Esta semana foram executados vários eventos no Brasil todo, em alusão ao Dia da África, instituído no dia 25 de maio de 1963, com o objetivo de aumentar a visibilidade do continente africano, destacando a diversidade de seu patrimônio cultural e artístico e de todas as demais questões importantes relacionadas à África e as influências desse continente na História e na Cultura brasileira.
Em Indaiatuba, foi promovido pelo gabinete do vereador Derci de Lima o evento "1a. Semana em Solidariedade aos Povos Africanos", onde uma das pautas, levantadas pelo Professor Edgar Paulino dos Santos foi a presença, ou melhor - a ausência - (que eu corrigiria para "quase ausência") do negro na historiografia indaiatubana.
Embora com presença marcante na História de Indaiatuba, os negros possuem pouca presença em nossa Historiografia já publicada. Aparecem em poucos textos e livros sobre o assunto "escravidão" em referências que contam - ainda pouco - da época em que os negros eram trabalhadores escravizados aqui em Indaiatuba ou região.
Também são citados em outros textos como tendo sido personagens marcantes do meio urbano em nossa cidade, principalmente na primeira metade do século XX, que é justamente o período no qual, até agora, mais temos registros escritos sobre a História e Memória local; quer tenham sido feitos por historiadores (poucos), quer tenham sido escritos por memorialistas, cronistas ou jornalistas.
O fato é que a crítica do professor Edgar Paulino dos Santos não deixa de ser procedente. Há uma carência da presença dos negros na historiografia indaiatubana publicada até hoje; mas não é só essa demanda que temos na construção de nossa identidade como cidade tão jovem que somos. Há outras minorias ausentes, há outros fatos, há grupos, há classes, há lutas, há conflitos, há famílias, há crimes, há apropriações e desapropriações do espaço urbano, há movimentos de população e tantos e tantos outros assuntos do cotidiano do cidadão comum ou dos gabinetes que não foram registrados.
Temos o Arquivo Público da Fundação Pró-Memória com numerosas fontes primárias e fontes não-primárias a serem lidas, interpretadas, contextualizadas, contadas, entendidas, distribuídas, refletidas, questionadas, construídas e novamente reconstruídas com novos saberes. Afinal, a produção da História nunca se encerra pois "Verdade Absoluta" nesta Ciência, não há.
Mas urge, sim, dar prioridade para esse tema e mais especificamente na forma de enfrentar o problema da discriminação e da desigualdade entre os grupos sociais em nossa sociedade. É um assunto que muito tem a ser desvendado e que tão pouco se publicou até agora. E a carência reclamada é um desafio às mentes inquietas.
Indaiatubanos gostam de ir na Festa da Helvetia e deliciar-se com a culinária Suiça, adoram suas iguarias, aquela torta de maçã, salada de batata, salsichas especiais, joelho de porco. Indaiatubanos dançam com as japonesas nas festas nipônicas, comem yakisoba com palitinho, deliciam-se com sashimis, sushis, hossomakis, nigiris. Ora, ora...suiços são iguais aos japoneses? Claro que não. Então porque muitos indaiatubanos berram veementemente com asas de supostos anjos benevolentes que brancos são iguais aos negros, usando o princípio da igualdade como argumento principal, quando a própria ciência jurídica superou a visão estreita de igualdade formal (1)?
Não, não são iguais.
Descendentes de suiços não são iguais aos descendentes dos japoneses.
E brancos não são iguais aos negros.
Chega de tentar passar uma borracha hipócrita na questão racial e dizer que branco é igual ao negro. O que acontece é que a nossa sociedade se caracteriza por não se reconhecer racista, mas ao mesmo tempo admite a existência do racismo (2).
Somos todos iguais - teoricamente - nos Direitos. Isso sim.
Mas nossas raízes são diferentes.
Nossa História é diferente.
Nossa identidade é diferente.
Nosso passado é diferente.
Alguns, usando de arrogante perfil supostamente intelectualizado, utilizam o argumento falho que "não existe racismo porque não existe raça". Sim, do ponto de vista científico e após o estudo do genoma - na perspectiva biológica - não existem raças humanas, mas o conceito de "raça" continua válido na descrição da realidade social vivenciada pelos negros. Assim manifesta-se o preconceito, que está na esfera íntima, mental, e diz respeito a noções falseadoras e julgadoras da realidade. E esse preconceito gera a discriminação, essa sim, se manifesta na esfera externa, nas relações sociais.
Enquanto cada um de todos os indaiatubanos não conhecer e respeitar a culinária negra como se respeita a suiça, enquanto cada um de todos os indaiatubanos não conhecer e respeitar as danças negras como as japonesas, e assim consecutivamente com cada etnia, continuará a menosprezar - de forma velada - a cultura africana e cinicamente continuará com esse discurso de "igualdade", dizendo que "pode até haver racismo", mas "eu é que não sou racista".
Usar o discurso da igualdade é mascarar a existência da realidade. O mascaramento do preconceito e a negação da discriminação tornam mais difíceis as soluções para o problema. Não se resolve o que não se reconhece.
Sim, temos que tirar dos arquivos, das gavetas, dos porões, das memórias esquecidas, das lembranças apagadas cada História de quem construiu nossa Matriz, nosso Casarão, plantou cada pé de cana, de café, de algodão, de cereais, e fez tantas e tantas outras coisas em nossa cidade em todas as instâncias; assim como fizeram os italianos, suiços, alemães, árabes, japoneses, nordestinos, etc. e agora os sulistas que estão chegando para trabalhar na John Deere.
(1) O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 20 de julho de 2010 tem como consequência lógica o reconhecimento de discriminações e desigualdades que muitos consideram inexistentes ou que seriam situações secundárias, sem importância, pontuais.
(2) Em 1998 uma pesquisa foi realizada em São Paulo com o objetivo de entender, de que maneira, cem anos após a Abolição, os brasileiros definiam o racismo vigente no Brasil. Os resultados da investigação foram simples e reveladores: enquanto 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, 98% disseram conhecer, sim, pessoas e situações que revelaram a existência de discriminação racial no país. Ao mesmo tempo, quando inqueridos sobre o grau de relação com aqueles que denominavam racistas, os entrevistados indicaram com frequencia parentes próximos, namorados e amigos íntimos. A conclusão informal da pesquisa era, assim, que todo brasileiro parece se sentir como uma "ilha de democracia racial" cercado de racistas por todos os lados. SCHWARCZ, Lilia Moritz, Racismo no Brasil, São Paulo: Publifolha, 2001. p.76, citado na tese de Vinicius Mota de Jesus: Do Silêncio ao Estatuto da Igualdade Racial: os caminhos da igualdade no Direito Brasileiro. USP. 2013. (créditos de conteúdo citados neste post para essa tese).
É também de autoria do historiador MSc. Marcelo Alves Cerdan o capítulo "Escravidão e Autonomia na Vila de Indaiatuba" do livro "Indaiatuba - História e memórias da antiga Freguesia de Cocaes e dos anos que se sucederam desde então", de Adriana Carvalho Koyama, Editora Komedi, 2011.
Embora com presença marcante na História de Indaiatuba, os negros possuem pouca presença em nossa Historiografia já publicada. Aparecem em poucos textos e livros sobre o assunto "escravidão" em referências que contam - ainda pouco - da época em que os negros eram trabalhadores escravizados aqui em Indaiatuba ou região.
Também são citados em outros textos como tendo sido personagens marcantes do meio urbano em nossa cidade, principalmente na primeira metade do século XX, que é justamente o período no qual, até agora, mais temos registros escritos sobre a História e Memória local; quer tenham sido feitos por historiadores (poucos), quer tenham sido escritos por memorialistas, cronistas ou jornalistas.
O fato é que a crítica do professor Edgar Paulino dos Santos não deixa de ser procedente. Há uma carência da presença dos negros na historiografia indaiatubana publicada até hoje; mas não é só essa demanda que temos na construção de nossa identidade como cidade tão jovem que somos. Há outras minorias ausentes, há outros fatos, há grupos, há classes, há lutas, há conflitos, há famílias, há crimes, há apropriações e desapropriações do espaço urbano, há movimentos de população e tantos e tantos outros assuntos do cotidiano do cidadão comum ou dos gabinetes que não foram registrados.
Temos o Arquivo Público da Fundação Pró-Memória com numerosas fontes primárias e fontes não-primárias a serem lidas, interpretadas, contextualizadas, contadas, entendidas, distribuídas, refletidas, questionadas, construídas e novamente reconstruídas com novos saberes. Afinal, a produção da História nunca se encerra pois "Verdade Absoluta" nesta Ciência, não há.
Mas urge, sim, dar prioridade para esse tema e mais especificamente na forma de enfrentar o problema da discriminação e da desigualdade entre os grupos sociais em nossa sociedade. É um assunto que muito tem a ser desvendado e que tão pouco se publicou até agora. E a carência reclamada é um desafio às mentes inquietas.
Indaiatubanos gostam de ir na Festa da Helvetia e deliciar-se com a culinária Suiça, adoram suas iguarias, aquela torta de maçã, salada de batata, salsichas especiais, joelho de porco. Indaiatubanos dançam com as japonesas nas festas nipônicas, comem yakisoba com palitinho, deliciam-se com sashimis, sushis, hossomakis, nigiris. Ora, ora...suiços são iguais aos japoneses? Claro que não. Então porque muitos indaiatubanos berram veementemente com asas de supostos anjos benevolentes que brancos são iguais aos negros, usando o princípio da igualdade como argumento principal, quando a própria ciência jurídica superou a visão estreita de igualdade formal (1)?
Não, não são iguais.
Descendentes de suiços não são iguais aos descendentes dos japoneses.
E brancos não são iguais aos negros.
Chega de tentar passar uma borracha hipócrita na questão racial e dizer que branco é igual ao negro. O que acontece é que a nossa sociedade se caracteriza por não se reconhecer racista, mas ao mesmo tempo admite a existência do racismo (2).
Somos todos iguais - teoricamente - nos Direitos. Isso sim.
Mas nossas raízes são diferentes.
Nossa História é diferente.
Nossa identidade é diferente.
Nosso passado é diferente.
Alguns, usando de arrogante perfil supostamente intelectualizado, utilizam o argumento falho que "não existe racismo porque não existe raça". Sim, do ponto de vista científico e após o estudo do genoma - na perspectiva biológica - não existem raças humanas, mas o conceito de "raça" continua válido na descrição da realidade social vivenciada pelos negros. Assim manifesta-se o preconceito, que está na esfera íntima, mental, e diz respeito a noções falseadoras e julgadoras da realidade. E esse preconceito gera a discriminação, essa sim, se manifesta na esfera externa, nas relações sociais.
Enquanto cada um de todos os indaiatubanos não conhecer e respeitar a culinária negra como se respeita a suiça, enquanto cada um de todos os indaiatubanos não conhecer e respeitar as danças negras como as japonesas, e assim consecutivamente com cada etnia, continuará a menosprezar - de forma velada - a cultura africana e cinicamente continuará com esse discurso de "igualdade", dizendo que "pode até haver racismo", mas "eu é que não sou racista".
Usar o discurso da igualdade é mascarar a existência da realidade. O mascaramento do preconceito e a negação da discriminação tornam mais difíceis as soluções para o problema. Não se resolve o que não se reconhece.
Sim, temos que tirar dos arquivos, das gavetas, dos porões, das memórias esquecidas, das lembranças apagadas cada História de quem construiu nossa Matriz, nosso Casarão, plantou cada pé de cana, de café, de algodão, de cereais, e fez tantas e tantas outras coisas em nossa cidade em todas as instâncias; assim como fizeram os italianos, suiços, alemães, árabes, japoneses, nordestinos, etc. e agora os sulistas que estão chegando para trabalhar na John Deere.
Quem se habilita?
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(1) O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 20 de julho de 2010 tem como consequência lógica o reconhecimento de discriminações e desigualdades que muitos consideram inexistentes ou que seriam situações secundárias, sem importância, pontuais.
(2) Em 1998 uma pesquisa foi realizada em São Paulo com o objetivo de entender, de que maneira, cem anos após a Abolição, os brasileiros definiam o racismo vigente no Brasil. Os resultados da investigação foram simples e reveladores: enquanto 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, 98% disseram conhecer, sim, pessoas e situações que revelaram a existência de discriminação racial no país. Ao mesmo tempo, quando inqueridos sobre o grau de relação com aqueles que denominavam racistas, os entrevistados indicaram com frequencia parentes próximos, namorados e amigos íntimos. A conclusão informal da pesquisa era, assim, que todo brasileiro parece se sentir como uma "ilha de democracia racial" cercado de racistas por todos os lados. SCHWARCZ, Lilia Moritz, Racismo no Brasil, São Paulo: Publifolha, 2001. p.76, citado na tese de Vinicius Mota de Jesus: Do Silêncio ao Estatuto da Igualdade Racial: os caminhos da igualdade no Direito Brasileiro. USP. 2013. (créditos de conteúdo citados neste post para essa tese).
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VEJA ABAIXO O QUE TEMOS PUBLICADO EM NOSSA CIDADE SOBRE O ASSUNTO:
Alguns posts neste blog:
A Vila de Itu e os negros da terra
Seu Duardo Curador
Bairro Santa Cruz: Origem do Nome
Um bate papo com o busto do herói-soldado
Seu Duardo Curador
Bairro Santa Cruz: Origem do Nome
Um bate papo com o busto do herói-soldado
Escravos ou Bestas
Figuras Populares: Paulo Borges
Livro narra vida rural de menina na Fazenda Pimenta entre os anos 1908 e 1913 e outros.
Figuras Populares: Paulo Borges
Livro narra vida rural de menina na Fazenda Pimenta entre os anos 1908 e 1913 e outros.
e ainda, da Fundação Pró Memória:
A cartilha
" Vovô Dito e Aristeu em Nunticuntô Voticuntá! – Histórias de
Indaiá”, escrita por Aparecido Messias Paula Leite de Barros – o Cido -, e ilustrada por Edgar Paulino dos Santos é composta por três personagens (avô, neto e o oriental Akira) que debatem a falta de registro
sobre a escravidão em Indaiatuba e a necessidade do assunto ser pesquisado,
debatido e divulgado entre todos os cidadãos do Município.
A cartilha foi sendo
distribuída gratuitamente pelo mandato do vereador Derci de Lima e foi
publicada com o apoio dos Sindicatos dos Metalúrgicos, dos Servidores Públicos,
Sindiquinze e Sintconf.
material também conta com texto reflexivo sobre a história da escravidão no Brasil de Thiago de Souza, que atua no gabinete do vereador Derci, que luta pela instituição do feriado de 20 de novembro.
Leitura indicada para crianças e jovens.
material também conta com texto reflexivo sobre a história da escravidão no Brasil de Thiago de Souza, que atua no gabinete do vereador Derci, que luta pela instituição do feriado de 20 de novembro.
Leitura indicada para crianças e jovens.
Trata-se de um livro com 55 páginas, totalmente ilustrado por Marco Antônio Zanoti, aluno do professor Aparecido Messias Paula Leite de Barros na ocasião da preparação dos originais.
O texto foi elaborado, basicamente, com relatos orais passados de geração para geração na família de Cido e conta a história de duas escravas que viveram em Indaiatuba: Felícia e Clemência, que estão na capa do livro postada acima.Para educadores que irão trabalhar o tema neste ano letivo, o livro pode ser uma referência para ligar a micro-história de Indaiatuba com a macro-história da Escravidão no Brasil .
O texto foi elaborado, basicamente, com relatos orais passados de geração para geração na família de Cido e conta a história de duas escravas que viveram em Indaiatuba: Felícia e Clemência, que estão na capa do livro postada acima.Para educadores que irão trabalhar o tema neste ano letivo, o livro pode ser uma referência para ligar a micro-história de Indaiatuba com a macro-história da Escravidão no Brasil .
Usando uma referência de nossa cidade nas aulas, não se perde nossa história do todo, lembrando sempre aos estudantes que também estivemos inseridos nesse período da História do Brasil, não sendo uma cidade desprovida de vínculos.
Leitura indicada para jovens e adultos.
Livro publicado na ocasião das comemorações do 400 o. aniversário da cidade de Itu, é a versão revisada da tese de mestrado do historiador MSc. Marcelo Alves Cerdan. O foco da extensa pesquisa do historiador é a região de Itu, na qual Indaiatuba é citada algumas vezes.
O que mais chama atenção no livro "Praticando a Liberdade: um estudo sobre resistências escravas em Itu (1850-1873)" é o viés que o autor sustenta com documentação garimpada em arquivos públicos - entre eles o arquivo público da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba - é que o negro, enquanto trabalhador escravizado, não foi um sujeito passivo na relação entre senhor-escravo, ele foi sim, muitas vezes ativo, " participando tanto da construção do palco onde ele se enreda quando do próprio enredo, isso, quase sempre, à revelia de seu senhor". E para mostrar esse papel ativo, onde o negro chega a a ser senhor do seu próprio destino, agente de sua história, "ocupando outros lugares que não os eitos e pelourinhos" o historiador Cerdan conta a história dos negros Nazário, Cezário, Jacob e outros.
Leitura indicada para jovens e adultos.
É também de autoria do historiador MSc. Marcelo Alves Cerdan o capítulo "Escravidão e Autonomia na Vila de Indaiatuba" do livro "Indaiatuba - História e memórias da antiga Freguesia de Cocaes e dos anos que se sucederam desde então", de Adriana Carvalho Koyama, Editora Komedi, 2011.
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Temos direito de ser iguais quando a diferença não inferioriza
e o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.
Boaventura de Souza Santos
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura_e.html
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