De torcedor a presidente do Primavera, clube que ainda representa o futebol indaiatubano
A história do esporte é repleta de figuras icônicas. Em Indaiatuba, um dos maiores estandartes da trajetória do Esporte Clube Primavera é conhecido por sua paixão e abnegação pelo clube. Nascido em 4 de outubro de 1925, Hélio Milani era filho de Humberto Milani e Cleopha Mosca Milani, que moravam na esquina das ruas Pedro de Toledo e Bernardino de Campos.
Nesta entrevista concedida ao presidente da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, Antônio Reginaldo Geiss, e coletada em três diferentes ocasiões, nos anos de 1996, 2001 e 2005, Hélio Milani fala sobre sua trajetória e o amor pelo Primavera, clube que é parte integrante de sua vida e pelo qual se dedicou até a sua morte, em 14 de junho de 2012, aos 86 anos.
A família Milani é do norte da Itália, mais precisamente da região de Santo Antônio de Pádua. A avó Luiza acompanhou os fundadores da Brasital (formada por integrantes da Sociedade Ítalo-Americana e que, após uma mudança de acionistas, ganhou este nome ao receber capital brasileiro e italiano para a construção de creches, escolas e outros, com foco nas famílias dos funcionários). Ho-teleira na Itália, veio ao Brasil para montar um hotel, que atendia a todos os engenheiros que vieram para construir a empresa na época.
Seu pai era barbeiro e comandava a família de oito filhos. Hélio era irmão de Isolina, Antonietta, Marcos, Adele, Walda, Maria Inês e Laércio. Durante a entrevista, sua primeira recordação do Primavera datava de 1943. "Em 33 eu já entrei na escola, foi meu primeiro ano", conta. "Aqui, as amizades eram o Tuia, que é o Walter Gadia, o Nêgo, José Maria Delboni, tudo morava ali pertinho, o Zeca Estevão... tinha o Mané Pretinho, o Juca Escodro, aquela molecada que foi indo e, no fim, em 43, era o time titular do Primavera. Começamos tudo jogando bola de meia, na rua, aí na Rua Bernardino de Campos, que naquele tempo era um 'areião' né".
Começou a namorar Helena Tomazzi em 1944 e se casou em 1949, depois que retornou de uma temporada no Banco Mercantil de Porto Feliz. A primeira filha, Maria Helena, nasceu em 11 de março de 1950, em Indaiatuba. O casal se separaria em 1962 e, alguns anos depois, Hélio conheceria Eleonor Cleide Tozelli, com quem teve os filhos Hélio e Rodrigo.
Depois de trabalhar em comércios da cidade, no Cotonifício e no Banco Mercantil, formou-se advogado em São Carlos. "Em 27 de dezembro de 1974, eu 'tava' com 49 anos".
Futebol
A história de Hélio confunde-se com a do Esporte Clube Primavera. "Eu sempre fui um apaixonado pelo Primavera, desde a época em que foi reformulado, em 1938, se não me engano. O futebol em Indaiatuba, em 36, que foi um ano político, ele morreu. Morreu Primavera e morreu o Corinthians. [O clube] foi reformulado em fim de 38 e 39".
A situação do clube era muito ruim. "O campo 'tava' abandonado, não tinha mais 'gradinha'. Aí resolveram reformular o Primavera, e eu era menino nessa época, tinha uns 14, de 13 pra 14 anos, e eu tinha o meu time, né? Porque eu tomava conta, arrumava bola, arrumava camisa e tudo, o Tuia ia junto comigo, mas quem tinha as ideias de fazer uma rifa, pedir dinheiro, era eu, sempre eu".
"Quando foi no fim de 38, pra começar 39, fizeram uma reunião, acho que foi na casa de Jorge Nicolau. E eu era muito vivo, né? Eu, de bicudo, 'tava' no meio, né, 'tava' ouvindo. Nessa reunião, eu me recordo, 'tava' o seu Jorge, o seu Odilon do Amaral, seu Rêmulo Zoppi, seu Lita (Luís Teixeira de Camargo Júnior), doutor Edmundo de Lima Pontes... deixa eu ver quem mais... José Teixeira de Camargo, José Banwart, Júlio Escodro, Joanin Escodro, Bérger Guimarães, Francisco Lanzi Tancler - nosso popular Chico, Toninho Zoppi - Antônio Zoppi, Olívio Dercoli, Raul Estevão, Arnaldo Estevão, os 'primaverinos' da Velha Guarda".
Hélio lembra seu envolvimento precoce, mas intenso com o clube. "Ia fazer 14 anos, mas eu era o chefe do 'bandinho', e eu contente, né? Seu Jorge ficou presidente. Seu Odilon falou que não podia aceitar, que ele tinha os compromissos, que o Jorge ficasse que depois ele voltaria", conta. "Fizeram o que tinha de ser feito, que na época era diferente de hoje, né? E para a parte de arrumar o campo, fizeram uma lista e o Chico era encarregado. Mas o seu Odilon bancou não sei com quanto na época, ele deu uma boa nota".
"Então houve contribuições muito boas, principalmente daquele pessoal 'mais assim', né? Pra arrumar o campo, porque o gramado não tinha, era 'peladão'. Não tinha nem o corrimão, 'tava' podre", continua Milani. "O José Banwart, o Zezinho, e seu irmão Lita, assumiram a parte técnica, que eles gostavam muito. Já começaram na semana seguinte. Mas você sabe, aquele tempo a turma não treinava nem de calção, Geiss. Treinava de calça comprida".
Reestreia
Depois de relembrar a rivalidade com o Operário, lembrou da reestreia do Primavera. "Para a reinauguração trouxeram o Paulista de Jundiaí. [Eu e o Sindo], pulamos até o muro, porque eu fui no placar... acho que era meio-dia e meia, eu 'tava' no campo, nós dois sentados. E eu falava pro Sindo: 'Aí Sindo, vai ser 4 pra nós!'. Perdemos de 4x0!
O time era meio novo e enxertado de jogador de Salto, e o Paulista já era um time armado, né. Tudo bem, fiquei chateado e tudo, né, aguentar sarro daqueles 'nêgos' de lá, mas aí continuei...".
Como reserva, Hélio chorou na estreia
Sua estreia como goleiro poderia ter acontecido em 1939. "Nós começamos a treinar com o juvenil, seu Zé começou a treinar o juvenil também. Então tinha bastante menino, mas bons mesmos eram poucos. Goleiros eram eu e o Tidi. Mas eu era pequeno, o Tidi já era maior", aponta. "Nós estreamos com o juvenil da Saltense, que já era mais velho do que o Primavera. E eu não joguei, fiquei na reserva, eu louco pra entrar, mas o seu Zé não me pôs, até chorei".
Diretoria
Seu envolvimento com a diretoria do Primavera começaria em 43. "Pela primeira vez, fui indicado em 1943, fui primeiro secretário. Nunca mais meu nome saiu da diretoria e do conselho".
Assumiu a presidência no final de 1970, com uma decisão radical. "Queriam que eu ficasse presidente, mas eu estava morando em São Paulo nessa época, eu falei: 'tá bom, eu vou ficar presidente, mas eu vou falar uma coisa pra vocês: eu vou parar o futebol por dois anos e vou construir a arquibancada!".
Tudo pago do seu próprio bolso. "Vou falar uma coisa aqui que nunca falei: naquela época eu gastei 29 mil cruzeiros do meu bolso". Por fim, Geiss pede que Milani resuma tudo o que viveu dentro do clube. "Eu fiz pro Primavera, acho que muito mais do que eu fiz pra minha família. Eu me dediquei de corpo e alma, pus muito dinheiro, sem interesse nenhum".
Em seguida, Geiss questiona: "você nunca ganhou nada do Primavera? Nunca foi remunerado de nenhum cargo que teve lá dentro? É isso?". Incomodado com a pergunta, responde diretamente. "Na época que eu jogava e era diretor, eles davam bicho (gratificação em dinheiro por resultados obtidos)", conta. "Eu não precisava, Geiss, tinha um emprego bom, era bancário na época, você sabe disso; e tinha amor pelo clube", continua. "O que eu fiz foi de coração! Foi de profundo amor pelo clube... É um amor que você carrega como se fosse um filho, uma mulher, a família. Eu tenho verdadeira paixão pelo clube, e jamais tive interesse em aparecer por ser diretor, ou querer aparecer perante a sociedade. Eu fazia aquilo porque gostava do clube, o resto para mim era resto".
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