Texto de Eliana Belo
Silva
Historiadora e Pedagoga
A Instituição Beneficente Dona Albertina Sampaio de Paula Leite foi fundada em 5 de janeiro de 1949, sob a denominação de de “Maternidade Dona Albertina Sampaio de Paula Leite”. No Estatuto consta que era uma organização de duração indeterminada e que tinha por fins:
- “prestar assistência médica, hospitalar, clínica e cirúrgica às mulheres reconhecidamente pobres” residentes em Indaiatuba;
- dar proteção à maternidade e a infância, dando assistência e especialmente abrigo à infância abandonada e aos filhos de mães operárias durante o período de trabalho;
- promover a assistência e formação cultural e religiosa das crianças pobres do município mediante a manutenção de cursos pré-primários e primários;
- promover a assistência e formação cultural e religiosa da juventude, por intermédio de estabelecimentos de ensino de grau médio de primeiro e segundo ciclos do colegial, técnico e comércio e técnico industrial e outros semelhantes;
- manter estabelecimentos destinados ao abrigo de pobres e andantes classificados como albergues noturnos e;
- dentro de suas possibilidades econômicas e financeiras, promover a realização de palestras, cursos, seminários e outros equivalentes, visando a divulgação de seus fins e melhoria da cultura do povo em geral, em estreita colaboração com os poderes constituídos para a melhora e evolução do meio social”.
Ou seja, diferentemente do que ficou na memória de muita gente, ela não foi fundada apenas para ser uma opção de maternidade além do Hospital Augusto de Oliveira Camargo (HAOC), mas também para ser uma escola, abrigo de menores, albergue e creche, ou seja, executar tarefas relacionadas à saúde, educação, cultura e assistência social.
Para
compreender parte da história da Maternidade Albertina, principalmente no que
tange as parturientes, é relevante considerar que sua fundação aconteceu após
15 anos da fundação do HAOC – ocorrida em 27 de junho de 1933 - uma obra feita
de forma benemérita pela Fundação Leonor de Barros Camargo e que era
reconhecidamente superdimensionada para a população indaiatubana da época,
sendo muitas vezes registrado por diferentes memorialistas que parte de seus
quartos ficavam vazios por “falta de pacientes”. Os membros da
instituição beneficente diziam que a Maternidade Albertina era a “única” da
cidade, retirando assim – ou tentando retirar - através dessa narrativa, essa
função do HAOC.
Ao consultarmos o
dicionário Petit Larousse de 1924, consta que hospital é “uma casa onde se
tratam gratuitamente doentes pobres ou onde se agasalham pessoas pobres”.
Imagem 3 - Festa de Inauguração do Prédio da Maternidade Albertina (sem data)
Vale ressaltar que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988 e antes dele, tanto o HAOC como a Maternidade Albertina tiveram suas histórias iniciadas sem os recursos desse sistema, que foi a maior conquista social da nossa Carta Magna. Na época em que foram fundados, existiam apenas algumas Instituições de Aposentadorias e Pensões organizadas por categorias profissionais (comerciários, bancários, marítimos, etc.) que em determinadas situações provinham serviços funerários, médicos e descontos em alguns medicamentos e, mesmo com a criação do Serviço Especial de Saúde Pública em 1942, a situação financeira era sempre delicada e essas organizações, como tantas outras, dependiam muito da benevolência de doadores e/ou outros meios de angariar fundos de maneira privada e/ou se mantinham associados com congregações religiosas.
Em uma das atas lavradas pela Diretoria da Instituição, constam dados sobre a arrecadação; vejamos:
e) A Casa Walter S.A. pondo a disposição desta
Instituição o material que for necessário para o seu bom aparelhamento
hospitalar;
f) carta do
Deputado Benedito Matarazzo, comunicando já estarem ultimados os estudos
relativos ao Convênio entre a Maternidade “Dona Albertina Sampaio de Paula
Leite” e o I.A.P.I – Instituo de Aposentadoria e Pensões dos Industriários;
g) cartas dos
dignos deputados Hari Normanton. José Adriano Lopes Castelo Branco. José Maria
Leal Costa Neves, Juvenal Rodrigues de Morais, Rocha Mendes Filho, Rubens Ferreira
Martins e Salvador Romano, notificando já terem anotados pedidos de
verbas-auxílios pedidos para a Maternidade e a ser incluída no próximo
orçamento;
h) comunicação
de que o número de pessoas contribuintes da Maternidade ficou aumentado de
centro e trinta e dois para duzentos e oitenta e quatro, correspondendo a uma
arrecadação anual de Cr$ 144.720,00
Considerando o
cenário composto por todas essas informações, pode-se afirmar que a
Maternidade, mesmo tendo como padrinhos membros da elite indaiatubana da época,
passou por sérias dificuldades financeiras, o que se confirma na edição do
jornal Tribuna de Indaiá do dia 17 de maio de 1959 que anunciou que alguns
membros da diretoria da sociedade mantenedora da
“única maternidade da cidade” pediram demissão, abrindo mão de seus
cargos por causa da situação financeira que “não era das melhores”, na expectativa de conceder “oportunidades” para outros membros. Como
resultado, Roque Torce Filho e Julio Nicolau, presidente e 2º vice-presidente foram substituídos, a
pedido, por Eduardo Fayzano e Abilio Vasconi para os respectivos cargos vagos,
recebendo um déficit de CR$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil cruzeiros) ao
qual, para saná-la, anunciaram que buscariam verbas doadas pelo governo
estadual e municipal.
Presidida por Eduardo Fayzano e
secretariada por Caio da Costa Sampaio, a reunião para compor a nova
diretoria teve a participação de:
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O mesmo jornal, cerca de seis meses depois, em sua
edição de janeiro de 1960, anunciava que a nova diretoria empossada em junho de
1959, havia feito mudanças positivas e planejava melhorias, entre elas a
construção de mais um pavilhão, montagem de uma farmácia e um laboratório,
compra de aparelho de Raio X e vinda de mais irmãs de caridade para funções
assistenciais; ao mesmo tempo em que reportou “70 partos no último semestre”
– sendo “61 partos normais, três cesárias e seis fórceps”, com um corpo
clínico eficiente, incluindo “parteiras licenciadas”. Às mulheres
presentes na reunião (vide nomes na lista) coube a tarefa de reunirem-se para
que estabelecessem estratégias de buscar mais associados, colaboradores
mensalistas entre as indústrias e comércio:
“... a presença das senhoras na
reunião prendia-se ao fato da necessidade de se conseguir maior número de
contribuintes entre a indústria e o comércio, e que as patronesses
organizassem equipes para percorrer a cidade, visando essa finalidade
importante para a vida da Maternidade. Em seguida o presidente Eduardo Faysano
deixou as senhoras e senhoritas à vontade para entre elas decidirem sobre essa
questão.”
De imediato, no mesmo mês, as mulheres
conseguiram arrecadar muitas roupas e louças para a Instituição, e tiveram os
seguintes colaboradores como doadores desses itens:
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Após seis meses, o resultado do trabalho dessas mulheres
– que nunca estiveram na diretoria de fato – foi publicado no Jornal
Tribuna, na edição de agosto de 1960. Além de vários associados mensais como
pessoa física, a Maternidade também recebeu doações de pessoas jurídicas, entre
elas Cr$ 10.000,00 do Banco Segurança S.A, através de lobby feito pelo
gerente da agência de Indaiatuba, Sr. Gentil Zoppi, junto à diretoria central.
A gratidão foi exposta na edição do periódico, com o título “Menção Honrosa”,
talvez com o intuito de também estimular novos doadores.
“A Diretoria da Maternidade agradece profundamente este valiosíssimo donativo que tanto irá ajudar para ir formando
fundo para compra de materiais cirúrgicos que estamos comprando para cirurgias
na futura ampliação da referida Instituição que tanto está honrando a cidade de
Indaiatuba.” Foram novos associados:
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A última ata lavrada em cartório da Maternidade Albertina que está no Arquivo Público Municipal de Indaiatuba data de 16 de fevereiro de 1964, quando a diretoria era composta pelos seguintes membros, entre diretores e conselheiros, presididos pelo Padre Francisco de Paula Cabral Vasconcelos: Alfio Boldrini, Antonio Cantelli, Antonio de Pádua Prado, Antonio Matheus Batista, Antonio Mingorance Filho, Antonio Reginaldo Geiss, Basílio Martins, Caio da Costa Sampaio, Fortunato José Deltrégia, Horminio Zerbini, Italo Mario (inelegível), João Batista de Macedo e João José Mendes.
Após o encerramento das atividades da maternidade, o prédio passou por algumas adaptações - inclusive com a instalação de um parquinho infantil na parte da frente e passou a abrigar uma escola do SESI. Também era usado pela Paróquia Santa Rita de Cássia para aulas catequese e outros eventos festivos, inclusive o que vitimou o jovem Lettério Polimeni, líder estudantil, no dia 8 de maio de 1965. Por fim, o prédio foi demolido e em seu lugar foi construído o Fórum da Comarca de Indaiatuba, instalada na década de 1960, após muito pressão popular.
O PARTO
O
parto e a assistência ao parto passaram por diversas transformações no decorrer
dos tempos. Passou da residência ao hospital, de um evento que envolvia
parteiras a um evento médico, da não-medicalização a medicalização, do natural
a um evento regrado. Devido a tantas transformações que foram desenvolvidas
para melhor atender a equipe de saúde e a gestante, a parturiente passou de
sujeito a objeto, ou seja, uma pessoa que pouco ou nada decide a respeito de
como o parto será conduzido. Por isso, atualmente há um movimento de
humanização do parto, preconizado pelo Ministério da Saúde, solicitando
assistência integral e humanizada à mulher, como uma tentativa de empoderamento
da mulher. (BRASIL, 2001; HELMAN, 2003; MALDONADO, 2002; MOTT, 2002; NAGAHAMA,
2002).
Entre essas transformações e com base nos autores consultados sobre o assunto, podemos considerar as memórias de muitos indaiatubanos sobre o início da Maternidade Albertina. O que mais se diz são dois motivos, os quais são apontados nos pesquisadores citados: o primeiro seria a necessidade sanitária de separar as parturientes e os bebês de um ambiente como um hospital, no caso o HAOC. Outro motivo seria o conflito entre as irmãs católicas do HAOC que insistiam no parto normal e a crescente procura e valorização do parto cesárea; o que significa que não fossem feitos partos normais na maternidade. Mas existia, segundo os memorialistas, uma certa “liberdade de escolha”. Essas informações, repito – embora sejam corroboradas com os textos consultadas, não podem ser confirmadas documentalmente pois não foram encontrados – até agora – registros que confirmem as memórias orais.
"ARQUEOLOGIA MODERNA"
Neste início de inverno de 2021, em plena pandemia da COVID-10 a Maternidade Albertina voltou a ser assunto entre os indaiatubanos. As obras de ampliação do Fórum de Indaiatuba, iniciada há poucas semanas, revelou as bases do antigo prédio. O novo prédio do Fórum terá mais de 500 metros quadrados, com custo de cerca de R$ 750 mil e prazo de um ano para entrega. Tudo será custeado com emendas parlamentares do Deputado Bruno Ganem (Podemos) que visitou a obra e cedeu as seguintes imagens, através de sua assessoria de imprensa:
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BIBLIOGRAFIA
As imagens históricas, as edições de
jornais e atas da Maternidade Albertina consultadas/citadas neste artigo
pertencem ao Arquivo Municipal ‘Nilson Cardoso de Carvalho” da Casa da
Memória, do Departamento de Preservação e Memória da Secretaria da Cultura da
Prefeitura Municipal de Indaiatuba.
Informações sobre o Projeto de
Lei Estadual nº 872 de 1961 e Estatuto da Maternidade foram consultadas no Departamento de Acervo Histórico e Biblioteca da ALESP - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Políticos de Saúde. Área Técnica de Saúde da
Mulher. Parto, aborto e puerpério:
assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
HELMAN, Cecil G. Cultura, saúde e doença. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da Gravidez: parto e puerpério. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
MOTT, Maria Lucia. Parto. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 399-401, 2002.
NAGAHAMA, Elizabeth Eriko Ishida; SANTIAGO, Silvia Maria. A institucionalização médica doparto no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 651-657, 2005.
AGRADECIMENTOS
- Antonio Reginaldo Geiss (in memorian)
- Candinha Sampaio
- Hugo Antoneli Junior
- Silvia A. Matsuda (ALESP)
- Thais Svicero (Arquivo Municipal)
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