Texto de Charles Fernandes
Arquiteto e Urbanista
Porque é tão difícil preservar ou reconstituir nossa vegetação nativa
Em um
único estudo realizado em 3.100 m² de mata ciliar do Córrego do Brejão, afluente
do Rio Capivari Mirim, foram encontradas 717 árvores, cerca de 1 indivíduo a
cada 4,32 m², distribuídos em 126 diferentes espécies de 39 famílias, mostrando
como é rica e diversificada a flora em nosso município. Este estudo também
reflete a biodiversidade do bioma da Mata Atlântica, presente em Indaiatuba, e
a dificuldade em preservá-lo ou reconstituí-lo.
Em
nosso município podemos encontrar dois diferentes biomas, o da Mata Atlântica,
presente em nossas matas ciliares que protegem os cursos d’água e nascentes, e
fragmentos remanescentes de mata, em geral de reservas legais de propriedades
rurais; e o bioma de Cerrado que se caracteriza por árvores e arbustos
retorcidos e espaçados; ambos biomas ameaçados, ambos protegidos pelo Código
Florestal Brasileiro de 1965.
Segundo
o Programa Reflora do CNPq, somente no estado de São Paulo podem ser
encontradas 1587 diferentes espécies arbóreas em seus diferentes biomas, sendo
que em vegetação de mata ciliar, é possível identificar até 488 diferentes
espécies, sendo 11 delas endêmicas da Região Sudeste, ou seja, que somente
ocorrem aqui. Portanto podemos afirmar que uma das maiores riquezas de nossa
mata nativa é sua grande biodiversidade.
A biodiversidade da Mata Atlântica presente em Indaiatuba não pode ser representada estritamente pela flora, pois cada espécie possui relações ecológicas específicas, e estratégias de reprodução e propagação que acabam por relacionar animais polinizadores ou dispersores, muitos deles especializados, e que acompanham a ocorrência destas plantas criando uma relação simbiótica, de benefício mútuo, prosperando a planta e o animal, e criando uma complexa rede. Esta característica da Mata Atlântica, também representa uma enorme dificuldade em preservar e a necessidade de conhecimento técnico para se recompor com eficácia.
O conceito de 'Sucessão Ecológica'
Quando
uma mata sofre uma degradação, gerada pela queda de um grande indivíduo, fogo
ou outros fatores não antrópicos, ela inicia automaticamente um processo de regeneração,
conhecido como sucessão ecológica. Podemos observar diferentes espécies ocorrendo
e protegendo umas as outras, criando condições para que uma mata degradada se
recupere e retorne naturalmente a uma condição equilibrada. Podemos separar as
espécies de árvores da Mata Atlântica, em três (3) grandes grupos ecológicos sucessionais e, assim, melhor entender sua função na recuperação da vegetação nativa. São elas: pioneiras,
secundárias e climaces.
As espécies pioneiras são as primeiras a ocorrer em
áreas degradadas, em geral possuem baixa estatura e crescimento rápido, o que
leva a possuir madeira muito leve e frágil e vida mais curta. Em geral, suas
sementes possuem grande dormência e longevidade, são dispersadas por longas
distâncias por animais, podem ficar longos períodos sem germinar e são, em geral, ativadas por luz solar. Estas espécies possuem a função de criar
proteção para os indivíduos que vêm em sequência, dos grupos de espécies secundárias
e climaces. Estas por sua vez, possuem crescimento mais lento, que torna sua
madeira mais resistente, proporcionando um porte maior. As espécies climaces em
especial, representam o CLIMAX da floresta, e possuem grande relação de
dependência com pequenos animais dispersores e insetos polinizadores. Matas com
grande número de espécies climaces podem indicar preservação, enquanto sua baixa
população ou ausência pode ser entendida como perda de biodiversidade e
degradação.
Os animais dispersores e polinizadores possuem grande mobilidade, e evadem com facilidade um local degradado, fazendo com que, com o tempo, também pereçam as populações das espécies de flora que possuem relação ecológica com eles. Um exemplo deste desequilíbrio em Indaiatuba, pode ser representado pela quase extinção de nossa palmeira símbolo, o Indaiá (Attalea geraensis), ao ponto em que seu principal dispersor, a Cotia, que se alimenta de sua amêndoa e a enterra, também foi afugentada do município.
Cotia
(Dasyprocta sp.)
A
cotia possui o hábito de roer os cocos da palmeira Indaiá para comer a amêndoa.
Enterra vários deles que acabam germinando. Escarificar um fruto roendo ou até
mesmo ativar a semente com a digestão torna alguns animais essenciais para a
proliferação de várias espécies vegetais e são chamados de dispersores.
Imagem - Pinterest
Em Indaiatuba são conhecidas as pioneiras: angico, tamanqueira, jerivá, araribá, paineira, sangra d’agua, jacandá mimoso, aldrago, aroeira mansa, embaúba e guapuruvu - sendo que suas presenças em grande número indica que houve degradação na mata, e que se encontra em processo de regeneração. Muitas espécies possuem nomes científicos que fazem alusão, em latim, a alguma característica sua e uma das espécies conhecidas por embaúba, de ocorrência comum por aqui, é a hololeuca que significa “luz branca” ilustrando como sua enorme folha brilha em meio ao dossel da mata.
Árvores conhecidas popularmente como ingá, imbira de sapo, canela, saboneteira e várias espécies de ipê, são classificadas como secundárias.
Espécies de nossa região como o jequitibá branco, cedro, guarantã, jatobá e cabreúva, representam os estágios de climax de floresta, sendo classificadas como climaces.
Na praça Prudente de Moraes existem dois grandes indivíduos de jequitibá branco, um deles possui copa que chega a 28 metros de diâmetro, e que apesar de seu atual imponente tamanho, ainda crescerão muito mais.
Os jequitibás plantados na Avenida Itororó e Avenida Major Alfredo Camargo Fonseca marcam uma cruz no desenho da cidade e podem ser avistados do espaço.
Na nascente do bairro Jequitibás existe um indivíduo nativo, cujo porte ilustra o tamanho que pode alcançar.
No jardim do Casarão do Pau Preto existem um jequitibá e um jatobá de médio porte disponíveis para visitação.
Várias destas espécies dos três grupos ecológicos podem ser identificadas dentro da cidade de Indaiatuba, pois foram muito usadas no paisagismo do Parque Ecológico.
A pioneira Embaúba Prateada (Cecropia hololeuca)
Foto: divulgação Parque Ecológico Imigrantes
A ação do homem que degrada e a ação do homem que regenera
Em muitas situações, a ação do homem causa degradação tamanha que a mata não possui condições de se regenerar por meios próprios, tão pouco de estabelecer um ponto de equilíbrio alternativo, e passa a definhar tendendo a desaparecer caso a agressão seja severa e incessante.
Nestas situações torna-se necessário a aplicação de processos de revegetação usando técnicas que imitem a regeneração natural das florestas. Uma das técnicas mais usadas em nosso município é o de consórcio ecológico, onde são plantadas, simultaneamente, espécies dos três grupos ecológicos, pioneiras, secundárias e climaces, em proporções e populações específicas, onde rapidamente (para uma planta, é claro), e com certos cuidados de manejo, as pioneiras formam um dossel eficiente que protege as espécies de crescimento mais lento.
Um exemplo a ser
observado em Indaiatuba, de uma recomposição realizada em 2015 pelo SAAE, para
criar uma nova mata ciliar para o novo reservatório de abastecimento de água do
Rio Capivari Mirim, foi o chamado Mega-Plantio. Em especial na margem
campineira do Parque do Mirim, ao norte do reservatório, podemos observar hoje,
a grande quantidade de árvores de diferentes espécies, e como algumas tiveram
rápido e grande desenvolvimento, enquanto outras crescem mais lentamente, mas
protegidas do sol, vento e outros intempéries.
Outros exemplos podem ser observados no Programa de Conservação e Recuperação de Nascentes , também do SAAE, que visa, com a revegetação, preservar os vertedouros que abastecem nossos cursos d’água, mantendo e aumentando nossos recursos hídricos.
O Programa de Conservação e Recuperação de Nascentes faz parte das diretivas do Programa Município Verde
a Azul, e sua efetivação, além de proporcionar benefícios ecológicos para a
cidade, protegendo ecossistemas, pode dar acesso a linhas de crédito para
projetos ambientais e de recursos hídricos com fundos estaduais.
A invasão das exóticas
Chamamos
de exóticas, as espécies que não são nativas de determinada região, que não
nascem naturalmente naquele local, ou que foram trazidas pelo homem, de outros
locais, para fins agrícolas ou ornamentais. Ter uma beleza advinda da flora
estrangeira pode, em algumas situações, proporcionar desequilíbrio quando esta
espécie prolifera e ocupa o lugar de espécies nativas. Atualmente o maior
invasor da região é a leucena, originária de regiões a sul do continente, foi
trazida para servir de forrageira para gado na região centro-oeste e já invade
quase todo o Estado de São Paulo corrompendo ecossistemas e criando matas
estéreis onde somente ela prospera.
Usar demasiadamente espécies exóticas em projetos paisagísticos de parques ou mesmo arborização urbana, próximos a matas nativas, também pode gerar degradação devido ao poder de propagação destas espécies, ao ponto em que utilizar espécies nativas nestas situações pode colaborar com dispersão de sementes ajudando a proteger a biodiversidade local.
"Muitas vezes é uma escolha simples
e óbvia, se há a opção entre uma espécie nativa e uma espécie exótica, espero
ter ilustrado dezenas de razões para optar por uma que seja natural de
Indaiatuba."
Atualmente existem estudos relacionados, e resoluções da Secretaria de Meio Ambiente do estado que determinam quais espécies são aceitas e indicadas em projetos de revegetação nativa em nossa região, para que se mantenha a biodiversidade de nossas matas, tanto de flora quanto de fauna dispersora e polinizadora. E o Plano Municipal de Arborização Urbana em vigência desde 2015, indica dezenas de espécies próprias para uso nas ruas e parques urbanos, e que poderiam proporcionar excelente integração com nossas matas nativas.
Mais importante do que marcar ponto efetivando um plantio, é ter a certeza da eficácia da revegetação na reconstituição ou preservação dos ecossistemas locais através da utilização de técnicas adequadas e sobretudo respeitando a biodiversidade da região.
Cambacica
(Coereba flaveola)
Ave
de grande ocorrência em Indaiatuba, seu bico é especializado para beber o
néctar das flores das matas, tornando-se importante polinizadora nativa.
Foto. Wikipedia
Fontes:
DEMARCHI, Layon Oreste. Florística e fitossociologia da comunidade arbustivo-arbórea em um trecho de floresta estacional semidecidual Ribeirinha no município de Indaiatuba, SP. 2010. 66 f. Trabalho de conclusão de curso (Ecologia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 2010. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/118862>.
REFLORA.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/PrincipalUC/PrincipalUC.do?lingua=pt
Matas Ciliares: Conservação e
Recuperação / editores
Ricardo Rodrigues, Hermógenes de Freitas Leitão Filho. – 2ª ed. – São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp,2001.
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