Texto de Sylvia Teixeira de Camargo Sannazzaro
Lá do outro lado do leito ferroviário situavam-se as terras do Belchior, nome dado também ao córrego da Estação, por estar na propriedade desta família. Contudo, era muito comum as pessoas antigas, os moradores dali, ao se referirem a esse lugar, dizerem: lá da outra banda, ou lá do outro lado [da linha do trem].
Acontece, porém, que esta denominação, tão constante em nosso antigo vocabulário regional, foi mudada em virtude de um acidente alí ocorrido.
Nesse tempo, parte destas terras do Belchior passou a pertencer ao coronel Teófilo de Oliveira Camargo, que ali formou uma chácara de residências e, além de alguma plantação, mantinha sempre umas vacas leiteiras.
Devido à proximidade com a cidade e ar puro que se respirava nas manhãs frescas, era um hábito salutar, muito cultivado pela nossa gente, fazer um passeio matinal à chácara do coronel e saborear o delicioso leite gordo e puro, tirado na hora, aos copos com açúcar ou conhaque.
Certa feita, aconteceu que uma dessas rezes, um tanto historienta, desapareceu da chácara, do pastinho. Foi então iniciada a sua busca pelos arredores, o que deu muito trabalho, e após dias seguidos de procura foi ela encontrada pelo Martinho, um [menino] preto, empregado do coronel.
Não sabemos como explicar o porquê da raiva do animal. Sabe-se apenas, que a vaca quando vinha sendo trazida de volta para a chácara, já bem nas proximidades, investiu contra o homem, enterrando o chifre em seu ventre.
O coitado do Martinho morreu!
O acontecimento teve grande repercussão, devido à escassez de novidades na época.
No cemitério velho, aquele da capela [de muro de taipa], ao entrar a terceira sepultura da segunda ala, à esquerda, uma inscrição sobre a lápide do seu túmulo diz o seguinte: Martinho Camargo - Saudade do seu patrão.
E lá do "outro lado" foi erguida uma cruz, no local exato do acidente, evocando uma prece por intenção da sua alma.
O coronel depois fez uma ermida no mesmo lugar, ali na confluência da antiga estrada de Itu com a entrada da fazenda Barnabé. Daí em diante o povo passou a chamar o lugar de [que antes era do outro lado] de bairro Santa Cruz.
Hoje não existe mais vestígios da capelinha, que mais tarde tornou-se refúgio de leprosos andantes que armavam barraquinhas brancas nas suas imediações e aí permaneciam dias seguidos, vindo sempre à cidade, a cavalo, para pedir esmolas numa canequinha.
A permanência frequente desses doentes afugentava o povo, receado do contágio de tão terrível doença.
Por esse motivo, a Capela Santa Cruz não foi conservada. Derrubaram-na como medida sanitária, e quem por ali passasse poderia observar a existência de vestígios dessa construção, que deu origem ao nome do bairro: Santa Cruz.
A imagem mostra o Hospital Augusto de Oliveira Camargo, na ocasião de sua inauguração. A linha amarela é onde (aproximadamente) passava o leito ferroviário. A parte "de baixo" do leito (linha) passou a ser chamada "Do Outro Lado".
Imagem do Bairro Santa Cruz para a Matriz Nossa Senhora da Candelária, parte do local
onde esta história aconteceu.
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Consta na história oral que Martinho ficava sempre nas proximidades da porteira no final da tarde, aguardando o coronel e seu pai chegarem de empreitadas.
Os dois acharam falta dele em certa feita, e foram saber que ele havia sido morto pela vaca. Ou boi?
É a história do "menino da porteira" de Indaiatuba.
Sabe mais sobre essa memória local?
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