terça-feira, 3 de agosto de 2021

1904 - Uma festa para o bispo Dom José

 José de Camargo Barros nasceu em Indaiatuba no dia 24 de abril de 1858, filho de João Batista de Camargo Barros e de Gertrudes de Assunção Camargo, numa época onde Indaiatuba ainda era uma freguesia da Vila de Itu. Sobre sua família, sabe-se pouco, seu tio paterno Bento Manuel de Camargo barros era taipeiro, tendo construído algumas edificações, inclusive contratado para construção do primeiro prédio para servir de cadeia.

Para o menino José, na pequena freguesia, já havia instrução primária – o primeiro registro de existência de um professor de primeiras letras na então Vila de Indaiatuba, data do ano de 1854. Com 9 anos mudou-se para Sorocaba, onde continuou os estudos da primeira infância e depois dessa fase, com 17 anos, foi admitido no Colégio São Luís, de padres jesuítas, de Itu onde foi ordenado sacerdote.

Indaiatuba, assim como toda a sociedade paulista da época, era organizada conforme a estrutura dominante do império: no topo, os grandes proprietários de fazendas de açúcar e mais tarde de café, que controlavam não somente a economia, mas também a vida política; na base, trabalhadores escravizados e assalariados, com relações muito semelhantes ao trabalho servil, e entre esses dois extremos, pequenos comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais e agentes de comércio. Para esse último grupo, a educação de seus filhos meninos tinha focos semelhantes: formá-los – como padre, advogado ou médico. E nesse contexto, a família de José fez muito esforço para que ele se tornasse padre.

Em 1894, quando o ‘Padre José Camargo’ foi eleito Bispo com 36 anos de idade, a já então cidade de Indaiatuba sentiu muito orgulho, afinal, foi seu primeiro filho a ter projeção fora do local. Isso deve ter ganho uma comoção mais especial ainda, quando a cidadezinha testemunhou que os pais dele tiveram que vender a humilde casinha na qual moravam para pagar juros de empréstimo que haviam feito para custear a primeira viagem dele para Roma, onde havia ido receber a sagração episcopal. 



Dom Jose de Camargo Barros

1º Bispo de Curitiba

12º Bispo de São Paulo



A FESTA PARA O FILHO BISPO


Em julho de 1904, dez anos após ser sagrado bispo, Dom José fez uma visita para Itu, no Colégio São Luiz onde havia se formado padre e, em seguida, veio para Indaiatuba.


Foi uma festa memorável que a cidade fez para receber seu mais notável filho


O jornal "A Cidade de Ytu", em sua edição de 9 de julho de 1904, registrou que, quando ele se despediu naquela cidade para pegar o trem para vir para Indaiatuba


"...grande foi o número de pessoas que levou as suas despedidas para S.Exma. Rvdma., que ao partir deixava naquela cidade grande número de amizades sinceras, conquistadas pela atenção que dispensou igualmente para ricos e pobres, com verdadeiro amor paternal. Todos se sentiam penalizados, ao separarem-se do seu bom pastor".


A comitiva, que partiu via estrada de ferro de Itu para a estação de Itaici "após muitos vivas do povo ytuano" era composta pelos seguintes acompanhantes:

  • Monsenhor Zacharias Lopes dos Santos Luz,
  • Padre Elizário de Camargo Barros,
  • Padre Augusto Aureli,
  • Padre Manoel Vineta,
  • Padre Manfredo Leite Tehophilo Levignani,
  • Padre José Masset,
  • Padre Pedro Ferroud,
  • Padre José Maria Diniz,
  • Dr. Antonio Constantino da Silva Castro,
  • Dr. Luiz Gabriel de Freitas,
  • Dr. José Leite Pinheiro,
  • Sr. Major Evaristo Galvão de Almeida,
  • Sr. Major Carlos de Paula Leite,
  • Capitão José Bento Paes de Barros,
  • Capitão Joaquim Antonio da Silva,
  • Capitão João Evangelista Pompeo,
  • Capitão Norberto Silva,
  • Tenente Francisco Nardy Filho,
  • Tenente Adolpho Galvão d´ Almeida,
  • Ignácio Bueno de Negreiros,
  • Antonio Francisco de Paula Leite,
  • Antonio Francisco de Paula Camargo,
  • Francisco de Paula Leite de Camargo,
  • Pedro de Paula Leite,
  • Francisco de Paula Leite,
  • Mario de Paula Leite,
  • Indalecio de Camargo Penteado,
  • Godofredo Carneiro,
  • Carlos Geribello,
  • José de Paula Cerqueiras,
  • Telesphoro de Almeida Campos,
  • João Leite de Camargo,
  • Raymundo Cintra,
  • Joaquim Antonio de Camargo,
  • Ignácio de Almeida Mattos,
  • Fernando de Souza Portella,
  • Antonio de Campos,
  • Ostiano Novaes,
  • Horácio Geribello,
  • Victaliano d´Almeida prado,
  • Joaquim Vaz Pinto Ribeiro,
  • Nicanor Novaes,
  • Luiz de Paula Leite de Barros e
  • o correspondente do jornal citado, F. Cintra.


A Estação de Salto estava engalanada para a passagem do ilustre prelado com a presença de populares liderados pelo vigário Antonio Peppe, que embarcou, sob intensos aplausos, juntando-se à comitiva que logo chegaria à Itaici.

Ao chegar em Itaici, a festa também estava organizada; até uma Comissão de Festejos para organizá-la havia sido montada. Logo na plataforma, além do padre jesuíta Vitali, estavam aguardando o bispo os seguintes indaiatubanos:

  • Sra. Theodora Pinto,
  • Sra. Maria Amélia do Amaral,
  • Sra. Guaraciaba Galvão,
  • Sr. Benjamin Constant d´Almeida Coelho,
  • Ignácio de Paula Leite de Barros,
  • Luiz Gonzaga Bicudo,
  • Luiz Teixeira de Camargo,
  • Tenente José Tanclér,
  • João Francisco de Camargo,
  • Felipe de Almeida Campos,
  • José Fermiano de Campos e
  • Antonio de Oliveira Camargo.

A comitiva e os membros da comissão organizadora dos festejos foram, então, até a famosa venda do Chico de Itaici, (que o jornal destacou ser protestante) onde foi servido café e doces. Ficaram ali por breve período, até que chegasse um trem de Jundiaí, que os levaria para a Estação de Indaiatuba; era uma composição especial, disponibilizada pela diretoria da Estrada de Ferro exclusivamente para tal fim.

Ao chegar em Indaiatuba, a estação estava "repleta de povo, irmandades religiosas e banda musical local". O trem entrou vagarosamente na plataforma "debaixo de incessantes vivas". Era o menino José voltando para onde nasceu, onde sua vocação havia sido embrionada, desde quando ele fora coroinha do pároco da Matriz Nossa Senhora da Candelária.

O menino Luiz da Campos Bicudo apresentou as boas vindas ao Sr. Bispo, em "bonito discurso".

Dali, o bispo seguiu para a Matriz, refazendo o caminho que tantas vezes deve ter feito da nascente do Belchior (atual Praça da Nascente) até a igreja. O caminho estava ornamentado com arcos, arbustos e flores, desde a estação até a porta da igreja.

Quando Dom José entrou no templo, o coro entoou o "Ecce sacerdus magnus" (cuja tradução é "Eis o grande sacerdote" (que você pode ouvir aqui). O vigário da Matriz saudou a honrosa visita e em seguida, foi cantando um Te-Déum em ação de graças.

O bispo ficou hospedado na residência do Sr. Benjamin Constante de Almeida Coelho.

As cinco horas da tarde houve um "magnífico banquete" que a comissão de recepção composta pelos membros da Câmara Municipal (Ignácio de Paula Leite de Barros, Francisco José de Araújo, Luiz Bicudo, Antonio Ambiel e José Tanclér) ofereceu ao Sr. bispo, na casa urbana do Sr. Francisco José de Araújo - o mesmo Chico de Itaici, que já havia recepcionado o bispo em sua venda em Itaici - no Largo da Matriz. A casa estava totalmente adornada com folhas e cachos da palmeira de indaiá.

A mesa havia sido composta em formato de U, onde tomaram assento o Bispo Dom José, os reverendíssimos padres Fernando Tognosi (ou Tognazzi), paróco da matriz e o padre Manoel Vineta, "secretário de S. Exa.". Também participaram:

  • o Bispo Manfredo Leite,
  • o mestre de cerimônia Ignácio de Paula Leite de Barros,
  • Francisco José de Araújo,
  • Fellipe de Campos Almeida,
  • Telesphoro de Almeida Campos,
  • Benjamin Constant de Almeida Coelho,
  • Dr. Luiz de Freitas,
  • Tenente José Tanclér,
  • Galdino Lopes Chagas,
  • Benedito do Passos (sobrenome inelegível),
  • Antonio de Oliveira Camargo,
  • Francisco Nardy Filho,
  • Luiz Bicudo,
  • Francisca de Campos Bicudo (até que enfim apareceu uma mulher),
  • João de Paula Guimarães,
  • Antonio Soares,
  • José Dias de Arruda,
  • Nicanor da Silva Novaes,
  • Ostiano da Silva Novaes,
  • José Fermiano de Campos,
  • Cézare Lizone,
  • Luiz de Paula Leite de Barros,
  • Godofredo Fonseca,
  • Antonio Francisco de Paula Leite,
  • Antonio Francisco de Paula Camargo,
  • Adolpho Bauer,
  • Ignácio Bueno de Negreiros,
  • Horácio Geribello,
  • Carlos Geribello,
  • Fernando Portella,
  • João Evangelista Pompeo,
  • Indalécio de Camargo Penteado,
  • Victaliano de Almeida Prado,
  • Major Evaristo Galvão de Almeida,
  • Mario de Paula Leite,
  • Flávio de Paula Leite,
  • João Bento Paes de Barros,
  • José de Paula Cerqueira,
  • João Leite de Camargo,
  • João Amstalden,
  • Antonio de Oliveira Camargo,
  • Francisco Canuata,
  • Cornélio Ignácio Ribeiro,
  • Adolpho Guimarães,
  • João Fermiano de Souza,
  • Melchiades de Toledo,
  • Antonio Ambiel,
  • David da Silva Dutra,
  • João de França Camargo,
  • Luiz Teixeira de Camargo,
  • Luiz Faria de Almeida,
  • Francisco Casemiro de Almeida,
  • Domingos Teixeira Boa-Vista,
  • Rapahel do Amaral Campos,
  • João Caminato,
  • João Baptista Campos e
  • F. Cintra, jornalista que anotou o nome de todos os presentes e viabilizou este post com tantos detalhes.
O serviço foi confiado a Jorge de Almeida, que segundo o F. Cintra, estava "irrepreensível".

O professor Galdino Chagas, em nome da Comissão, saudou o Bispo Diocesano em bonito discurso. Depois orou o tenente Nardy Filho, saudando em nome dos ituanos o Sr. Bispo. Falou em seguida o Dr. Luiz de Freitas saudando a Câmara Municipal de Indaiatuba, promotora dos festejos.

O bispo então, usando a palavra saudou todos os ituanos que haviam lhe acompanhado até ali e que iriam se retirar para esta cidade, apresentando-lhes suas despedidas e agradecimentos pelas grandes homenagens que fora alvo. Os ituanos que ali se achavam retiraram-se para Itaici, de onde embarcaram para retornar para Itu. Finalmente o Bispo saudou a comissão encarregada de prestar-lhe as homenagens, representada pelos Srs. Inácio de Paula Leite de Barros, Antonio Ambiel representando a Helvetia e José Francisco de Araújo, representando Itaici.

Findo o banquete, teve lugar uma oração na Igreja Matriz, assistida pelo Sr. Bispo, onde pregou o Padre Manfredi Leite, que "produziu belíssimo sermão" tendo por tema a oração cotidiana. Em seguida foi cantado o Tantum Ergo (que você pode ouvir aqui) e ministrada a benção do Santíssimo Sacramento.

Na sexta feira pela manhã S. Exma, o Sr. Bispo celebrou uma missa e em seguida ministrou o sacramento do Chrisma a 28 pessoas.

Após o almoço servido na casa do Sr. Benjamin Constant de Almeida Coelho, S. Exma. retirou-se a fim de tomar o trem para ir para São Paulo.

Na estação foram ainda apresentar-lhe as suas despedidas grande número de pessoas, alunos das escolas públicas, a banda musical e irmandades.

O trem partiu devagar, soltando seu vapor com barulho característico, rompendo o silêncio da terra dos indaiás, para ser rompido com muitos vivas e vivas. Dali a comitiva partiu para a estação de Itaici, onde novamente indaiatubanos e ituanos se despediram do virtuoso prelado, que "sem embargo o seu alto vulto de príncipe da Igreja, tratava todos com as mais vivas provas de amizade e carinho"

Dom José ofertou ao " Asylo de Mendicidade de Nossa Senhora da Candelária" a quantia de 510$720, valor que recebera pelas crismas.
Acto tão magnauimo, não póde passar sem os louvores dos beneficiados; por isso em nome daquelles indigentes que ali encontraram seguro abrigo, agradecemos ao bondoso Apostolo, a sua valiosa offerta.

Esta foi a última vez que Dom José veio para a sua terra natal, a terra que viu nascer o menino José, que tanto brincou entre o Largo da Matriz e o Córrego Belchior. Ele nunca imaginaria, embalado pela composição férrea, olhando os sítios entre o centro urbano de Indaiatuba e Itaici - que aquela seria a derradeira lembrança de sua meninice. Dois anos depois, ele faleceu em trágico naufrágio.



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