A Sessão da Câmara Municipal de
Indaiatuba de 19/06/23 reconheceu, com o voto favorável de todos os vereadores,
o "Samba da Figueira" como manifestação cultural
local, elevando essa atividade à condição de bem de natureza imaterial
integrante do patrimônio cultural do Município de Indaiatuba.
O projeto de lei foi apresentado pelo
presidente da Casa, o vereador Jorge Luiz Lepinsk 'Pepo' que é
músico e que tem, em sua história, sincronicidade com esse gênero musical e
notadamente com a escola de Samba Acadêmicos do Sereno, agremiação que foi
presidente.
Na justificativa documentada do Projeto
protocolado na Câmara Municipal, o vereador justificou que "o
samba, tanto o gênero musical como a dança, são elementos muito tradicionais da
cultura popular brasileira e é um dos grandes símbolos culturais de nosso país
no exterior. Ele é tradicionalmente relacionado com o carnaval, sobretudo com
os desfiles das escolas de samba".
Mas foi no púlpito que Pepo proferiu a
defesa verbalmente de forma contundente, explicando os motivos de sua
proposição, emocionando a maior parte dos presentes.
Definiu, inicialmente, que o Samba da
Fiqueira é uma manifestação popular, que nasceu organicamente com um grupo de
sambistas de Indaiatuba que se apresenta "no gogó e sem suporte de
eletrônicos" embaixo das figueiras do Parque Ecológico, nas
proximidades da Prefeitura Municipal. Além de cantar samba, o grupo arrecada
alimentos e faz ações filantrópicas para quem precisa.
Pepo contou um fato inusitado, digno de
registro nesta ocasião de reconhecimento formal do grupo pela nossa casa de
leis: "_ No último Maio Musical o grupo estava com agenda marcada
no período da tarde, mas houve uma tentativa de desmarcar, uma vez que a
contora Luisa Possi ia passar o som no palco montado perto das figueiras para
se apresentar à noite. Isso não aconteceu e o que se viu foi que o público da
'pretada' foi maior que o da cantora."
O samba como
resistência
Embora tenha dito que não entraria, em seu discurso, na questão da
negritude, a fala do Presidente Pepo denunciou, sim, o racismo estrutural e a
forma como o samba é uma manifestação de resistência. Ele tentou evitar a
questão problematizadora (digamos assim) para dar holofote aos sambistas - que estavam no
plenário e foram largamente aplaudidos – e defendeu com suas firmes
palavras o que já sabemos: que a música
propicia e amplia, de modo muito melhorado, o poder muitas vezes insignificantes
ou reduzidos das palavras faladas ou escritas.
Já há algum tempo as musicalidades, as oralidades, os ritmos e outras
manifestações performáticas tem chamado a atenção de “historiadores mimados com
as tradições escritas” [1]. Foram essas manifestações
que permitiram, aos antigos trabalhadores negros escravizados a promoção da
resistência, através, por exemplo, da capoeira e dos chamados batuques, que
foram proibidos por lei e motivos de castigos físicos, torturas diversas, prisões
e até mortes.
Por incrível que possa parecer, a mesma Câmara Municipal de Indaiatuba
que reconheceu por unanimidade essa manifestação cultural proposta por Pepo, no
seu longínquo e tenebroso passado escravocrata, no século XIX, proibiu os batuques - exclusivamente feitos por trabalhadores negros escravizados e mais tarde, recém-libertos -nos
pequenos largos de terra batida em nossa Indaiatuba. Isso está registrado nos
anais da vergonhosa história da escravidão em nossa cidade.
O samba é muito diverso, tem o samba-choro, samba-canção, samba
de terreiro, samba de exaltação, samba-enredo, samba de breque, sambalanço,
samba de gafieira, bossa nova, samba-jazz, samba de partido alto, samba de morro,
samba de quadra e samba rock. E cantando um pouco de cada uma
dessas ramificações, agora Indaiatuba tem o “Samba de Figueira”, formado por
dezenas de pessoas, que foram representadas, entre outros - na Sessão da Câmara - pelo Tutty e pela Ketlen.
Fato incontestável é que, passados mais de 130 anos do pior período da História do nosso Brasil que foi a escravização, a dança e a música de grupos negros continuam sendo saberes que, muitas vezes, substituem o discurso político formal e é o percurso adotado para combate, resistência e construção da identidade, que resiste e cresce mesmo com os enquadramentos ou tentativas de enquadramentos feitos pelos poderes político e midiático.
"É nas rodas
de samba que reina a autonomia guerreira, os sorrisos negros que ironizam a
brancura do poder e as danças de passistas que transforam seus corpos em poesia
visual" [2].
E não há cantora branca-padrão que as calem, pelo menos não em Indaiatuba.
[1] GILROY,
Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora
34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2001.
[2] ZEVEDO, Amailton
Magno. Samba: um ritmo negro de resistência. Revista do Instituto
de Estudos. Brasileiros, Brasil, n. 70, p. 44-58, agosto de 2018.
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