quinta-feira, 22 de março de 2012

Tratado de muitas saudades

Carta de Thais Reder*



Eliana, foi tão bom te encontrar aqui, eu já te admirava do jornal (desculpe nem lembro mais o nome, já se passaram 14 anos) e agora te revejo neste blog que muito me emocionou. As histórias escritas tão facilmente colocam as idéias que querem transmitir. Quando a pessoa é muito letrada fica meio denso, sei lá, mas as memórias destas lindas pessoas que aqui já escreveram nos transmitem as idéias como se fosse uma conversa, parece que estou diante de cada uma delas, ouvindo. Eu acho que até deveria ter a carinha de cada uma delas do lado do texto!
Estarei sempre em seu blog. Foi graças a você eu encaminhei a história da Morada do Sol para a chefia dos correios. Ali há  sofrimento, eu vivia falando Morada do Sol não é bairro, é uma outra cidade, e só quando tudo atolou é que eles abriram os olhos, tem de se abrir outro Correio por lá, a coisa está feia.
Eu não sei se você lembra de mim, na época, eu fui o escândalo, a vergonha, se eu fosse uma mulher muçulmana seria apedrejada; e fui, pelas línguas cruéis das pessoas, eu aos 46 anos de idade largo um "casamento" de 25 anos e vou viver com um jovem de 20 anos. Ele é carteiro e só quem convivia comigo sabia o que eu passava dentro daquelas 4 paredes.

Eu possuía uma oficina de livros, era meu ganha-pão, mas eu não suportava mais comentários e quando meu apê em SP vagou, deixamos tudo e fomos pra lá.... Nossa, como sofremos.

Ali passamos 7 anos de vacas magras, sem meu oficio lindo e raro, eu adoeci com Síndrome do Pânico, mesmo não fazendo o que eu sei e gosto, eu estava como síndica do meu prédio, eu me mantinha ocupada, mas uma das piores coisas é administrar pessoas; que complicação! Acabei adoecendo.

Voltamos, em maio [de 2011] fará l ano, vim morar num casebre aqui na 15 de Novembro quase no final dela, banheiro do lado de fora, toda uma escolha comprometida pela minha visão distorcida de quem está emocionalmente doente, eu sei lá o que vi aqui, mas sei que vi.

Nada é por acaso, aqui eu me curei e já é hora de retornar.

Meu marido que é carteiro, sumiu na voragem do tempo sem tempo, e de sábado e domingo trabalha no sol inclemente da Morada do Sol, aquilo ali é o inferno, eu chamo de Canudos, não há mais tempo!

Viemos para procurar a qualidade de vida e eu encontro uma Indaiatuba que está se transformando numa Campinas!

Não gosto quando vejo as casinhas simples indo abaixo e aparecem os espigões.

Eu mal conheci o bairro em que morei tantos anos, o Pau Preto. Eu morava ali de frente com o maravilhoso pasto dos Bicudos (eles chamavam assim) só havia uma imensidão de verde, e agora, cheio de casinhas!

Eu atravessava a rua e ficava deitada na linha de trem (sim, eu levava uma almofada, colocava num dos trilhos e ficava ali lendo com meu cachorro do meu lado, Santo Deus, como era bom).

Agora possui um alambrado porque do outro lado virou uma auto-pista que vai pra Prefeitura e tem um lago que ficava longe, está bem diante de minha porta, eu não pude acreditar.

E a biquinha da praça, onde uma senhora carregava água noite e dia, virou um complexo de prédios. Não gosto quando as casas vão dando espaço para eles, sou como você "NÃO AMEI. NEM GOSTEI".

Na casinha que morei na Candelária, havia um terreno grande, onde ficavam uns cavalos. Agora tem um prédio imenso, e de frente a ele, outro.

Tudo mudou, chegou mesmo pra ficar a modernidade, o que muitos pensam ser "desenvolvimento" nem sempre é bom. Esses espigões são caros, e muitas pessoas que moravam por ali vão acabando todas na periferia, também por isso a Morada do Sol se encheu de gente.

O Pau Preto virou pólo de consultórios médicos, casas lindas que eu amava, viraram consultórios, e eu chorei bastante, me perdi...

Ora veja eu que andava pela linha de trem... aonde foram parar aquelas bitolas? Aquelas madeiras maravilhosas? Nossa que triste! Eu disse por meu marido: eu estava procurando uma cidade bem menor, aqui já ficou muito grande.

E acabamos resolvendo voltar para São Paulo. Grande por grande, ao menos a duas quadras do meu apartamento num prédio pequeno de cinco andares tem o metrô e dali eu ando toda a cidade, seja o bairro que for.

E mais, os mercados 24 horas, aqui tá uma mania de não abrir as padarias no domingo, eu amava ir nas padarias tomar meu café da manhã... Acabou, acabou, até padarias fecham aos domingos e isso é um reflexo do crescimento e suas consequencias. Não pode, Eliana, se a cidade está crescendo, teria que ter padaria aos domingos. Que contradição.

Bem te escrevi só pra dizer que adorei te reencontrar, deve ser engraçado para voces pessoas públicas, receber uma carta afetuosa como se fossemos grandes amigas, mas é assim ou o povo gosta ou odeia.

E eu adoro você, aquele olhar investigativo, gente que nunca vai passar, será sempre lembrada como minha Aydil. Eu quis morrer quando soube que as manhãs ficaram silenciosas, aquela voz rouquinha que mesmo quase nem se conseguindo ouvir, ela estava presente, como ficar sem ela nas nossas manhãs?

Que pequena, grande mulher foi aquela; insubstituível, pra mim foi um golpe certeiro. Passo em frente a antiga casa dela e a saudade dela dói em mim, eu já nem a reconheço, parece que nem é mais a mesma casa, virou um espaço aberto. Como podem mexer assim nas coisas?  Poderia ter virado uma espécie de museu, a gente entrar e ver a casa que ela morou, como é a casa de Cora Coralina, a de Santos Dumont lá em São Paulo, nossa eu adoro entrar ali, a gente sente a energia...É, mas do jeito que ela era, ela não ia querer ficar por aqui não, ela se foi mesmo.

Não consigo entrar no seu blog para postar comentário de outro jeito só como anônima mas deixo meu email no comentário e eu já vou lá passear nas memórias de pessoas fantásticas.

Eu fico pensando o que essa garotada de hoje irá contar? Esta tudo tão confuso... tão sem identidade.

Você ainda escreve para jornais? Me repassa o nome deles, alguma revista?

Receba um abraço afetuoso desta que sempre te admirou.

Não repare os erros, professora! Eu escrevo como falo, já não quero mais entender outra mudança ortográfica, aos 60 isso já não conta, entender é o que importa.

Preciso voltar a estudar, uma boa reciclagem na língua Pátria.

.....oooooOooooo....


Thais escreveu esse texto há exatamente 1 ano, em março de 2011. Sua intenção foi escrever uma carta, contando sua história íntima.
Mas ao reler esse carta depois de algum tempo, percebo o quanto há de coragem em suas atitudes de mudança e da busca pela felicidade... E assim transporto tão facilmente essa história da vida privada para a história da vida pública de todas as mulheres de uma geração, que como ela, passaram por tantas mudanças!
Conversando com ela hoje, após 1 ano, ela me conta o quanto a vida dela já mudou novamente, como a nossa vida muda, como a vida de nossa cidade também já mudou.

E nas mudanças temos a percepção da saudade, mas não a saudade nostálgica que nos deprime, mas da saudade que nos fortalece, pois quem já conheceu a felicidade, por mais mudanças que passe, sempre vai reencontrá-la - e esse caminho de busca se chama VIDA.

Beijos THAIS! Força sempre.







* Publicação autorizada, como tudo o que tem nesse blog.


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