texto de Maria Luisa Costa Villanova
Para quem vive hoje, com toda tecnologia e facilidades, não deve ter ideia de como era um dia na nossa cidade em 1935, por isso, vamos tentar imaginar:
Em 1935, Indaiatuba tinha cerca
de três mil habitantes, poucas ruas, a iluminação era feita por lâmpadas de
tungstênio¹, a água era retirada do Chafariz, na (antiga Rua da Palha) rua
Pedro Gonçalves; essa água era carregada em pequenos carrinhos de madeira,
pelos meninos, que a vendia para o comércio, escola e casas mais ao centro.
A cidade possuía dois centros urbanos: um
religioso, no Largo da Matriz, e um civil no Largo da Cadeia², onde ficavam, em um mesmo prédio, a
Câmara, a Cadeia e a Prefeitura, cujo prefeito era Scyllas Leite Sampaio, que
conseguiu - entre outras coisas - um aparelho telefônico, neste ano, para a Prefeitura,
assim como a polícia, com o telefone nº 3.
Com certeza você moraria numa
casa com piso plano e cômodos pequenos, paredes feitas de tijolo burro, barro e
cal de obra, telhado com vigas de madeira e telhas de barro em formato de
canudos, chamadas telhas de bica. Como ainda não havia a lei do recuo, as
janelas seriam na calçada, grandes, para entrar ar, iluminação e onde se podia, no final do dia, conversar com vizinhos que ficavam em cadeiras na calçada.
Mas se quer alugar casa, ou trate
direto com o proprietário ou, como está no jornal: “as casas da Rua Candelária
nºs 7 e 11 e da Praça Centenário nº 2, tratar em Itu, no Banco de Itu”.
Em sendo mulher, deve usar
cabelos não muito compridos e com ondas, vestidos longos e retos e saias godê
ou evasê. Os suéteres estavam na moda, assim como os conjuntos, onde as peças
deveriam combinar entre sí, inclusive com a luva, bolsa, chapéu (boina usada de
lado) e cachecol. Podia escolher entre comprar tecidos na Casa Feres, na Rua
Quinze de Novembro, ou na recém inaugurada Loja Centenária na Rua Candelária,
levar para casa e costurar (a maioria das mulheres costuravam, fazia parte das
prendas domésticas³) numa máquina Elgin, Vigorele ou Singer, todas à manivela
ou pedal. Se estiver bem financeiramente, vá numa casa de moda para mulheres,
como a Casa São Nicolau, na Praça Prudente de Moraes. Use pó de arroz da marca
Gally, rouge e baton, provavelmente da marca Michel.
Se for homem, use chapéu (modelo
fedora⁴) quase que obrigatório, paletós, com ombros largos e quadrados, calças
largas ou retas. Os tecidos devem ser escuros, listrados ou xadrezes. Se mais
ousado, pode usar o recém lançado shorts (principalmente para uso da bicicleta)
e também os óculos escuros. Pode ir
também a um barbeiro, como o Sr. Moacyr Guimarães na Rua Quinze de Novembro nº
2. Fumaria cigarros York ou Veado. Pode - se quiser ter arma, particular ou de
caça - mas precisa de licença para isso. Pagará pela licença, 25$900 pela arma
de caça, e 5$000 para a particular, e se não tiver a licença as multas serão de
100$000 e 200$000 respectivamente.
Sim, o dinheiro é diferente, é o
Réis, o salário de um empregado da indústria têxtil, por exemplo, é cerca de
144$000 (cento e quarenta e quatro mil réis), a menor moeda é de $100 (cem
réis) também chamada de tostão - e se você não tiver um tostão no bolso,
significa que sua situação financeira é péssima.
Se criança, geralmente “herda” a
roupa dos irmãos mais velhos, ou são feitas pela mãe. Para ir à escola, precisa
de uniforme, que passou a ser usado, como forma de todos se vestirem iguais, como no
exército. As escolas mais tradicionais
exigem calça branca para os meninos e paletó azul escuro, modelo marinheiro, as
meninas saia escura e blusa branca. Mas não é regra, o uniforme deve mostrar as
cores, o nome e o símbolo da escola. Se menino, pode ganhar uns trocados carregando e vendendo água
ou leite. Se menina, ajuda nos afazeres da casa e aprender as prendas do lar e
não sairá muito, a não ser com os pais ou irmãos para não ficar “falada”.
As escolas são masculinas ou femininas e mesmo
quando mistas, as salas eram divididas, só garotos ou só garotas. A Escola Rural Pimenta, por exemplo, é só masculina. Nas escolas mais simples, o uniforme
acaba não sendo obrigatório, e o que mais pesa no bolso são os sapatos.
Com a construção da Escola
Randolfo, na Praça Dom Pedro II, todos querem uma vaga ou trabalhar ou estudar
ali, devido a localização.
Se quiser (e puder), pode estudar
piano com Miguel Zignatti, que leciona apenas aos domingos no Hotel Santa Therezinha, phone 13.
Para se alimentar, não sentirá
tanta diferença, poderá comer bolachas Tostines, Aymoré ou Duchen, leite e
derivados Batavo; carnes e derivados Perdigão; arroz Josapar; chá Matte Leão;
refrigerante guaraná Antártica; leite condensado Moça, Nestlê e Vigor; creme
dental Kolynos (“limpa os dentes e a
escovinha também”).
Você pode comprar alguns
produtos, direto das fazendas, como o leite, ou comprar nos armazéns, que anotam
as comprar numa caderneta, que será paga ao final do mês. O quilo do arroz, (que
é colocado em um saco de papel e pesado numa balança onde existem dois
“pratos”, num é colocado o produto e no outro um peso correspondente ao tanto
que queria) é cerca de $500, o de açúcar refinado $700, batata $400 a $600,
carne seca $500, farinha de mandioca $500, feijão $500 a $700. Sapatos entre
35$000 e 36$500. A padaria Central, pertencente aos irmãos Gentil e Luis Lopes,
que fica na Siqueira Campos, com bom-bocado, queijadinhas e doce de batata doce
roxa, além dos pães, claro. Próximo tem também as lojas do Sr. Feres Pedro Aun (Casa Feres, já citada), do Sr. José Nicolau e o Armazém de Secos e Molhados do
Sr. Arthur Tomazzi.
Falando em comércio, no anno de
1935, temos a Typographia Paulista na Rua Candelária nº 13, caso precisasse de
impressos; a Officina de Caldeireiro e Latoeiro de Domingos Gazinato, na Rua
Pedro Gonçalves que vende sementes de vassoura e também concerta armas de fogo,
machinas de costura, bycicletas, etc; o Advogado Sebastião Dutra Otranto na
Praça Ruy Barbosa 15; a Corporação Musical 7 de Setembro na Praça Prudente de
Moraes, a loja do Sr, José Tancler na rua 7 de Setembro com 15 de Novembro, com
a legenda “Sempre Avante Savóia”.
Estranhou a escrita? Não escrevi errado não, a ortografia, ou melhor a ortographia é diferente:
- CH com som de K, exemplo - architectura;
- PH com som de f - pharmacia, philosophia, grapho (escrever, gravar), phono (som, voz), telephone e phonographo, photo, diphthongo (ditongo), phleugma (fleuma), phosphoro (fósforo)
- TH - theatro, thorax, athomo, athmosphera, bibliotheca;
- Uso de Y em vem de I: estylo (estilo), lyrio (lírio);
- MM - o primeiro m significava o som nasal e o segundo o m silábico - commercio (commercium em latim);
- MN - as duas letras estavam juntas pelas mesmas razões que a do MM. A única diferença é que em vez de m, o n que formava a sílaba - alumno (aluno) e columna (coluna);
- Outras: prompto (pronto), exhausto (exausto), psalmo (salmo).
Se precisa resolver alguma coisa em Campinas ou em Itú, pode viajar com
a Empreza de Viação Cruzeiro do Sul, com saídas para Campinas as 8 e as 11h30 e
para Itú as 7 e as 12 hs. Ou se preferir vá com a Auto Viação Indaiatubano, com
saídas para Campinas as 6, 7, 10, 14h30 e 17 hs. E para Itú 10h40, 14h15 e 17h15.
Com respeito a tão desejada água, em 21 de julho, cinco bueiros de águas
pluviais foram feitos, três na Rua Pedro Gonçalves e dois na Praça Prudente de
Moraes. Em 25 de agosto a Prefeitura fez um empréstimo de 475:380$000 para
financiamento do serviço de água para a cidade.
Em 03 de Novembro, no jornal O Minicípio há um pedido: “Votae com o P.C.
que é o partido do Governo que nos deu crédito para a água”.
A promessa é que a obra fique pronta no ano que vem.
Se está com tempo para se divertir, ou aproveitar fim do dia ou final de
semana, pode ouvir rádio, da marca Crosley, Philips ou Admiral; os programas em
geral são longos, duram de três à quatro horas, como o “Programa Casé” pela Rádio
Transmissora do Rio de Janeiro, que transmitia reportagens, notícias, orquestras
e outras músicas. Ouvir músicas como o sucesso do carnaval do Rio “Cidade Maravilhosa”
de André Filho; "Minha Palhoça" com Silvio Caldas; "Sonho de Papel" com Carmen
Miranda; "Foi Ela" com Francisco Alves; "Serenata" com Silvio Caldas entre tantas
(ouça)⁵. Em 22 de julho deste ano o presidente Getúlio Vargas criou o programa
A Hora do Brasil, que deve ser transmitido em todas as estações de rádio de
segunda a sexta (exceto feriados) das 19 às 20 hs.
Pode assistir a uma partida de futebol
do Esporte Clube Primavera⁷ que está completando oito anos.
Pode também ir ao cinema, Cine República; Cine Indaiatuba
ou Cine Variedades,
assistir: A Noiva de
Frankenstein, Anna Karenina,
O Fantasma de
Scrooge, O Grande Motim, A Pequena Rebelde⁶ ou os brasileiros: Alô, Alô, Brasil!(assista)⁶,
Carioca Maravilhosa ou Estudantes com Carmen Miranda.
Uma
sempre boa pedida também é ler: os lançamentos deste ano são Moleque Ricardo de
José Lins do Rego; Música ao Longe ou Caminhos Cruzados de Érico Veríssimo; Terra
Roxa de Rubens do Amaral; Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato; Casa
Grande e Senzala de Gilberto Freire; Evolução Política do Brasil de Caio Prado
Júnior. As Revistas O Malho, que retorna esse ano, agora com notícias e
literatura, não apenas humor, por 1$200; Revista O Cruzeiro por 1$500 ou
Revista da Semana por 1$200. Também pode ler um dos jornais da cidade como O
Município Semanário Independente, que fica na Rua Candelária 3, podendo fazer
“assignatura” trimestral por 3$000 ou avulso por $200, que tem trazido por
vários números a venda de um Chevrolet Sedan número 57 de propriedade do Sr. A.
Givolani, que trata no Ponto Bar Centenário.
Economicamente, tivemos a emergência da
cultura do tomate, sobretudo em função da fixação de famílias japonesas aqui
neste ano. O primeiro imigrante japonês,
que acabou de se mudar de Campanas para cá é o Sr. Nakaji Gomassako, que trouxe
a família e instalou-se na Fazenda Pimenta, onde estão plantando algodão num
terreno arrendado. Indaiatuba tem sido durante muito tempo, exclusivamente,
produtor de café, algodão e batata.
Com a crise do
café, iniciamos a produção de algodão, expandindo a cotonicultura. O Dr. José
Cardoso da Silva, proprietário da Usina Indaiatuba, emitiu o Pedido de Compra
número um, adquirindo 81 sacos de algodão. Era também proprietário de terras e
fornece financiamento de 400$000 por alqueire para plantio da futura safra de
algodão, é só ligar para os fones 68 ou 70.
Instalaram-se aqui diversas indústrias de transformação de madeira, teve destaque especial a indústria de cabos de guarda-chuva, cuja produção era vendida para todo o país.
Mas nem tudo corre bem na nossa cidade, em 13
de março uma forte tempestade com trovões, uma dessas descargas elétricas
atingiu um boi, que morreu e o sitiante Luiz Graus, que felizmente está fora de
perigo. Ainda em março, atingiu o município uma praga no algodão(curequerês)⁸,
que está sendo tratada com pulverização de arsênico de chumbo.
Em junho, de
madrugada, larápios entraram na Igreja Matriz e roubaram um relógio carrilhão.
Ainda em junho, no dia 29, a polícia ficou sabendo que havia um homem
gravemente ferido na Estrada do Matto Dentro, trata-se de Narciso David, de 68
anos, que foi levado ao hospital. Foi apurado que o autor do desastre é o Sr.
Jacob Krahembuhr, proprietário do automóvel A-14 deste município.
Morre-se muito de febre tifoide, sarampo, coqueluche, gripe
ou influenza, malária, disenteria, mas o que mais mata é a tuberculose, câncer
e doenças do aparelho respiratório, mas 14,5% das mortes são por diarreia e
enterite em crianças abaixo de 2 anos.
Se você estiver com gripe ou dor de cabeça, pode comprar na
Pharmácia Candelária, do Sr, Francisco Xavier da Costa, que ali funciona a mais
de 40 anos, ou na Pharmácia São José, Transpirol ou Instantina ou ainda Cafeaspirina (da Bayer).
Se estiver com tosse, dor nas costas e no peito, o que é
indicado é o Vinho Creosotado, contra syphilis, o Elixir de Nogueira, ambos do
Dr. Ph-ch⁹ João da Silva Silveira.
O melhor mesmo é ir a um médico, como Dr. José Cardoso da Silva que atende na Rua Siqueira Campos. Ou ir ao Hospital Augusto de Oliveira Camargo, inaugurado há apenas 2 anos, sua fachada “olha” para a Igreja Matriz e vice-versa, muito bem equipado e iluminado e cujos médicos da casa são Dr. Lourival dos Santos e Dr. José Cardoso da Silva.
Bom, de posse de todas essas informações, feche os olhos, ouça uma das músicas e “viaje” no tempo.
Bom passeio!!
1-
Neste tipo de lâmpada, a luz é gerada
pelo aquecimento do metal (Tungstênio) do filamento ao ser submetido à
corrente elétrica através de eletrodos conectados em suas extremidades. É o
tipo menos eficiente sob o ponto de vista de conversão de energia elétrica em
luz.
2- Hoje Praça Prudente de Moraes, nos imóveis onde atualmente
temos: Correios, Loja de Cosméticos e Loja de Calçados.
3- conjunto de
habilidades e conhecimentos que se esperava encontrar na mulher, que cuida dos
afazeres de uma casa. ( p ex , a mãe e a esposa).
4-
é um tipo de chapéu, ordinariamente em feltro, cuja matéria-prima era pêlo de coelho. fabricado no
formato do chapéu Panamá, com a copa em formato
de C, denominada de coroa (pois há uma depressão na parte central),
também são comumente chamados fedora.
5- https://maistocadas.mus.br/1935/ ou https://www.youtube.com/watch?v=NAG9fH-NBZ0.
6- https://www.youtube.com/watch?v=b7kKbUzJmQs ou https://www.youtube.com/watch?v=zWAcsKF5fcQ.
7-Sport
Club Primavera, fundado em 1908, mas extinto no ano seguinte. Na década de
1920, dois outros times começaram a se destacar: o Indaiatubano Futebol Clube,
fundado em 1916, e o Corinthians Futebol Clube, fundado em 1918. Decidiu-se
então, em 27 de janeiro de 1927, pela união das duas equipes, o surgimento do
Esporte Clube Primavera.
8- O curuquerê é tido como a principal praga desfolhadora do
algodão. É encontrado em qualquer região produtora e, assim que saem dos ovos,
as lagartas se alimentam do tecido interno das folhas e depois vão avançando.
9- CH
case history
BIBLIOGRAFIA
modahistorica.blogspot
http://historiadeindaiatuba.blogspot.com/
https://www.superprof.com.br/blog/numero-de-mudancas-na-lingua-portuguesa/
http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/
https://www.indaiatuba.sp.gov.br/governo/economia/
https://farmbox.com.br/2017/03/22/pragas-do-algodao-pragas-desfolhadoras/
https://www.univates.br/editora-univates/media/publicacoes/16/pdf_16.pdf
Coleção Nosso Século, volumes 2 e 3
Jornais O Município anos IV e V números 180 a 229
Barros. Dilermando Pedroso. Lembranças de Menino. 1 ed,
Piracicaba SP
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