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quarta-feira, 19 de julho de 2017

As três enxadas

AS TRÊS ENXADAS

Eliana Belo Silva

(pós escrito ao livro "O Crime do Poço" que você pode ler aqui)


O amor de mãe por seu filho  é diferente de qualquer outra coisa no mundo.
Ele não obedece lei ou piedade, ele ousa todas as coisas
e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho.
Agatha Christie


A primeira enxada – A desencabada


Colocaram o cadáver em dois sacos de juta que ali estavam esquecidos: um pelos pés, outro pela cabeça. Mas o que urgia agora era se desfazer do cadáver. Retiraram algumas tábuas que cobriam o poço abandonado, até obter um espaço suficiente por onde deixaram cair o cadáver. O barulho da queda foi bem pequeno, talvez pela profundidade do poço, que deveria ter setenta palmos. Precisavam agora, desesperadamente, aterrar o poço para eliminar qualquer prova. E os três se puseram logo ao trabalho para acabar o mais depressa possível com o macabro serviço. “Com uma enxada desencabada e velha que estava jogada no quintal da casa número vinte e um, rasparam toda a terra ensanguentada, que era muita, pois o sangue era muito... jogaram... a terra ensopada de sangue dentro do poço. Que depois pegaram a enxada, as botinas e o chapéu de Domênico e colocaram num outro saco que também jogaram no poço.... Atiraram para dentro do poço o pau de fumo com que Antônio N. havia morto Domênico, assim como tudo o mais que encontraram ao redor...”. A matriz Nossa Senhora da Candelária anunciava quatro horas da tarde quando o delito se deu por encerrado. (1)

A segunda enxada – A emprestada


Em dezembro de 1907 o jovem italiano Domênico de Luca foi assassinado em Indaiatuba em uma emboscada planejada para roubá-lo. Após o assassinato, os três criminosos confessos jogaram o corpo da vítima – que tinha apenas 17 anos de idade – dentro de um poço desativado, que recobriram com uma enxada que “foram descaradamente emprestar da minha avó Maria Pia”, conta Antonio Reginaldo Geiss (2), recordando uma das personagens de sua família que interagiram nessa história, que é uma das mais presentes no imaginário da cultura indaiatubana.

A enxada que Geiss se refere não é que foi usada no dia do crime, e sim uma outra que foi utilizada depois, no dia seguinte, quando os assassinos acharam que a terra que havia sido jogada por cima do cadáver ‘era pouca’. Chamaram então o ‘preto Delfino’ para fazer o serviço, que segundo os laudos do processo, fora emprestar a enxada de Dona Maria Pia. Ao depor, Delfino de Moraes, 40 anos, disse que, ao perguntar por que haveria de entupir um poço até então descoberto, o contratante respondeu: “tenho irmãos pequenos que podem cair ali. ”  Delfino entupiu o poço com tudo o que havia de terra no quintal, deixando o terreiro bem limpinho. E como ainda só havia aterrado o poço até um pouco mais da metade, Adão deu um pano para que fosse esticado na boca e preso nas bordas, recoberto e disfarçado em seguida com mais um pouco de terra.

Domênico era italiano, mas morava com sua família no bairro do Brás, em São Paulo, que fazia comércio, revendendo cereais produzidos em fazendas do interior de São Paulo. O menino que tão cedo perdera a vida tragicamente por dinheiro, havia saído de trem em direção a Piracicaba, justamente para efetivar negócios que aprendera com seu pai, o Sr. Modesto de Luca. No caminho, a composição parou na estação ferroviária de Indaiatuba – atual Museu Ferroviário _ onde ele desceu, já atraído previamente por um dos seus algozes, que sabia ser ele portador de dinheiro vivo. A família em São Paulo começou a estranhar a ausência de notícias do moço, pois ele não havia telegrafado nenhuma vez para atualizar sobre seu paradeiro. A mãe logo se agonizou e transformou a estranheza em profunda preocupação até que se desesperou ao saber que ele não havia desembarcado em Piracicaba.

O crime chocou a população urbana de Indaiatuba, que presumidamente não passava de 1200 pessoas, formadas por pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores livres, que moravam em casas simples, de barrote de pequena altura – a ponto de unirem-se em uma ‘vaquinha’ para construir um imponente (para a época) túmulo em homenagem ao jovem morto.  Essas casas geralmente possuíam pequenos jardins ou terreiros com pequenas hortas, árvores frutíferas e galinheiros, ou ainda, como escreveu o notável indaiatubano Nabor Pires Camargo, não só com galinheiros, mas pequenos zoológicos, com “frangos, cabritos, leitões, perus, carneiros, e algumas vezes até caças de pelo, como capivaras e pacas(3). Eram delimitadas, quando muito, por cercas de arame ou taquara.

A arquitetura só era diferente disso nas imediações da igreja Nossa Senhora da Candelária onde existiram alguns casarões nos quais 'residiam os ‘principais’ do lugar, como oficiais da Guarda Nacional, fazendeiros senhores de engenho, fazendeiros cafeicultores, comerciantes principais e autoridades locais” (4). Alguns fazendeiros moravam na sede das fazendas, mas tinham um casarão como habitação urbana, como por exemplo o Barão de Itaicy.

Alfredo Camargo Fonseca – o Major Alfredo, o chefe do executivo na época, o equivalente a prefeito atualmente; o delegado era João Firmiano de Souza, o Juiz de Paz era José Tanclér, que também era “camarista” (vereador) junto com mais seis pessoas: Antônio Estanislau do Amaral Campos, Antônio Ambiel, Francisco Celestino Guimarães, Benjamin Constant de Almeida Coelho, Luiz Gonzaga Bicudo e Alfredo de Camargo Fonseca (ele mesmo, que também era prefeito). O procurador (funcionário público que era responsável pela arrecadação de impostos) era Jordão Teixeira de Camargo e o fabriqueiro (5) era Luiz Teixeira de Camargo, que também era escrivão do cartório e escrivão da polícia.

O crime provocou muito alvoroço na pacata cidadezinha, numa época em que não tinha jornal nem cinema, e na qual a distração mais comum era visitar os compadres e comadres para conversar e tomar um cafezinho perto do fogão de lenha, após caminhar nas ruas de chão batido. Jogos, principalmente de cartas, também era um lazer comum, principalmente para os que frequentavam vendas e botecos. Fora algumas festas religiosas, principalmente as festas em louvor a padroeira Nossa Senhora da Candelária que eram realizadas desde a criação da freguesia, a vida transcorria bucolicamente. Tudo girava praticamente em torno da igreja matriz, único templo religioso da cidade construído em taipa de pilão, belo exemplo da arquitetura religiosa colonial paulista.

No sábado, dia 07 de setembro de 1907, os sussurros discretos sobre o sumiço do moço que havia chegado três dias antes e deixado a mala em um pequeno hotel na pequena Indaiatuba, se transformaram em fofocas fervorosas cheias de conjunturas. O assunto virou um fervo quando alguns perceberam que 'certas pessoas' estavam com mais dinheiro do que de costume e estavam fazendo apostas ousadas nos jogos das mesas de bar.

E outros dois parentes de Geiss se envolveriam na história, e de maneira definitiva para o seu desenrolar: José Tanclér, o juiz de paz, seu bisavô - e o delegado João Firmiano de Souza, seu tio-bisavô. Aconteceu quando o Sr. Modesto de Luca chegou em Indaiatuba. Sua vinda para cá é o capítulo mais fantástico dessa história: a mãe de Domênico, a Sra. Elisabete, sonhou (sim, ela sonhou!) Que o filho estava morto, em uma casa em Indaiatuba (6).

No dia 12 de dezembro, após ir para Piracicaba e confirmar que o filho não havia estado lá, o Sr. Modesto veio, incrédulo, para Indaiatuba. Recusava-se a acreditar para onde o destino lhe estava levando.

Aqui, a atenção se voltava para certas pessoas, que haviam ido para São Paulo fazer compras. De onde haviam conseguido tanto dinheiro?  O delegado-tio-bisavô de Geiss, João Firmiano, já estava na estação ferroviária quando o pai da até então “suposta vítima” chegou, exausto, triste, inconformado, cabisbaixo. E não só ele. A população já tinha o hábito de ir acolher cada composição que chegava na Estação. Aquela, então... Era especial. Só não foi a banda, que ia sempre em ocasiões de visitas ilustres por motivos óbvios. Oficialmente estavam com o tio-bisavô-delegado o prefeito Major Alfredo e o escrivão Luiz Teixeira. Mas extraoficialmente...

A delegação oficial levou o pai para o hotel onde o filho havia deixado a pequena mala. Era uma pista concreta, não era mais um sonho de uma mãe desesperada, que para enganar a si próprio, até então o pai julgara estar alucinando, surtando, ou simplesmente tendo um pesadelo. Logo em seguida, em comitiva pela cidade, acompanhado com o delegado-tio-bisavô, o Sr. Modesto viu a casa que sua esposa havia descrito.

Sem poder compreender aquilo tudo de forma concreta, Modesto sentia apenas sua tristeza aumentar. Não compreendia que o sonho havia cumprido um papel de mensageiro entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos. E embora acreditasse cada vez mais nessa informação, não lhe dava crédito o suficiente para utilizá-la como combustível para seu corpo e mente, cansados e confusos. Afinal, sonho era sonho, não havia provas e a realidade é coisa bem diversa. Renunciar à razão e entregar-se ao sonho significava enfrentar a dor do luto. Talvez por isso, a clara mensagem sobrenatural não se sobrepunha à razão: urgia continuar procurando o filho.

Modesto de Luca prestou queixa e o delegado-tio-bisavô acatou. Formalizado o desparecimento, a primeira atitude de João Firmiano de Souza foi dar importância às fofocas locais -  que ele mesmo acreditava e
... chegando ao meu conhecimento por queixa do cidadão Modesto de Luca, que seu filho Domênico desapareceu misteriosamente sem que se saiba o rumo que tomou e podendo haver no caso algum crime a apurar (...), digo procedente o desentupimento do poço.

Autoridades, repórter do jornal A Gazeta de São Paulo e o povo no quintal da casa, à beira do poço onde foi atirado o cadáver do mocinho Domênico de Luca. (7)

Logo em seguida, mandou prender um dos suspeitos. Sabendo da ordem de prisão, o padre debandou com sua batina arrastando no chão de terra batia e ordenou que o sino da igreja fosse tocado.

Era comum que quando ordens de prisão fossem expedidas, isso acontecesse. Mulheres com seus coques presos em lenços de chita benzeram-se com lágrimas nos olhos, certamente pensando, cada uma, em seu próprio filho. Livrai-me desse mal, amém.

A cidade agitou-se.

O suspeito preso negou por horas a fio. Até que o delegado-tio-bisavô teve uma ideia e estrategicamente armou uma arapuca com o Major Alfredo. E o plano foi posto em prática:

(...) numa certa hora, no meio do interrogatório, entrou de repente o Major Alfredo, e dirigindo-se diretamente ao criminoso, disse: _ É melhor você contar tudo, o cadáver foi encontrado no poço.  A firmeza do Major deixou o suspeito branco, que após vacilar um pouco, com a respiração ofegante e com os olhos voltados para o nada, finalmente começou a falar, quase que sem parar...

Geiss conta que entre “entre baixos e contrabaixos” o delegado-tio-bisavô, mesmo não tendo experiências como crime, pois na época a prática era rara, utilizou-se de sua experiência de vida e, percebendo o nervosismo do rapaz, que era justamente o mais novo dos três assassinos confessos, aproveitou-se da insegurança, provocando: “conta tudo, que os outros já confessaram”. E assim os outros dois nomes foram verbalizados.  Esse plano do delegado-tio-bisavô e a participação do Major Alfredo na cilada verbal ganhou notoriedade em jornal da Capital:

A ideia de que todas aquelas misteriosas circunstâncias ocultavam um crime começou a ganhar terreno e a pacata população, habituada à sua inalterada tranquilidade, começou a empenhar-se pelo caso, surgindo, como um dos mais interessados no descobrimento da verdade, o Sr. Alfredo de Camargo Fonseca, que tomou a si o encargo de prestar o seu apoio à autoridade policial. E foi ainda o Sr. Camargo que, percebendo indícios da responsabilidade de Adão. R., submeteu-o um dia a inteligente interrogatório, vendo, depois de alguma relutância da parte do interrogado, confirmadas todas as suas suspeitas. Adão R. confessara o seu hediondo crime, fora ele, com a cumplicidade de dois companheiros Antônio N. e Eugenio C. que perpetraram o tremendo delito, cujo móvel foi o roubo (8).

O juiz de paz José Tanclér estava presente no interrogatório e após a confissão, foi contar para o pai.
Achou-o em volta do poço, acompanhando atônito a retirada de cada pertence de seu filho no meio do mato morto e da terra umedecida pela chuva dos últimos dias. Até que, por fim, o cadáver do filho insepulto foi encontrado.

O delegado-tio-avô comunicou imediatamente o Dr. Washington Luís, Secretário da Segurança Pública de São Paulo, através de telegrama, que havia sido encontrado em um poço, na localidade de Indaiatuba, o cadáver de um indivíduo. A notícia foi destaque no jornal O Correio Paulistano:

Tratando-se de um hediondo crime, cujo motivo foi o roubo, a autoridade terminou o seu despacho requisitando a ida áquella vila de um médico legista, afim de proceder à respectiva autopsia. Essa diligência será effectuada pelo dr. Alfredo de Castro, que seguirá hoje pelo primeiro trem da S. Paulo Railway. (9)

O pai, após sepultar o filho em Indaiatuba, procurou pessoalmente e de imediato o Dr.  Secretário da Justiça e Segurança Pública de São Paulo para pedir providências a fim de “evitar a fuga dos miseráveis assassinos” que mataram o filho dele, em atroz assassinato em Indaiatuba (10). Debulhado em lágrimas, o pai da vítima contava “não oferecer a cadeia de Indaiatuba condições de segurança”. Receava que os amigos dos criminosos, mais dia, menos dia assaltassem a prisão, contando também para levar a cabo essa tentativa o eficiente destacamento policial. Consta que o Secretário da Justiça tranquilizou o desditoso pai, que num momento de natural desabafo havia repetido os pormenores do crime, lamentando a morte do filho que era toda a sua alegria e todo o seu orgulho.

Quando deixou de receber respostas aos telegramas que lhe dirigiu para Piracicaba – continuou o pai – teve logo o pressentimento de que alguma desgraça sucedera ao seu querido Domênico.

Nem por um momento passou pela mente que seu filho pudesse ter-se transviado, esquecendo-se dos seus deveres. E agora que não tinha mais remédio, que seu Domênico não existia mais, o velho pai desejava que “os bandidos que arrancaram para sempre o filho querido ao seu carinho, ao seu amor, tivessem o castigo devido e não se escapassem da cadeia para gozar, noutro lugar, da liberdade só concedida aos dignos e aos bons”. O Dr. prometeu tomar as devidas providências e os assassinos foram transferidos para a “cadea de Ytú”, sendo que, durante o período em que ficaram detidos em Indaiatuba foram, todos os dias, cada um deles, visitados por suas famílias (11). No dia 14 de janeiro de 2008 era noticiado (12) que o promotor público de Itu apresentava denúncia - naquela Comarca - contra os assassinos de Domênico.

Os três foram condenados.

No julgamento de cada um dos três, cada um jurou por Deus inocência e acusou os outros dois.

O mais jovem, Adão R., que se envolveu no crime quando tinha menos de 21 anos, foi condenado há 25 anos e seis meses de prisão e condenado a pagar ¼ do valor da quantia subtraída da vítima como multa.  No dia 28 de janeiro de 1908, o jornal Correio Paulistano anunciou que as mercadorias aprendidas na casa de comércio de Adão R. foram vendidas em praça pública; é provável que o numerário advindo desse comércio tenha sido utilizado para pagar essa multa ou parte dela.

A terceira enxada – A escada


Adão R. fugiu da cadeia de maneira inusitada: encostou uma enxada em um muro, escalou equilibrando-se e, segundo se falava a boca-pequena, veio buscar dinheiro em Indaiatuba para fugir para a Argentina, de onde vinha de vez em quando, sorrateiramente, visitar a família.  

O Dr. Washington Luís recebeu comunicação do delegado de polícia de Itu de ter-se evadido da cadeia daquela cidade o criminoso Adão R. (...), um dos autores do crime cometido há três anos em Indaiatuba. (13)

Adão R. – Condenado há 25 anos de prisão, fugiu da cadeia. (14)

O mais velho de todos, Eugenio C. foi condenado a 30 anos de prisão e foi absolvido de multas; o juiz entendeu que sua família não teria meios de arcar com essa despesa. Ele não cumpriu a pena completa pois morreu na prisão. Dos três, Antônio N. foi o único dos três que ficou encarcerado.

Incialmente também condenado à pena máxima, que era de 30 anos, cumpriu 21 após redefinição. Sua família foi a que mais recorreu da sentença e após ter confessado e condenado, mudou sua versão da história, dizendo por anos a fio que havia sido torturado pelas autoridades indaiatubanas para confessar o crime.

Eugenio C. – Condenado há 30 anos de prisão, morreu encarcerado. (15)

O julgamento de Antônio N. ganhou notoriedade na época. O jornal O Commercio de São Paulo (16) cobriu o acontecimento e dedicou quase ¼ de página para narrar em detalhes a condenação de Andó (apelido dele): o conselho, o interrogatório, a acusação, a defesa e o veredito foram descritos. O réu argumentou, segundo registrou o jornal, ter sido torturado à exaustão até que

... completamente desanimado, assinou o tudo quando as autoridades policiais quiseram, que as declarações dos autos foram feitas exclusivamente pela autoridade policial, sendo ele obrigado a assiná-las e que nega terminantemente ser autor do assassinato de Domênico de Luca.

O responsável pela acusação Carlos Alberto Vianna, sustentou a acusação recorrendo à condenação que já fora imposta aos outros assassinos, a provas dos autos, acareação, relatos de testemunhas e por último destacou a inútil habilidade do réu em tentar subtrair-se de suas responsabilidades no latrocínio. O advogado de defesa, Capitão Juvenal Leite do Amaral Coutinho iniciou a defesa desalentado (17), em vista dos julgamentos anteriores, de Adão R. e Eugenio C. Destacou que a causa de seu constituinte “já estava prejudicada pela opinião pública, que dominava poderosa e invencivelmente”.

Criticou as gazetas, que “exploraram os fatos espetacularmente, com a avidez” de quem só tem o foco na “venda avulsa”. Isso colocou seu cliente indefensável, o acusado, para ele, ficou em uma “atmosfera de rancores e prevenções que lhe tolhem a defesa” clima esse que já “domina a consciência dos senhores jurados”. Argumentou que o acusado Antônio N. fora envolvido no processo por dois motivos: pela inveja e pela vaidade.

Inveja daqueles que, em Indaiatuba não podiam com bons olhos ver o acusado feliz e prosperando em seu comércio, tirando sobejas recompensas das suas múltiplas atividades, todas honestas. A vaidade também agiu poderosamente, pois o crime de Indaiatuba era sensacional e oferecia, no descobrimento de seus autores, a glória à autoridade policial. Na falta de outros meios que pudessem dar o procurado resultado, implantou-se o regime de violência e da incomunicabilidade para arrancar confissões e se utilizaram de testemunhas que são verdadeiros comparsas da polícia. (18)

Mesmo com a mudança no depoimento, o veredito julgou o réu Antônio N. culpado e o condenou a 30 anos de prisão, sob protestos do advogado de defesa.

Também mesmo com inúmeros recursos, ele pagou pelo crime que cometeu e pelo qual foi julgado e condenado. Cumpriu a pena imposta e nada mais devia para a sociedade após sair da prisão.

Mas não foi isso que aconteceu, ele não conquistou a liberdade; essa ficou apenas na esfera documental, em uma autorização de soltura. Geiss lembra que quando era menino, por trás do balcão da loja do seu tio, certa feita Antônio N. passou por ali e as pessoas apontaram-no como 'o criminoso'. Ele estendia a mão para cumprimentar as pessoas, mas ninguém retribuía. Lembra-se vagamente que atravessavam a rua quando deparava com ele no mesmo caminho.  

O jornalista da Gazeta de São Paulo, que viera da Capital para acompanhar o desenrolar do crime, contou que, quando ele estava cobrindo o fato, ao redor do poço, ao lado do pai, Antônio N. que ali ficara, junto com demais populares, dissera:

- Aposto 100$ contra 2$ que nesse poço não tem nenhum cadáver!

Por essa e por outras histórias que se avolumaram, não houve como se reintegrar à sociedade de Indaiatuba.

Se a justiça o condenara e o livrara da responsabilidade após cumprir a pena, as pessoas do lugar, não deram a ele essa condição; não o livraram, jamais, da culpa por ter participado do crime que tão barbaramente ceifou a vida do jovem Domênico.  

 
Antônio N. – Condenado a 30 anos de prisão, cumpriu 21 anos. (19)

O comerciante Walter Nicolucci (20) conta que, na ocasião em que foi construído o Hospital Augusto de Oliveira Camargo na década de 1930, entre os tantos profissionais contratados da Capital para efetuar os serviços, um deles era um responsável pela pintura. Ele apaixonou-se por uma das descendentes de Antônio N., que vivia na cidade. Contaram para ele sobre o crime, sobre a “proximidade” que a moça tinha com o assassino.

_ Melhor não se casar com ela! - aconselharam.

Correu a boca pequena que até carta enviaram para a família dele em Portugal, dedando sobre a proximidade do moço com a filha do assassino. Obviamente o enamorado não deu importância para a restrição, casaram-se e constituíram família. Mas esse exemplo ilustra o quanto os familiares de Antônio N. carregaram o peso de um crime que não foi a família que cometeu.  

 

Antônio N. sendo interrogado pelo D. Mamede Silva, delegado de Itu, acompanhado do escrivão Luiz Camargo. Imagem feita no momento em que ele confessava o crime. Em pé, tomando notas, o Sr. Osvaldo Queiroz, repórter da Gazeta de São Paulo. (21)

Na década de 1940 estiveram em Indaiatuba profissionais de uma emissora de São Paulo. Geiss não se recorda bem, mas acha que era a Rádio Record de São Paulo.

Seu avô materno foi entrevistado sobre o crime e essa foi apenas uma das mídias que, durante mais de um século, divulgou essa história que até hoje emociona os indaiatubanos e aos que visitam o túmulo do menino Domênico, que foi eleito um Santo de Província, recebendo em sua sepultura ex-votos agradecendo várias graças alcançadas para quem reza para sua alma.



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(1)  A história completa do crime do poço você pode ler no livro O Crime do Poço – Uma tragédia indaiatubana (Eliana Belo Silva, 2007) ou em meio digital a partir deste link.
(2) Em entrevista para a autora (datas diversas).
(3) CAMARGO, Nabor Pires. Recordações de um Clarinetista. Indaiatuba (SP): Fundação Pró-memória de Indaiatuba, 2000, (Crônicas Indaiatubanas - Volume 2).
(4) CARVALHO, Nilson Cardoso de. Os Casarões Antigos do Largo da Matriz de Indaiatuba. Disponível em http://www.promemoria.indaiatuba.sp.gov.br/arquivos/galerias/os_casaroes_do_largo_da_matriz.pdf
(5) Membro de uma paróquia, encarregado de recolher os rendimentos de uma igreja, administrar-lhe o patrimônio (que pode incluir o cemitério) e zelar pela conservação de alfaias e parâmetros.
(6) Algumas fontes atribuem o sonho ao pai, mas quem sonhou foi a mãe. Essa atribuição foi feita para poupar a mãe de depor no inquérito, uma vez que o sonho foi definitivo para esclarecer o crime e encontrar o cadáver do menino assassinado.
(7) Crédito da imagem: O Malho de 04 de janeiro de 1908.
(8) O Correio Paulistano de 16 de dezembro de 1907 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(9) O Correio Paulistano de 17 de dezembro de 1907 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(10) Notícia publicada no Correio Paulistano de 18 de dezembro de 1907 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(11) Correio Paulistano, 08 de janeiro de 1908 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(12) Correio Paulistano, 14 de janeiro de 1908 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(13) Correio Paulistano, 27 de março de 1910 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(14) Crédito da imagem: O Malho de 04 de janeiro de 1908.
(15) Crédito da imagem: O Malho de 04 de janeiro de 1908.
(16) Jornal O Commercio de São Paulo de 18 de novembro de 1908– Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
(17) Jornal O Commercio de São Paulo de 18 de novembro de 1908 - Idem.
(18) Defesa de Antônio N., segundo publicado no jornal O Commercio de São Paulo de 18 de novembro de 1908.
(19) Crédito da imagem: O Malho de 04 de janeiro de 1908.
(20) Em entrevista para a autora.
(21) Crédito da imagem: O Malho de 04 de janeiro de 1908.













terça-feira, 4 de março de 2014

O Crime do Poço - Capítulo 18 – Sepultamento e ... Milagres (último capítulo)



 

 

Além da vítima barbaramente assassinada neste latrocínio, 157 pessoas morreram em Indaiatuba em 1907, sendo 99 crianças com menos de 1 ano de idade[1].

O “crime do poço” é ainda lembrado por moradores que, de uma forma ou de outra, ouviram algo sobre essa tragédia que ainda emociona e espanta. A “tragédia da rua candelária”, escrita por Mário Dotta em seu livro homônimo registra que “lágrimas foram derramadas pela vítima”, mas também muitas lágrimas foram derramadas pelos delinquentes e seus familiares”, que não deveriam jamais terem sido apontados por um delito que não cometeram.

São decorridos 100 anos. Nenhum envolvido vive mais, mas muitos se envolveram após o sepultamento. Inúmeras foram as pessoas que levaram flores e acenderam velas sobre as cinzas do menino Domênico.

Nos idos anos decorrentes logo após 1907, lágrimas de saudade da família, que de desgosto retornou para a Itália[2] e lágrimas caridosas da população conterrânea à tragédia umedeceram o túmulo.

Com o passar dos anos, a saudade se transformou em piedade. E a tristeza, quem diria...se transformou em esperança. Sim, por motivos óbvios para a fé de alguns e incompreensíveis para o ceticismo de outros, o túmulo se transformou em uma referência onde se reza não só pela paz de quem ali jaz, como em quase todas as lápides, mas se reza para agradecer e para pedir.

Tentei encontrar conceitos e definições conversando com várias pessoas de religiões e crenças diferentes, lendo livros e textos de antropologia e religião, no sentido de oferecer aos leitores explicações para o que acontece ali, mas desisti.

Escolhi simplesmente registrar que o “mistério da fé” é o elemento responsável por acolher as orações dos que ali se aproximam, ou daqueles que de Domenico ou de sua história se lembram à distância. Em uma linguagem moderna, contextualizada dentro do momento em que vivemos, eu diria com extrema dose de subjetividade, que o túmulo é um portal para o céu, para o bem.

E para não registrar apenas minha particular definição, medíocre diante da grandiosidade desse mistério de fé, creio ser justo, indispensável e emocionante registrar a opinião de uma descendente da família de Domênico. Trata-se de sua sobrinha neta, cujo pai é filho do irmão do Domênico, o Antônio de Lucca, “uma pessoa muito boa, “todos que o conheceram diziam que era o maior coração do universo, humilde, amigo... adorava as crianças, vivia comprando balas e doces e distribuía na rua.” Ela conta que acredita que, pela quantidade de orações recebidas, Domênico ganhou luz e começou a fazer pequenos milagres.

 

[...]

 

Embora acostumado pela sua profissão, o médico responsável pela autópsia ficou horrorizado à vista de tão hediondo crime.  Fez um esforço para limitar-se a fazer sua obrigação com frieza e precisão, mas titubeou em uma sensação de compaixão e revolta. Por fim, despediu-se do pai, autorizando o enterro, dando por encerrada a parte legal do lamentável episódio.

O senhor Modesto, que a tudo acompanhara, com a coragem que somente o amor paterno pode infundir, enrolou o corpo do filho num lençol e, ajudado por outras almas solidárias, carregou o cadáver até a igreja.

O padre Miguel Guilherme, pároco da matriz Nossa Senhora da Candelária, presidiu palavras de consolo para toda a população abalada que, pouco a pouco, adentrava na igreja em profundo silencio para acompanhar a celebração.

O cortejo fúnebre partiu ao som do sino da matriz, que ecoava para os campos de toda a redondeza, em compasso único, uma melodia tristonha, anunciado a vida que se findara... Findara a vida do jovem imigrante italiano que, na flor da juventude, havia chegado a nossa terra simplesmente para cumprir seu dever de filho e de trabalhador.

Do largo da matriz até o largo da cadeia, todas as portas e janelas se fecharam em profunda manifestação de respeito e luto à perda irreparável e a dor irredutível do pai, que fortemente abraçava o cadáver do filho.

E naquele dia... Todas as flores de Indaiatuba foram cortadas para enfeitar o corpo do jovem, e ninguém ficou em casa. Moradores que estavam nas ruas, como de costume[3], ajoelharam-se em sinal de profundo respeito, enquanto todos os outros acompanhavam o ato de piedade e caridade cristã.

Até a banda[4] da cidade acompanhou o pobre pai a carregar seu filho Domênico, com mistas e lutuosas melodias.

E naquela triste tarde de verão, do largo da cadeia até o cemitério, a paisagem arborizada por carvalhos, magnólias e altos pés de biris[5] testemunhou o comovente cortejo, que lentamente caminhava no chão batido, levando o menino Domênico até sua última morada.

Túmulo sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições. E ali no cemitério de Pedra, na Rua Candelária, até hoje jaz o menino em um túmulo construído pela municipalidade.

Túmulo coberto de ex-votos, de fiéis e devotos que, por ali orarem, alcançaram graças e milagres.

Túmulo sempre florido com homenagens e lembranças póstumas.

Túmulo sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições.

Túmulo sempre velado pelo carinho do povo de Indaiatuba, que não pôde esquecer o trágico destino de Domênico de Lucca, que se foi...

Com apenas 17 anos de idade.

 
 
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Religião para Tomás de Aquino é o estudo da virtude moral pela qual o homem deve render graças a Deus [STh I-II,q60,a3,c]. Em Tomás de Aquino encontramos uma profunda análise filosófica da religião enquanto virtude pela qual o homem se converte a Deus, se orienta a Deus e rende-Lhe graças.



[1]  Dados do SAEDE - Sistema Estadual de Análise de Dados da Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do Estado de São Paulo)
[2]  Informação da sobrinha-neta de Domênico de Lucca, Márcia Cristina de Lucca, dada em 2007 (informação verbal).
[3]  SANNAZARO, p. 73
[4]  CARVALHO, p. 77
[5]  SANNAZZARO, p. 87
 

O Crime do Poço - Capítulo 17



 

 Antônio confessou sua participação no dia 21 de dezembro de 1907[1], mas negou ter ficado com qualquer quantia roubada da vítima. 

No mesmo dia, Eugênio confessou sua participação no assassinato, mas disse que não sabia onde estava o dinheiro que recebera na partilha.  Contou sem ressalvas ou constrangimento que encontrara com Antônio por volta do meio-dia no dia do assassinato, que havia ido a sua casa para a refeição e que na volta, "...na rua Candelária... perto do largo da Cadeia...[quando ia em] ...direção a sapataria que trabalha, na rua Boa Vista desta cidade...encontrou-se com Antônio... [que lhe disse]... vamos até a casa de Adão R. que lá tem um viajante que tem dinheiro e nós poderemos roubar o dinheiro dele.” E para lá se dirigiram. Em nenhum momento Eugênio declarou dúvida sobre o convite que aceitara sem nenhum questionamento.

E em nenhum momento qualquer um deles declarou arrependimento.


[...]


No ano em que foram presos e condenados, os três assassinos fizeram parte do total de 248 pessoas que foram presas e condenadas por crime no estado de São Paulo (vide anexo I).

A sessão do julgamento teve início em Itu, no prédio da Câmara Municipal, instalado na época na rua da Palma no. 60 no dia dez de novembro de 1908, as 8 horas da manhã. O juiz e presidente do tribunal foi o Doutor José de Campos Toledo. Os juízes de direito, na época, estavam dispensados de provas (concursos), mas era exigido que fossem “... bacharéis de direito, maiores de 28 anos, bem conceituados, tendo pelo menos 4 anos de prática de foro, adquiridas nos efetivos exercícios de advocacia ou de ministério público no Estado[2]”.

O promotor público foi o Doutor Carlos Alberto Vianna, e doze jurados foram sorteados.  O primeiro a ser julgado foi Adão, cujo advogado de defesa foi José Adriano Marrey Júnior. Após ouvir as testemunhas, a única ressalva de Adão foi que havia sido induzido pelos outros réus. Por unanimidade de votos o júri entendeu que Adão R. subtraiu dinheiro da vítima Domênico de Lucca contra a vontade do mesmo; que praticou violência física atirando sobre a vítima uma pedra; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que o réu atraiu a vítima para o local do crime com o pretexto de mostrar-lhe uma partida de milho, para que outros cometessem o crime, que assim procedendo prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que o réu cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa; que o réu cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime.
 
  Como atenuante a favor do réu, o júri entendeu que, por ser Adão um ser o delinqüente menor de 21 anos, em vez de cumprir 30 anos, seria condenado há 25 anos e seis meses e obrigado a pagar como multa, ¼ do valor da quantia subtraída , com fundamento no artigo 359 do Código Penal (editado em outubro de 1890).

No dia seguinte, 11 de novembro, foi a vez do julgamento de Eugênio C., cujo advogado era Alfredo Bauer. Após ouvir as testemunhas, Eugênio apontou como ressalva que confessou que roubou a faca após ter sido tratado com animosidade pelas autoridades policiais de Indaiatuba, que contra ele usaram de violência física. Da mesma forma que Adão, foi condenado por unanimidade pelos 12 jurados, que entenderam que Eugênio subtraiu dinheiro da vítima Domênico de Lucca contra a vontade do mesmo; que praticou violência física com uma faca, conforme ferimento descrito nos autos do exame cadavérico; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que procedendo assim prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa cometida; que cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que cometeu o crime com surpresa ao envolvido; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime; que o réu cometeu o crime com premeditação, tendo entre a deliberação criminosa e a execução um espaço de 24 horas. Foi condenado no artigo 359 do Código Penal, a 30 anos de prisão, absolvido de multas, pelo juiz considerar que pela sua prisão faltaria meios para sua liquidação.

No dia 16 de novembro foi a vez de Antônio N., cujo advogado era Juvenal do Amaral. Após ouvir as testemunhas, Antônio reagiu de uma forma diferente dos comparsas, negando sua participação no crime. Sim, negou a participação, dizendo que só assinou sua culpa após “completo desânimo” provocado por violências das autoridades policiais de Indaiatuba e que continuaria para sempre negando ser o autor da morte de Domênico. Mesmo com a veemência com que gritava sua inocência, também foi condenado por unanimidade pelos 12 jurados, que entenderam que Antônio subtraiu dinheiro da vítima contra a vontade do mesmo; que praticou violência física com um pau, fazendo ferimentos contusos e fraturas nos ossos conforme indicações nos autos do exame cadavérico; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que procedendo assim prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa cometida; que cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que cometeu o crime com surpresa ao envolvido; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime; que o réu cometeu o crime com premeditação, tendo entre a deliberação criminosa e a execução um espaço de 24 horas. Também foi condenado no artigo 359 do Código Penal, a 30 anos de prisão, absolvido de multas, pelo juiz considerar que pela sua prisão faltaria meios para sua liquidação.

Conforme documento seguinte (cópia dos autos do processo, com a grafia mantida) apenas Antônio N. cumpriu parcialmente a essa primeira sentença, uma vez que recorreu e sua pena foi redefinida para 21 anos de prisão. Na ocasião em que recorreu, Antônio continuou a dizer que “provará que, no dia cinco de dezembro de 1907... não tomou parte em um crime que se deu na casa de Adão R.”... [e que só havia confessado o crime anteriormente, na cadeia de Indaiatuba]... “pois sofrera pancadas... teve as mãos amarradas... e de tanto maus tratos, confessou o delito...”

 

 
 
[Brasão da República]  Juízo de Direito das Execuções Criminaes da Capital
Do Estado de S. Paulo
No. 297
                                                               S. Paulo, 27 de dezembro de 1928
                                                               J. Itú, 20 de / XII/28
                                                               [ assinatura]
 
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da comarca de Itú.
 
                               Tenho a honra de comunicar a V. Excia. Que. Nesta data, foi posto em liberdade por alvará de soltura expedido por este Juízo, o sentenciado Antônio N., que, na Penitenciária do Estado, terminou o cumprimento da pena de 21 anos de prisão cellular, que lhe foi imposta pelo Jury dessa Comarca, em sessão de 24 de agosto de 1910, como incurso do grão médio do artigo 359 do Código Penal.
                                                               Aproveito a opportunidade para apresentar a V. Excia os protestos da minha elevada estima e distincta consideração.
 
                                                                                              [assinatura]
                                                                                              O Juiz substituto.

 

Com base na mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, em 14 de julho de 1908, pelo então governador da província, Dr. M. J. Albuquerque Lins em que relata as condições dos presos na Penitenciária em que ficou Antônio, podemos ter um panorama destes 21 anos de reclusão:

“É uma das maiores necessidades do Estado, a bem da administração da Justiça, a construção de uma nova Penitenciária, segundo conceito moderno, de acordo com o grau de civilização a que já chegou o Estado de São Paulo, e com capacidade para recolher todos os condenados. Já alguma coisa se tem feito com a edificação de cadeias nas localidades; mas é insuficiente, porquanto as cadeias destinadas as detenções simples não possuem oficinas de trabalho, nem escolas, nem enfermarias, não possuem, enfim, nenhuma das condições necessárias para o preenchimento dos fins da pena[3]”.

Conforme publicou o jornal indaiatubano Tribuna de Indaiá, na ocasião do 53º. aniversário do crime, “...os criminosos foram condenados ... e enfim desapareceram da lembrança do povo”.

Mario Dotta escreveu que “menciona a crônica forense que Eugênio C. morreu na prisão, Antônio N cumpriu toda a pena e ganhou a liberdade e Adão R. conseguiu fugir da prisão, não tendo sido jamais encontrado”.


Sobre os protestos de inocência bradados pelos envolvidos, no texto do jornal se lê que “... a esta altura, talvez os três tenham chegado à presença da Divina Justiça, à qual nada se pode esconder. Talvez até tenham recebido o merecido castigo, talvez a infinita misericórdia de Deus os tenha perdoado, assim como deve tê-lo feito a própria vítima, o bom moço Domênico de Lucca.”

  A publicação de detalhes sobre o crime, que entrou para a história de Indaiatuba com o título “O Crime do Poço”, ocorreu durante 4 edições, nos dias 04, 11, 25 de dezembro de 1960 e 01. de janeiro de 1961 e sensibilizou a população da época que, dividida, se manifestou contra e a favor da iniciativa, conforme nota do redator:


“Por termos traduzido de um livro e publicado a história do famoso Crime do Poço, ocorrido nesta cidade, no princípio deste século, recebemos elogios e críticas. Os que nos lisonjearam, naturalmente foram as pessoas partidárias do esclarecimento total do fato que enlutou a cidade e que embora a longo tempo da ocorrência, perdura na memória de todos.

Os que nos condenaram pela revivescência do acontecimento alegam que muitos que nada tiveram com o fato ainda vivem, isto é os descendentes e parentes dos autores.

Mas na história da vida sempre há duas correntes antagônicas.

Todavia, o que nos impulsionou a reviver o passado , foi nossa intenção de esclarecer o fato, sem aquele sentido de exploração para fazer sensacionalismo jornalístico, tão em moda em nossos dias.

Somos daqueles que concebem que a imputação da pena não vai além dos infratores, isto é, de que a lei não atinge descendentes ou parentes, como considera a norma penal moderna. Assim também na moral, as pessoas que não tiveram participação ativa ou passiva nada tem a ver com o caso, motivo porque não tivemos dúvidas de fazer estas publicações, que não afetam de maneira nenhuma as pessoas vivas, ligadas pelo laço de parentesco aos autores do crime.”

 




[1] As informações deste capítulo são advindas dos autos do processo
[2] Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Presidente do Estado de São Paulo, Dr. M. J. Albuquerque Lins, em 14 de julho de 1908, p. 7. São Paulo. TYP do Diário Oficial, 1916 (reedição).
[3]  Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Presidente do Estado de São Paulo, Dr. M. J. Albuquerque Lins, em 14 de julho de 1908, p. 13. São Paulo. TYP do Diário Oficial, 1916 (reedição).
 

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