Karl von Engler
nasceu na Áustria em 1800 e no século XIX veio para a região de Itu, na década
de 1820, onde foi reconhecido com um dos maiores intelectuais da sua época. Oficialmente,
sua vida para o Brasil teria ocorrido em atendimento à um convite da Princesa
Leopoldina, para trabalhar como engenheiro na Real Fábrica de Ferro São João do
Ipanema, confirmação que carece de mais pesquisas. Certo é que em 1825 morava
em um sitio de sua propriedade, no Bairro do Buru (que era, na época,
pertencente à Itu).
O Buru, onde o
médico tinha essa propriedade, foi um dos quatro bairros que, juntos, formariam
Indaiatuba. Naquela época, bairro era um local rural, conjunto de vários “fogos”
(casas) localizadas às margens de um rio ou um de seus afluentes, córregos ou
ribeirões.
No caso do Doutô
Carlos Engler, como ficou conhecido na região, sua propriedade ficava às
margens do Ribeirão do Buru, que deságua no Rio Tietê. Como certo, tem-se a
informação que em 1825 ele já morava nesse local, também grafado das seguintes
formas: Boiry, Boiris, Boiri, Boyry e Emburu. Ali, no próprio sítio que
adquiriu de José Joaquim Leme em 1847 atendia pacientes; mas não só ali: tinha
pacientes também em seu “consultório” em Itu, onde foi reconhecido médico,
naturalista e botânico, tendo também um “laboratório”.
Hércules
Florence, desenhista da famosa Expedição Langsdorff, conheceu Carlos Engler em
1826, classificando-o como homem voltado para a ciência, dono de uma biblioteca
alemã, laboratório de física, química e astronomia. Hércules também afirma que
foi o Doutô Engler quem apresentou ao alemão Georg Heinrich von Langsdorff,
também médico, a “cainca” e suas virtudes medicinais. Arbusto de um a dois metros
de altura (Chiococca brachiata),
conhecida também como caninana, raiz preta, cipó-cruz, cruzeirinha, fedorenta,
raiz de frade – tem raiz tida como purgativa, diurética, vomitiva e
antirreumática. Langsdorff não se fez de rogado e, ignorando o modesto colega
de Itu, alardeou na Europa seu pretenso descobrimento da “cainca” brasileira.
Doutô Carlos Engler
faleceu em 18 de setembro de 1855, mas seu filho Dr. Carlos Filadelfo Engler,
nascido em Itu em 1833 mudou-se para Campinas onde continuou a profissão do
pai. Em 1833 ele publicou anúncios nos periódicos locais informando que “médico
formado em Bruxelas” passaria a atender na região, na Rua Constituição. Em 1876
o nome dele consta na lista de eleitores de Campinas, sinalizando que ele
passou, em certo momento de sua carreira a atender na Rua Regente Feijó como
“especialista em morphea, sífilis escrófulas, reumatismo, ataques de gotta e
astham, a não ser aquelas provocadas por lesão orgânica”, informação confirmada
no Manual da Província de São Paulo para o ano de 1883, e no Manual Campinense
de 1880. Em Campinas, ele atendia de graça os mais necessitados na botica do
Sr. Pedro Kiehl, onde disponibilizava-se também a atender “pobres fora da
cidade”. Carl Filho era pesquisador, conhecedor da flora paulista e herdou do
pai a composição do “Sal Engler”, segundo tradição familiar eficiente
medicamento no tratamento de feridas produzidas pela hanseníase e outras
doenças de pele, e as observações botânicas que lhe eram muito valiosas.
Em 1882, foi
solicitado ao governo da Província de São Paulo, por um político de Campinas,
apoiado por um documento da Câmara Municipal daquela cidade, que fosse cedido
7:000$ para o Dr. Carlos Engler, especialista em morphea (hanseníase ou lepra),
uma vez que ele já havia, comprovadamente, curado vários doentes “desse mal”. A
verba não era para que o médico voltasse para a Europa estudar mais sobre a
doença, mas sim para que ele pudesse “sujeitar aos mestres da ciência o fruto
acurado de seus estudos e observações."
Consta que a verba
foi concedida.
.....OOOOOoOOOOO.....
LEIA MAIS SOBRE CARLOS ENGLER
Texto de Jonas Soares de Souza
Revista Campo E Cidade
Edição 74 originalmente disponível aqui.
O médico austríaco Karl von Engler talvez tenha sido o primeiro médico a clinicar regularmente em Itu/SP. Formado na Áustria, emigrou para o Brasil e foi morar na então vila de Itu em 1821, dedicando-se ao tratamento dos hansenianos com medicamentos derivados de ervas da flora paulista. Em pouco tempo Carlos Engler, como ficou conhecido, tornou-se um dos mais brilhantes intelectuais da região.
Seu tataraneto, o odontologista Roberto Engler Rizzi, que reside em Itu, conta que ouvia da avó uma versão dos motivos que levaram Carlos a vir ao Brasil. De acordo com essa versão, na tradição da família Engler os homens estudavam Direito, mas Carlos secretamente estudou Medicina. Na festa de sua formatura um parente cumprimentou o novo médico diante de sua mãe, que acreditava que o filho tinha dado sequência à linhagem de advogados. Quando ela ouviu que ele se formara médico tiveram uma briga sem precedentes e Carlos resolveu deixar a Áustria.
Outra tradição familiar diz que Carlos veio trabalhar no Brasil como engenheiro na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema (hoje Iperó/SP), a convite da Princesa Leopoldina. No entanto, ele é geralmente citado como naturalista, botânico e médico, e não como engenheiro. O certo é que na década de 1820 ele estava em plena atividade em Itu. Hercules Florence, desenhista da famosa Expedição Langsdorff, conheceu Carlos Engler em 1826. Homem todo voltado para a ciência, dizia Florence, tem uma biblioteca qualificada e assinaladamente alemã, equipada de laboratório de Física e instrumentos de Química e Astronomia.
Segundo ele, foi Engler quem apresentou ao alemão Georg Heinrich von Langsdorff, também médico, a “cainca” e suas virtudes medicinais. Arbusto de um a dois metros de altura (Chiococca brachiata) tem designação variada conforme a região – caninana, raiz preta, cipó-cruz, cruzeirinha, fedorenta, raiz de frade – e sua raiz, de cor negra, é tida como purgativa, diurética, vomitiva e antirreumática. Langsdorff não se fez de rogado e, ignorando o modesto colega de Itu, alardeou na Europa seu pretenso descobrimento da “cainca” brasileira.
Reputação
O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire conheceu o interior paulista na segunda década do século 19 e descreveu minuciosamente os lugares por onde passou. Chamou sua atenção a existência do hospital dos leprosos, o cotidiano da população e o traçado urbano de Itu. Descreveu a vila como estreita e muito alongada, compondo-se de ruas paralelas de pouca largura, bem alinhadas, que cortavam outras ruas estreitas e marginadas por muros de jardins. Nas ruas principais, as casas de taipa pintadas de branco tinham suas frentes calçadas com pedras largas e lisas (varvito) e um grande número delas pertencia a senhores de engenhos de açúcar, que só vinham à vila aos domingos, a fim de ouvir missa, diz Saint-Hilaire, “não se podendo mesmo, em rigor, computá-los como elementos constituintes da população”. Ele calculou a população permanente, composta na maioria por comerciantes e artífices, em “1.000 ou 1.200 almas” ao fim do ano de 1819.
Em uma daquelas ruas, segundo tradição a Rua das Palmas (atual Rua dos Andradas), foi morar Carlos Engler numa casa cujo quintal se abria em imensa chácara. Nesse ambiente pacato, era de se esperar que Engler gozasse de reputação e honrarias. Mas, não foi o que notou Hercules Florence. Ele ficou impressionado com o fato de que todo aquele aparelhamento só rendia ao médico a estima de minguado número de pessoas.
Quanto à maioria da população, prevalecia a indiferença e, não raro, a censura. Engler prosseguia com as pesquisas no laboratório do sítio Emburu e os atendimentos na casa da vila. Florence concluiu: “Dotado, como é, de tato fora do comum, dispõe do que a Medicina lhe proporciona, e isto o torna independente. Dir-se-ia que cultiva as ciências para seu próprio prazer e não para ostentar erudição”.
Langsdorff
Os conhecimentos de Carlos Engler induziram o barão de Langsdorff a alterar a rota de sua planejada expedição a Cuiabá. A expedição era parte do esforço do governo do Czar Alexandre I para reavivar as relações comerciais entre Brasil e Rússia, prejudicadas por embargo imposto pelo rei D. João VI. Com apoio do jovem Imperador D. Pedro I e de José Bonifácio foram concedidos créditos vultosos e vantagens alfandegárias para a expedição que pretendia “descobertas científicas, investigações geográficas, estatísticas e o estudo de produtos desconhecidos no comércio”.
Organizada e chefiada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, a expedição tinha inicialmente prevista uma rota terrestre. Engler, segundo o próprio Langsdorff, aconselhou-o a dar preferência à rota fluvial, a começar pelo rio Tietê, porque a rota terrestre já tinha sido trilhada por naturalistas como Martius e Spix, Burschell, Natterer e outros. Convencida da vantagem da rota fluvial a Expedição Langsdorff partiu a 22 de junho de 1826 de Porto Feliz/SP em direção a Cuiabá e depois para o Norte, tendo como meta atingir o rio Amazonas. Até 1829 percorreu mais de 16 mil quilômetros pelo interior do Brasil, fazendo registros dos aspectos mais variados de sua natureza e sociedade, constituindo o mais completo inventário do Brasil no século 19.
Sobre Carlos Engler, Langsdorff escreveu em seu diário: “ele mora em Itu há cinco anos e trabalha na área de pesquisa científica; como médico, se dedica principalmente aos estudos da Química; está sempre em contato com a Alemanha, França e Inglaterra e divulga suas descobertas por meio de sua correspondência com cientistas; envia para fora minerais e raízes desta terra, pesquisa e investiga; um dia, provavelmente, terá que prestar contas do seu trabalho; a prática da Medicina lhe garante uma boa receita.
Médico e botânico poliglota
Doze anos depois da visita do barão Langsdorff e do desenhista Hercules Florence o médico luterano Carlos Engler hospedou em sua casa o pastor metodista norte-americano Daniel Parish Kidder e sua esposa Cynthia H. Russel. O casal estava no Brasil em missão da American Bible Society, para distribuir bíblias “a todas as pessoas que as quisessem aceitar”. O pastor Kidder falou extensamente dessa missão no livro que escreveu sobre suas viagens e descreveu sua passagem por Itu.
Em 1838, quando chegou à vila, já existiam dois médicos e o Hospital de Lázaros, sob o patrocínio do Senhor Bom Jesus do Horto, “que abriga 10 ou 12 inválidos e recebe os infelizes atacados de elefantíase e moléstias semelhantes”. Um dos médicos era Engler. Ao chegar a sua casa o pastor Kidder a encontrou “literalmente cercada de doentes e de emissários de clientes, a espera de receitas”. Além de médico insigne, afirma Kidder, era também botânico, filólogo notável e poliglota. Falava com facilidade, além de sua língua materna (alemão), o inglês, o francês e o português, entendendo ainda o espanhol, o italiano e o russo.
Kidder impressionou-se também com o laboratório de Química e a biblioteca, “a maior e a mais valiosa de quantas vimos no Brasil”. Sua fama de médico, continua Kidder, projetava-se por grande parte do país e era imenso o seu tirocínio. De grandes distâncias e de todas as direções afluíam clientes ao seu consultório.
Karl von Scherzer, que liderou a parte científica da expedição de pesquisadores austríacos que, à bordo da fragata Novara, empreenderam uma circunavegação ao redor da Terra entre 1857 e 1859, conta que ao passar pelo Rio de Janeiro procurou informações sobre o destino dos trabalhos dos naturalistas alemães no Brasil, dentre eles Carlos Engler: “Recebemos porém de todos a resposta pouco confortante que, com exceção da herança científica do Dr. Engler, em Itu, na Província de São Paulo, somente pouco foi conservado. As coleções pereceram por falta de cuidado e os manuscritos foram espalhados ou destruídos, muitas vezes por ignorância”.
Sal Engler
Nascido em Viena (Áustria) no ano de 1800, Carlos Engler declarou no seu testamento, lavrado a 16 de abril de 1853, ser “da Nação Alemão” (sic), tendo como pais Carlos Christovão Engler e Dorothea Elisabeth Engler. Casou-se em Itu em primeira núpcia com Carolina Angélica do Amaral. No testamento e inventário a segunda esposa é citada como Gertrudes Antonio de Barros (Engler) e Gertrudes Teixeira da Fonseca Engler.
Seu filho, e de sua primeira esposa Carolina, Carlos Filadelfo Engler, nascido em Itu em 1833, estudou Medicina na Université Libre de Bruxelles (Université d’Europe) e acompanhou o pai no tratamento de hansenianos em Itu. Depois foi clinicar em Campinas, especializando-se na moléstia e alcançando resultados surpreendentes de cura, fatos atestados por seus colegas. Sabe-se que era pesquisador, conhecedor da flora paulista e que herdara do pai a composição do Sal Engler, segundo tradição familiar eficiente medicamento no tratamento de feridas produzidas pela hanseníase e outras doenças de pele, e as observações botânicas que lhe eram muito valiosas.
Herança científica e cultural
Hermano Engler, filho de Carlos e Gertrudes, sua segunda esposa, também se interessou pela herança científica do pai, tornou-se pesquisador, botânico e conhecedor profundo da flora paulista. Casou-se com Augusta de Souza Barros, irmã do convencional republicano Antônio Basílio de Souza Barros Paiaguá, e montou farmácia de manipulação na antiga Rua do Comércio, próximo à esquina com a Rua Sete de Setembro (onde atualmente se localiza a Droga Raia, no nº 923 da atual Rua Floriano Peixoto), que em mãos dos descendentes existiu até a década de 1940.
Depois da morte de Hermano, o ervanário foi tocado por seu filho Jayme de Souza Engler, casado com Ângela Parra Leon. Jayme era autodidata e também conhecedor da herança científica de Carlos Engler.
Poliglota como o avô, dominava italiano, francês, inglês e espanhol, língua que aprendeu com a esposa oriunda da Espanha. Só evitou aprender o alemão, conta sua neta Dircéia Engler. Por outro lado, falava e escrevia japonês e ajudou muitos imigrantes a aprender português e a conhecer o poder medicinal da flora da região, conhecimento providencial para enfrentar eventuais e desconhecidas enfermidades no novo lar.
Seu neto Roberto Engler conta que o avô foi homenageado com uma carta do imperador do Japão, onde o mesmo o agradecia pelo tão estimado empenho na ajuda aos japoneses que emigravam para o Brasil. Dircéia lembra-se de que ouvia da avó Ângela relatos sobre a fama do ervanário criado pelo bisavô Hermano. Era grande o número de portadores de hanseníase e doenças da pele atraídos pela possibilidade de cura do Sal Engler e dos medicamentos ali manipulados.
Em épocas de epidemias as instalações se apequenavam para dar conta de tantos pacientes. Este relato traz à tona a descrição da fama do Engler pioneiro feita pelo reverendo Kidder em 1838 – de grandes distâncias e de todas as direções afluíam clientes ao seu consultório.
Carlos Engler, o médico e botânico pioneiro, faleceu em Itu a 18 de setembro de 1855, deixando grande descendência e respeitável herança científica. Seus testamento e inventário estão guardados no acervo do Centro de Estudos do Museu Republicano – USP.
Álvares Machado
O outro médico encontrado em Itu em 1838 pelo pastor Kidder certamente era o cirurgião Francisco Álvares Machado e Vasconcelos. Oftalmologista e pesquisador, interlocutor de Carlos Engler, foi um dos primeiros no Brasil a tratar de catarata, valendo-se de instrumentos de sua própria fabricação. Entre seus clientes é citado o maior orador sacro de sua época e um dos mais importantes da língua, frei Monte Alverne (Francisco José de Carvalho, 1784 – 1858).
Nascido em São Paulo a 21 de dezembro de 1791, Álvares Machado era filho do cirurgião-mor Joaquim Teobaldo Machado e Vasconcelos, e com o pai fez os primeiros estudos. Desde cedo revelou aptidão para a Medicina, mas não havia Escola de Medicina no Brasil. O caminho foi ingressar no Corpo de Voluntários Reais da Província para ter aulas com Mariano José do Amaral, físico-mor das tropas de São Paulo.
Álvares Machado tinha 17 anos de idade quando passou a trabalhar como auxiliar de farmácia e ajudante de cirurgia da enfermaria do Hospital Militar paulista. Em 1814, D. João (na época príncipe regente, depois rei D. João VI) o nomeou cirurgião-mor do 1º Regimento de São Paulo e ele começou a clinicar em Porto Feliz, atuando depois em Itu, Campinas e Rio de Janeiro.
Hercules Florence, que se casou com a filha de Álvares Machado, conta que ele era procurado por pessoas que vinham de longe em busca de operações de catarata e tratamento de outras enfermidades relacionadas com os olhos. Florence, que se revela ardoroso admirador do sogro, reconhece em Álvares Machado um político de visão tão ousada quanto o era nas práticas médicas. Sua reputação e popularidade, diz o genro desenhista, tomaram grandes proporções e pressagiavam a brilhante trajetória que percorreria como médico, mas principalmente como político liberal no Brasil recém-independente. Morreu em Niterói a 4 de julho de 1846 e seu nome denomina uma rua no centro de Campinas e o município no Sudoeste do Estado, Álvares Machado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário