a Colônia Helvetia, tornando-a inapagável pelo tempo, não importando quão longo.
Hoje, passados todos estes anos, Helvetia lega a nós suas muitas belas histórias, infelizmente não tão bem contadas como mereceriam. Mas, ainda assim, histórias que alimentam nossas próprias histórias pessoais, que nos consolidam valores, que nos enche de orgulho bom em pertencer a uma descendência que ainda hoje nos traz lágrimas de emoção aos olhos.
Parabéns a nós que trazemos este legado em nossos corações.

Viva Helvetia!

Texto de José Mateus Ambiel, 14/04/2020 

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