ANPUH RESPONDE
por Keila Grinberg, Hebe Mattos e Martha Abreu
março de 2019.
A Estação Primeira da Mangueira realizou neste último carnaval o que muitos professores de história vêm fazendo em seus cursos: contar a história de baixo para cima e aclamar com orgulho personagens heróicos da história do Brasil, com Dandaras, Cariris, Malês, Dragões do Mar, Luizas Mahins, Esperanças Garcias e Marielles.
Ainda assim, há aqueles que insistem em afirmar que a Mangueira trouxe um ponto de vista sobre a história do Brasil que jogava luz em personagens sobre os quais quase nada se sabia. A falta de profissionais de história entre os comentaristas do carnaval e a força das narrativas canônicas da história brasileira, ainda institucionalizadas na maioria dos museus e monumentos, acabam por relativizar o significado do carro “ditadura assassina” como denúncia política sem lastro historiográfico ou transformar a denúncia do genocídio indígena cometido pelos bandeirantes em “questão de ponto de vista” ou, ainda, a reforçar a falsa (mas potente) narrativa que fez da princesa Isabel, de discreta atuação abolicionista e que estava na chefia do estado brasileiro quando da aprovação da lei pelo parlamento, em a “redentora”, cuja vontade e benevolência teriam sido responsáveis pelo fim da escravidão no país.
É importante esclarecer que a história do Brasil cantada pela Mangueira na avenida vem sendo exaustivamente pesquisada, estudada e ensinada por historiadores dos quatro cantos do país desde pelo menos os anos 1980. Documentos de arquivo e textos de professores e historiadores fizeram parte diretamente do desfile. Há uma sólida lista de livros, artigos e teses a fundamentar a narrativa da Escola, alguns citados pelo carnavalesco na apresentação do enredo. Elencamos aqui alguns títulos que podem servir de guia para aqueles que querem se iniciar no assunto.
O vitorioso enredo de Leandro Vieira tornou evidente para o grande público o que especialistas e os sambistas há muito já sabiam: as escolas de samba são, e sempre foram, lugar privilegiado de produção de pensamento crítico sobre a história do Brasil. Não só a Mangueira, mas também escolas como a Tuiuti, Salgueiro, Unidos da Tijuca, Estácio e Portela vêm, há anos, cumprindo este papel. Os profissionais de história não estão entre os comentaristas da TV, mas estão no mundo do samba. Não há dúvidas de que grande parte dos carnavalescos, compositores, cenógrafos, e todos os envolvidos na produção dos desfiles manjam mesmo, e muito, de História.
Bibliografia:
Ana Flavia Magalhães Pinto, Escritos de Liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil Oitocentista. Campinas, Editora da Unicamp, 2018.
Comissão Nacional da Verdade. Centro de Referência Memórias Reveladas, Arquivo Nacional. http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/
Flavio dos Santos Gomes e Lilia Schwarcz, Dicionário da Escravidão e da Liberdade. São Paulo, Companhia das Letras, 2018.
Giovana Xavier, Juliana Barreto Farias e Flavio Gomes (orgs.). Mulheres negras no Brasil Escravista e do Pós-Emancipação. São Paulo, Selo Negro Edições, 2012.
João José Reis, Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês de 1835. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.
Manuela Carneiro da Cunha, História dos índios no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
Maria Regina Celestino de Almeida. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 2010.
Autoras:
- Keila Grinberg, Professora Titular de História do Brasil, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
- Hebe Mattos, Professora Titular de História do Brasil, Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade Federal Fluminense
- Martha Abreu, Professora Titular de História do Brasil, Universidade Federal Fluminense.
- VEJA TAMBÉM O ARTIGO: " VIVA O CARNAVAL" - por Hebe Mattos e Martha Abreu
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