sexta-feira, 23 de junho de 2023

“Samba da Figueira” é reconhecido como patrimônio cultural do Município de Indaiatuba

A Sessão da Câmara Municipal de Indaiatuba de 19/06/23 reconheceu, com o voto favorável de todos os vereadores, o "Samba da Figueira" como manifestação cultural local, elevando essa atividade à condição de bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural do Município de Indaiatuba.

O projeto de lei foi apresentado pelo presidente da Casa, o vereador Jorge Luiz Lepinsk 'Pepo' que é músico e que tem, em sua história, sincronicidade com esse gênero musical e notadamente com a escola de Samba Acadêmicos do Sereno, agremiação que foi presidente.

Na justificativa documentada do Projeto protocolado na Câmara Municipal, o vereador justificou que "o samba, tanto o gênero musical como a dança, são elementos muito tradicionais da cultura popular brasileira e é um dos grandes símbolos culturais de nosso país no exterior. Ele é tradicionalmente relacionado com o carnaval, sobretudo com os desfiles das escolas de samba".

Mas foi no púlpito que Pepo proferiu a defesa verbalmente de forma contundente, explicando os motivos  de sua proposição, emocionando a maior parte dos presentes.

Definiu, inicialmente, que o Samba da Fiqueira é uma manifestação popular, que nasceu organicamente com um grupo de sambistas de Indaiatuba que se apresenta "no gogó e sem suporte de eletrônicos" embaixo das figueiras do Parque Ecológico, nas proximidades da Prefeitura Municipal. Além de cantar samba, o grupo arrecada alimentos e faz ações filantrópicas para quem precisa.

Pepo contou um fato inusitado, digno de registro nesta ocasião de reconhecimento formal do grupo pela nossa casa de leis: "_ No último Maio Musical o grupo estava com agenda marcada no período da tarde, mas houve uma tentativa de desmarcar, uma vez que a contora Luisa Possi ia passar o som no palco montado perto das figueiras para se apresentar à noite. Isso não aconteceu e o que se viu foi que o público da 'pretada'  foi maior que o da cantora."


O samba como resistência
 

Embora tenha dito que não entraria, em seu discurso, na questão da negritude, a fala do Presidente Pepo denunciou, sim, o racismo estrutural e a forma como o samba é uma manifestação de resistência. Ele tentou evitar a questão problematizadora (digamos assim) para dar holofote aos sambistas - que estavam no plenário e foram largamente aplaudidos – e defendeu com suas firmes palavras o que já sabemos: que a música propicia e amplia, de modo muito melhorado, o poder muitas vezes insignificantes ou reduzidos das palavras faladas ou escritas.

 

Já há algum tempo as musicalidades, as oralidades, os ritmos e outras manifestações performáticas tem chamado a atenção de “historiadores mimados com as tradições escritas” [1]. Foram essas manifestações que permitiram, aos antigos trabalhadores negros escravizados a promoção da resistência, através, por exemplo, da capoeira e dos chamados batuques, que foram proibidos por lei e motivos de castigos físicos, torturas diversas, prisões e até mortes.


Jogar capoeira ou dança da guerra
Obra de Johann Moritz Rugendas, 1835


Por incrível que possa parecer, a mesma Câmara Municipal de Indaiatuba que reconheceu por unanimidade essa manifestação cultural proposta por Pepo, no seu longínquo e tenebroso passado escravocrata, no século XIX, proibiu os batuques - exclusivamente feitos por trabalhadores negros escravizados e mais tarde, recém-libertos  -nos pequenos largos de terra batida em nossa Indaiatuba. Isso está registrado nos anais da vergonhosa história da escravidão em nossa cidade.

 

O samba é muito diverso, tem o samba-choro, samba-canção, samba de terreiro, samba de exaltação, samba-enredo, samba de breque, sambalanço, samba de gafieira, bossa nova, samba-jazz, samba de partido alto, samba de morro, samba de quadra e samba rock. E cantando um pouco de cada uma dessas ramificações, agora Indaiatuba tem o “Samba de Figueira”, formado por dezenas de pessoas, que foram representadas, entre outros - na Sessão da Câmara -  pelo Tutty e pela Ketlen.

 

Tutty, Ketlen e alguns dos outros membros do "Samba da Figueira" na votação do Projeto de Lei
Crédito: Anselmo - Câmara Municipal de Indaiatuba (divulgação)


Fato incontestável é que, passados mais de 130 anos do pior período da História do nosso Brasil que foi a escravização, a dança e a música de grupos negros continuam sendo saberes que, muitas vezes, substituem o discurso político formal e é o percurso adotado para combate, resistência e construção da identidade, que resiste e cresce mesmo com os enquadramentos ou tentativas de enquadramentos feitos pelos poderes político e midiático. 


"É nas rodas de samba que reina a autonomia guerreira, os sorrisos negros que ironizam a brancura do poder e as danças de passistas que transforam seus corpos em poesia visual" [2]. E não há cantora branca-padrão que as calem, pelo menos não em Indaiatuba.



[1] GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2001.

[2] ZEVEDO, Amailton Magno. Samba: um ritmo negro de resistência. Revista do Instituto de Estudos. Brasileiros, Brasil, n. 70, p. 44-58, agosto de 2018.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais visitadas na última semana