A autora, Maria Clarice Marinho Villac, nasceu em Itu em 14 de julho de 1903. Era neta do coronel Antonio de Almeida Sampaio, o Totó Sampaio, como era chamado um dos mais importantes e fazendeiros da região, sendo proprietário das fazendas Pimenta, Grama, Santa Rita, Ingamirim e Sitio Grande, tendo esta última sido a sede da grande propriedade agrícola do seu avô materno, Capitão-mor João de Almeida Prado. "Coroné" Totó Sampaio faleceu em sua fazenda Pimenta em 3 de novembro de 1910 após ter sido presidente da câmara de Itu (NARDY, 1951).
As histórias de Clarita contam a infância da autora, cujo cenário principal é a Fazenda Pimenta, chamada no livro de Fazenda Pitanga. A autora conta todas as peraltices da menina, de seus irmãos e primos no cenário da vida rural de Indaiatuba do início do século XX. Uma descrição imperdível do cotidiano na vida no campo de crianças e mulheres com seus afazeres entre a cozinha, copa e sala.
Um capítulo conta sobre "pretos" libertos, que "ganharam terras do vovô".
Um livro que pode ser apreciado a qualquer tempo e em qualquer idade, revelando,
a cada página, um profundo conhecimento do universo infantil.
A autora estudou em Campinas, no Colégio Progresso Campineiro, sobre o qual ela também escreveu um livro, o CLARITA NO COLÉGIO, publicado em 1945. No colégio, aperfeiçoou-se em francês e literatura francesa, inglês, pintura e trabalhos manuais e artísticos.
Viúva aos 27 anos e com cinco filhos, sempre trabalhou. Lecionou no Externato Meira em São Paulo. Fundou e dirigiu um centro social para operárias, além de ter dado aulas de francês e inglês durante muitos anos.
Em 1937 escreveu CINCO TRAVESSOS que teve 8 edições, num total de 44.000 exemplares.
Em 1939 publicou CLARITA DA PÁ VIRADA e, em 1945, o já citado CLARITA NO COLÉGIO. Esta dupla de livros conquistou a juventude dos anos de 1940 e recebeu, inclusive, elogios de Monteiro Lobato.
Estes dois livros voltariam a ser publicados apenas na década de 1980.
Maria Clarice foi homenageada na Biblioteca Infantil Municipal de São Paulo em 1950.
Em 1970 foi eleita, por aclamação, Membro Honorário da recém fundada Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil.
Faleceu em 23 de abril de 1984.
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Na década de 1940, Monteiro Lobato tinha o costume de ir
frequentemente à Biblioteca Municipal Infantil Municipal de São Paulo
verificar a popularidade de seus livros infantis.
Apesar do sucesso constante, houve um dia em que surgiu um concorrente à altura.
Curioso, o escritor levou para casa o exemplar de CLARITA DA PÁ VIRADA.
Voltou então à Biblioteca no dia seguinte só para reconhecer, encantado,
que aquele era um livro atraente e divertido,
e as crianças tinham razão para admirá-lo
Folha de São Paulo 08/06/1946.
ENCANTOU MONTEIRO LOBATO E, CERTAMENTE, ENCANTARÁ VOCÊ.
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A Biblioteca Pública (na frente da lateral do Dom José, na Rrua Oswaldo Cruz,
possui um exemplar do livro, doado pela Conselheira Consultiva da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, Candinha Sampaio.
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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX
e início do Século XX*
Priscila Kaufmann Corrêa
(Fragmento do artigo)
Maria Clarice Marinho Villac é a
representante brasileira do grupo de escritoras
escolhido para esta pesquisa*.
A autora se utiliza
de suas próprias memórias e experiência de vida
para elaborar suas narrativas e apontamentos.
Maria Clarice nasceu em Itu no ano de 1903.
Quando criança, circulava pelas fazendas de seus
avós no interior do estado de São Paulo, além de
estudar como interna no Colégio Progresso
Campineiro.
Casou-se com Dr. Paulo José Villac ao se
formar e tornou-se escritora quando perdeu o
marido aos 27 anos de idade, tendo cinco filhos
para criar. O primeiro livro que publicou foi
Cinco travessos, em 1937, pela Editora Revista
dos Tribunais, com uma tiragem de 44 mil
exemplares (VILLAC, 2008). O livro seguinte foi
lançado em 1939, com o título de Clarita da pá
virada. Este foi republicado na década de 1980
pela editora Fermata e, posteriormente, em 2006,
pela editora Lacruce. O último livro de Maria
Clarice, Clarita no Colégio, saiu em 1945 pela
editora Cristo-Rei e foi republicado em 2008,
também pela editora Lacruce.
O livro Clarita da pá virada relata
primordialmente a vida no campo, na qual a
protagonista se mostra uma criança peralta. Nesta
obra, Maria Clarice narra sua infância nasfazendas da família, apresentando seus familiares
e as crianças que a acompanhavam em suas
brincadeiras e confusões. A menina chega a
frequentar a escola, aprendendo elementos do
catecismo, a leitura e a escrita, porém o ingresso
definitivo no universo escolar se dá no final do
livro, quando Clarita toma o trem para Campinas,
para estudar no Colégio Progresso.
Este deslocamento marca uma nova fase
na vida de Clarita, deixando para trás a infância
repleta de brincadeiras para dedicar-se aos
estudos. O cenário primordial de Clarita no
Colégio é o Colégio Progresso, por vezes
alternado pelo espaço rural, quando a menina
passa as férias nas fazendas da família. A vida no
colégio não se mostra fácil, uma vez que Clarita
precisa aprender a controlar seus impulsos e
adequar-se às regras do internato. Seu
comportamento acabou merecendo alguns
castigos e muitas conversas com Dona Emília,
que emerge como figura central no esforço de
tornar Clarita uma menina mais obediente.
A religião católica é o elemento utilizado
pela diretora para que Clarita incorpore o
comportamento esperado para uma menina. A
Primeira Comunhão, a Crisma e o ingresso na Pia
União das Filhas de Maria são descritos como
momentos cruciais na trajetória escolar da
menina, que abraça a religião católica com fervor.
A moralidade calcada na religião católica
aproxima a autora brasileira das obras da
Condessa de Ségur.
Por fim, a obra Cinco travessos:
amiguinhos de Jesus Hóstia se diferencia dos
outros dois livros por se destinar a um público
diferente: as mães de família. O livro reúne os
apontamentos de Maria Clarice sobre a formação
de seus filhos, narrando alguns acontecimentos
considerados dignos de nota. Cinco travessos foi
publicado, como a própria autora explica,
“impelida por reiteradas instâncias de algumas
amigas, religiosas de uma Santa Ordem” (1956, p.
05). Na obra a “mãe brasileira” relata como
buscou criar seus cinco filhos dentro dos preceitos
da moral católica, estimulando-os a amarem Jesus
e a realizarem sua Primeira Comunhão por volta
dos cinco anos de idade.
Apesar de não ser exatamente uma obra
destinada aos públicos infantil e juvenil, Cinco
travessos permite identificar a influência da
escolarização sobre a vida de Maria Clarice, que
estimulou os filhos a uma vida religiosa intensa,
tal qual aquela vivenciada no colégio. Estes
apontamentos se mostram um registro valioso
sobre o papel da mulher formada no Colégio
Progresso Campineiro nas décadas iniciais do
século XX. Mesmo sendo o registro de uma única mãe, o que não possibilita generalizações, ele
auxilia a compreender o que o cotidiano do
internato, permeado de práticas religiosas,
suscitou em pelo menos uma de suas alunas.
Maria Clarice Marinho Villac é a única
escritora do século XX, que também leu os livros
da Condessa de Ségur e se identificava com a
personagem Sofia. Neste sentido, a pesquisa das
trajetórias de vida das escritoras permitirá
identificar aproximações e peculiaridades de cada
autora, tecendo um diálogo entre estas mulheres e
suas obras. Também não pode ser ignorado o
caráter educativo das publicações, uma vez que se
destinam a leitores e leitoras em formação.
Em nossa inevitável subordinação em relação ao passado, ficamos [portanto] pelo menos livres no sentido de que, condenados sempre a conhecê-lo exclusivamente por meio de [seus] vestígios, conseguimos todavia saber sobre ele muito mais do que ele julgara sensato nos dar a conhecer. ( Marc Bloch)
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