quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Crime do Poço - Capítulo 5 - Domenico volta da Itália



Capítulo V – Cobiça e Premeditação


Quando o trem parou na estação de Indaiatuba (1) , Domenico, sentado em um dos vagões, avistou do lado de fora um jovem,

“provavelmente de sua idade, postado no galpão externo e, embora não o conhecendo e com a naturalidade que lhe era peculiar, dirigiu-se ao moço em língua italiana, perguntando-lhe se havia milho ou feijão para vender na cidade (2)”.


Antiga estação de trem de Indaiatuba (foto de 1980), que depois funcionou como armazém da estação “nova” (de 1911).
Foto cedida por Kelso Médice para www.estaçoesferroviarias.com.br


O rapaz interpelado respondeu “- Eu tenho”. Domenico, então, pegou sua pequena mala, seu chapéu acinzentado e seu guarda chuva e desceu do comboio, sem suspeitar que ali houvesse sido o início uma terrível sucessão de fatos que o levaria à morte.

O jovem era Adão R. de 19 anos, negociante, natural de Trento, na Itália,

“...que até a alguns meses atrás, era um dos muitos que se dedicavam à lavoura juntamente com a família, pais e irmãos que trabalhavam como colonos na fazenda de dona Escolástica. Não o fascinava, no entanto, o duro amanho da terra; almejava melhorar de vida, enricar .(3)

Por quais razões o destino os teria colocado frente a frente?

Com a ajuda dos pais, Adão R. abriu uma pequena venda de secos & molhados, localizada na Rua Candelária número 23, logo após a esquina com a atual Rua 7 de Setembro. Era uma venda com “toscas prateleiras, nelas estavam dispostas mercadorias como garrafas de bebidas e vasilhames, jacás de queijo e caixotes de cereais destinados a varejo.(4)




Cruzamento da rua Candelária com a rua 7 de Setembro (ao fundo, a igreja Candelária).
Do lado direito, subindo, a venda de Adão R., com inscrições comerciais e a casa de número 21, desabitada - onde estava o poço - seguida por um terreno baldio na esquina.
Foto do acervo de Antonio da Cunha Penna.

Domenico foi com Adão até a sua casa, que funcionava como venda na parte da frente, onde inspecionou os três sacos de milho e cinco de feijão que estavam disponíveis para negócio.

Como era pouca a mercadoria disponibilizada por Adão, Domenico resolveu procurar outros fornecedores na cidade.

Então Adão acompanhou Domenico até o hotel da viúva Meritá Bertolotti, que ficava na rua Candelária, bem perto do prédio onde funcionava a Escolas Reunidas (atual Colégio Candelária) (5) , e bem próximo de sua venda. O sino da matriz Nossa Senhora da Candelária marcava dez horas da manhã.

Após cerca de uma hora, depois de se acomodar na hospedaria, Domenico voltou na venda de Adão para pagar pelos produtos negociados. Dias mais tarde, ao depor, Adão narrou que percebeu que o rapaz - tão comprometido em fazer bons negócios para não decepcionar o pai - tinha dinheiro em quantia muito maior do que o pagamento feito... “[ele] tirou o dinheiro... uns trezentos ou quatrocentos mil reis que tinha no bolso da calça, mostrando ter mais dinheiro... no bolso do paletó (6) .”

Dona Meritá Bertolotti também fez referência em seu depoimento, dias depois (7) , sobre o ato ingênuo do rapaz. Domenico deu um presente para sua filhinha e logo em seguida não se conteve em mostrar que tinha dinheiro. Ela disse que “...chegou a aconselhá-lo que não fizesse aquilo, porque era ruim, ao que Domenico respondeu que não tinha medo, porque dava dez mil réis a qualquer pessoa que lhe pedisse.”

A imaturidade, desprendimento, generosidade e ou até soberba do rapaz, junto com a cobiça, ambição e frieza dos assassinos, traçaram o destino de sua curta vida.

Da venda de Adão, Domenico saiu e voltou algumas vezes naquele dia; fizera do modesto comércio um ponto de referência, provavelmente concluindo inocentemente que, pela companhia oferecida e pelo negócio feito, haveria de ter conquistado um amigo. Numa destas idas e vindas fora até a casa de Antônio N., um cidadão comum, na comum rotina da cidadezinha: 28 anos, casado, italiano natural de Caserta, Trento, Nigga de Pautano na Itália, que como poucos, sabia ler e escrever. Antônio N. trabalhava como barbeiro em um salão na frente de sua residência, que funcionava também como “casa de negócios”, na esquina das atuais ruas Pedro de Toledo e Cerqueira César. Negociara com este, quinze sacos de milho. Tentara também negociar com Ambrósio Lisone.

Adão ficou entusiasmado com a negociação e no outro dia pela manhã foi até o sítio Mato Dentro procurar mais milho e feijão para intermediar mais vendas. Domenico dissera que seu pai e ele tinham um próspero negócio na Rua Santa Rosa, na capital da província e que, se oportuno fosse, pagaria adiantado alguns lotes. Quando voltou sem nada para negociar naquele momento, encontrou Domenico que fora se despedir. O jovem entregou um cartão para Adão, apontando seu endereço completo em São Paulo, completando ainda que, se ele encontrasse gêneros para negociar, que podia contatá-lo também como opção, no Hotel Bela Vista em Piracicaba.

Adão R. e Antônio N. encontravam-se todos os dias para jogar baralho, junto com Eugênio C. e outros parceiros, que se reuniam na dita venda da rua Candelária, onde permaneciam até altas horas.

Após a partida de Domenico, ao reunirem-se para a jogatina, Adão R. e Antônio N. confabularam sobre o quanto de dinheiro ele carregaria. “Tinham em comum a ambição desenfreada. Pelo jogo e pela fortuna. Esse traço de caráter os unia num secreto desejo, ainda não concretizado (8) .”

Ele comprara tudo à vista...

Viajava sozinho...

Não seria difícil se apoderar do que ele tivesse... Quando depôs (9)  sobre essas conversas, Adão disse que Antônio havia lhe dado maus conselhos, dizendo que “...quem não furtava, nunca havia de ser rico... (10)

Os dois então, planejaram roubá-lo.

Mas como?

A primeira medida a ser tomada era de fazê-lo voltar a Indaiatuba com uma boa desculpa. Adão então, que tinha prometido ao jovem de arrumar-lhe um grande lote de milho e feijão, pensou que o melhor jeito era escrever-lhe uma carta ao endereço que ele tinha deixado, pedindo-lhe que viesse a Indaiatuba para negócio.

E depois? Os dois não sabiam como ainda como proceder. Antônio disse para Adão que arrumaria outra pessoa para ajudar e acabou a conversa dizendo:

“-O importante é que ele venha até aqui com bastante dinheiro e na hora daremos um jeito.”

E foi assim que no dia 2 de dezembro, seguiu para o Hotel Bela Vista de Piracicaba o fatídico bilhete, considerado pelo promotor do processo o primeiro elemento da engrenagem do crime. Foi um meio de atrair a vítima incauta.

Nesse interim Domenico tinha voltado para Piracicaba e de lá, como houvesse acabado o dinheiro e havia alguns negócios para concluir, voltou para São Paulo buscar mais dinheiro e prestar contas ao pai do que tinha realizado. Modesto ficou muito satisfeito com a atuação do filho e entregou-lhe 6:400$000 (seis contos e quatrocentos mil réis), para retornar e efetuar os pagamentos remanescentes.

Era um valor muito alto. O milho custava 5$000 o saco e o feijão 18$000. (11)

.....oooooOooooo.....

(1) A estação de trem na época do assassinato de Domenico De Luca não era o prédio onde hoje é o Museu Ferroviário, que foi inaugurado em 1911 e construído pela Sorocabana. O prédio que funcionava como estação era pequeno, está ali até hoje e foi construído pela câmara municipal, sendo inaugurado em 1880.

(2) DOTTA. 1985. p.12

(3) Idem. p.13


(4) Idem.

(5) Tempos depois, dona Meritá mudou sua pensão para a esquina das atuais ruas 7 de Setembro e Candelária.

(6) Autos do processo transcrito pela FPM. p.52.
(7) O depoimento de Meritá Bertolotti tem início na p.94 do 1º.vol. dos autos do processo transcrito por Joseph Almeida - via FPM.

(8) Idem. p.13


(9) O depoimento de Adão R. tem início na página 17 do Primeiro volume dos Autos do Processo transcrito por Joseph Almeida - via FPM. (ver também a partir da página 50).

(10) Autos do processo transcrito por Joseph Almeida via FPM. p.54.

(11) Dotta, 1985, p.17.

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