segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Vitrine giratória ou "footing"

 Texto de Antonio da Cunha Penna


    Até o início da década de 70, dar volta na praça era preceito quase que obrigatório para moças e rapazes ainda disponíveis. Era um espaço democrático: uma espécie de vitrine giratória onde moças honestas, desonestas e ou dissimuladas passeavam geralmente de braços dados, em grupos de duas, três, quatro, no máximo cinco garotas, enquanto os homens giravam no sentido contrário em grupos não tão organizados ou ficavam parados sobre o meio-fio apreciando o desfile. Era a melhor maneira de ver e de ser visto. A cada passada do “broto” de seu interesse, “tirava-se linha”, gíria muito usada na época para designar flerte; uma mirada rápida que, se correspondida, transformava-se em aviso de que houve certo interesse de ambas as partes; uma espécie de sinal verde indicando que a abordagem poderia ser feita.

Quantas vezes de olho numa pretendente, o “Don Juan” frustrava-se ao perceber ansiado que na volta da vez a moçoila não estava mais com as amigas. Era sinal de que, desgraçadamente, fora atraída por outro num dos trechos do circuito.

            A prática do footing era comum nas cidades do interior. Nossa praça tinha a vantagem de ser em nível, simétrica e do tamanho de um quarteirão, o que facilitava o fluxo. Não saberia precisar quando esse costume começou. Moacir Martins tem vaga lembrança de que, em fins da década de 30, esse passeio acontecia meio enviesado, num rapadão onde hoje se encontra o Correio central, passando por sobre o leito da Rua Cerqueira César e dando volta no antigo coreto que na época ficava um pouco mais próximo da rua que o atual.

Com as melhorias realizadas pelo prefeito municipal Major Alfredo de Camargo Fonseca, os frequentadores do footing passaram a fazê-lo em torno do prédio da prefeitura-câmara-cadeia que ficava bem no centro da Praça Prudente de Moraes no espaço onde hoje fica a fonte luminosa. Era como se o prédio fosse um eixo.


Casa da Câmara e Cadeia, centro do footing indaiatubano na Praça Prudente de Morais



O asfalto (o primeiro de Indaiatuba) já havia passado no entorno da praça em 1951, dando condições para que o engenheiro agrônomo Sinésio Martini*, que também entendia de paisagismo, fizesse o traçado que, apesar das muitas reformas sofridas, permanece inalterado até hoje, bem como seu piso em pedrinhas portuguesas. Essa urbanização definitiva se deu no governo de Jacob Lyra (1952 -1955). Inaugurada em 1954, a praça teria o antigo coreto de madeira substituído no ano seguinte pelo atual de alvenaria.

A popularização da prática do footing pode ter acontecido devido à lenta liberalização dos costumes, quando as mulheres passaram a poder sair de casa sem a companhia de alguém da família.

Muitas moças pertencentes às famílias mais abastadas não faziam o footing; quando muito, vez ou outra, sentavam num banco para apreciar o movimento. Outras, pertencentes a famílias pobres, porém filhas de pais severos, sofriam as mesmas limitações. Algumas famílias, que moravam em quarteirões contíguos a praça, levavam cadeiras até a esquina para confortavelmente conversarem, olharem o movimento e principalmente vigiarem os filhos. Uma demora em completar a volta punha a mãe em alerta; a donzela havia parado no trajeto ou se desviado, o que era pior. Moça que desse um pulo à Praça Dom Pedro II, que fica a apenas uma quadra da Prudente de Moraes, era sinal de que estava mal-intencionada e, segundo Walter Nicolucci, corria o risco de ficar falada.  

Dar volta na praça aos sábados e domingos era uma oportunidade para as moças exibirem roupas novas e se arrumarem melhor, pondo papelotes ou fazendo rolinhos no cabelo; engomavam as anáguas, caprichavam no batom e no carmim.

Comprar pipoca nos diversos carrinhos espalhados pelos quatro cantos do logradouro, ir ao cinema, tomar um sorvete, comer pastel e ver as novidades exibidas nas vitrines da Casa Nicolau (a única realmente chique) era obrigatório; até que em 1960, surgiu a Brasília Magazine com amplas vitrines, inaugurando em nossa cidade uma nova maneira de se exibir os produtos.

Quando as ruas de nossa cidade ainda não eram asfaltadas, o atrito dos calçados contra a areia do chão fazia aumentar nas segundas-feiras a procura dos sapateiros para a troca dos saltos, deixando assim os sapatos, sandálias e tamancos prontos para a próxima maratona. Hoje a evolução industrial está fazendo minguar as profissões de sapateiro, assim como as de alfaiate, tintureiro, leiteiro, verdureiro etc. Trocar saltos e solas de sapatos era tão comum que, quando se queria afirmar que uma balzaquiana ainda estava conservada, dizia-se sutilmente: — Fulana ainda dá uma meia-sola.

Detalhe digno de nota é que, até os meados de 1960, era de bom-tom os homens irem à praça, ao cinema ou à missa trajando terno e gravata. O chapéu já havia sido abolido entre os mais jovens. Essa informalidade na maneira de se vestir invadiria os anos 70, seguramente a década em que se fez a apologia do mau gosto. Nunca a moda masculina foi tão feia como a desses anos.

Praça Prudente de Morais, na época do footing
Prédio do lado direito é o Cine Rex, onde hoje é o estacionamento do Bradesco.
Na esquina, atualmente é o Santander



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Crédito do texto: livro "Nos Tempos do Bar Rex"

Antônio da Cunha Penna (que em breve, lançará outro livro)

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