texto de Ejotaele (continuação desse daqui)
Seguindo o nosso roteiro pelos fatos da história de Indaiatuba, lembrando-lhe as figuras populares, algumas das quais se tornaram quase lendárias, vamos encontrar o quase lendário "Lourenço sem Chapéu", assim chamado por não fazer uso de chapéu.
Naquele tempo, um homem que não fizesse uso do chapéu, importava um verdadeiro anacronismo. Lourenço Sem Chapéu! Quem não se lembra, com saudades, dessa figura benquista de todos, principalmente aqueles que já dobraram o cabo da boa esperança! Alegre e prazenteiro, com seu sorriso rugoso, "Lourenço Sem Chapéu" era o ídolo da petizada daquelas priscas eras, mesmo porque os mais sagazes sabiam explorar-lhe os sentimentos para dele receberem alguns vintenzinhos, de que era pródigo em distribuir.
Lourenço sempre trazia consigo algum dinheiro, produto de algumas reservinhas que a sua chácara lhe propiciava, chácara que mais tarde tomou denominação de "Chácara Aurora".
Quando o velho Lourenço Sem Chapéu, com suas sandálias monacais e suas patriarcais barbichas morreu, Indaiatuba inteira cobriu-se de comovedor pesar. O cemitério de pedra guarda-lhe os restos mortais, Lá se encontra seu túmulo no mármore eterno, o tributo da estima popular.
Por este tempo que medeia de 1908 a 1916, coevo da mesma popularidade, existiu uma pobre criatura estigmatizada por aleijões físicos, alvo de zombarias e divertimento de moleques e até mesmo de adultos que, ao mesmo tempo compelidos por amor à compensação, se condoíam da sua sorte. Esta criatura dói o Cipriano.
A história do infeliz Cipriano é como a de todos os seres marginais: não se sabe de onde veio. Cipriano era dado a prodigiosas consumações de cachaça, pois não havia ninguém que lhe negasse um martelo de boa ou má pinga, até mesmo quando ele já se encontrasse chumbado. Era comum ouví-lo cantarolar cantigas sem nexo e falar sobre cinema que ele desconhecia, "celema", como ele dizia.
Por incrível que pareça, Cipriano sucumbiu em consequencia da voracidade dos "bichos de pé" que lhe consumiam mãos e pés. Mãos piedosas, de quando em vez, haviam por bem jogá-lo em salutar banho que exigia, no entanto, esforço heróico, tal a proliferação de tais bichinhos. Estes, porém, resistiam ao ataque benéfico do banho higiênico e porfiavam em permanecer nos deformados pés do Cipriano.
Nos seus últimos anos de vida, o infeliz Cipriano foi internado na Santa Casa de Misericórdia de Itu, ondem por fim, veio a falecer.
Outra figura curiosa que existiu na mesma época, foi uma velhinha magriça e hirsuta de fisionomia agreste de hábito que identificavam bem o tipo das mulheres de condições humildes de então: chale, chinelos, olhar sisudo e enfiado, Não se sabe porque cargas d´ agua e essa mulher veio a ser uma das figuras capitulares da vida citadina. Constituía, em verdade, diversão de mau gosto de muita gente. Era a coqueluche da meninada chamá-la aos berros: Nhá Rita Rabi, quando não era um assobio malicioso que corresponde às sílabas do seu nome.
Nhá Rita Rabi não tolerava o nome com que fora batizada e muito menos o atrevido e clássico assobio. A resposta de Nhá Rita Rabi ao assobio era um palavrão desse tamanho. Era então que ela fazia uso e abuso de vocábulos, os mais licenciosos. Muitas vezes, a resposta aos motejos que lhe dirigiam era uma inesperada pedrada que Nhá Rita Rabi arremessava sem cerimônia, pouco se lhe dando o destino da pedra fosse uma vidraça.
(continua)
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