sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Censo Populacional de 1768, as Ordenanças de Itu e de Indaiatuba

                                                                                                                                      Eliana Belo Silva

 

INTERSECÇÕES ADMINISTRATIVAS E MILITARES NA ESTRUTURA COLOCIAL PAULISTA 

As esquadras de "Indaiatuba"

 

Introdução

O censo realizado em 1768 na província de São Paulo, marcado pela enumeração das chamadas "esquadras", não se restringia apenas ao aspecto demográfico, mas também refletia o contexto institucional e militar da colônia. Nesse universo, as Ordenanças de Itu assumem papel central, entrelaçando-se com o levantamento populacional ao estabelecer vínculos entre organização civil e defesa territorial.

Neste cenário, Nilson Cardoso de Carvalho apresentou, em seu livro "Cronologia Indaiatubana" (2009) um mapa (que categorizou como ‘em estudo’) inserindo as esquadras das Ordenanças de Itu no atual território de Indaiatuba, mostrando, assim, os europeus ou seus descendentes que por aqui viveram naquela época e que fizeram parte dessa estrutura.

Este texto explica o contexto desse censo com base em bibliografia revista e citada e reapresenta os estudos do memorialista principalmente para demonstrar as mais antigas origens do povoamento não-originário de Indaiatuba e sua relação com o Estado Colonial português.

 

Esquadras e Ordenanças: Divisões funcionais

As esquadras, tal como identificadas no censo, constituíam subdivisões das freguesias e serviam para facilitar o registro e controle dos moradores. Paralelamente, as ordenanças eram milícias civis formadas por homens livres responsáveis pela defesa e manutenção da ordem pública, baseando-se justamente nessas divisões territoriais para recrutar e organizar seus membros. A vila de Itu, de relevante influência política e econômica, tornou-se referência administrativa: suas ordenanças eram formadas segundo os agrupamentos das esquadras, permitindo uma atuação mais eficiente e articulada entre poder civil e militar.

 

O papel das Ordenanças de Itu

Criadas a partir de diretrizes metropolitanas e sob ordens do Capitão Geral Morgado de Mateus, começaram a ser produzidas na Capitania/Província de São Paulo as “listas nominativas” (os chamados Maços de População). Essas listas eram feitas com base na estrutura das Ordenanças de Itu, que reuniam habitantes das diversas esquadras (subdivisões comandadas por cabos) mapeadas no censo constituindo, assim, a base da estrutura militar paulista que, nem sempre contava com tropas regulares ou profissionais. Cada esquadra oferecia combatentes e colaboradores para as milícias, integrando a lógica censitária à dinâmica do recrutamento militar. normalmente responsáveis pela defesa, manutenção da ordem e apoio à administração portuguesa. No contexto de Itu, essas ordenanças teriam desempenhado papel importante na dinâmica política e social regional, articulando interesses locais e metropolitanos.

As ordenanças eram organizações militares com rígida hierarquia: capitão-mor, sargento-mor, capitães; abaixo, alferes, sargentos, furriéis, cabos - que comandavam as esquadras e o uso de “esquadras” sob comando de cabos. As esquadras atuavam, segundo AZEVEDO (1954) tanto no patrulhamento das áreas rurais quanto no apoio às operações militares oficiais, sendo fundamentais para a segurança das comunidades paulistas.

O censo de 1768, ao registrar quem eram e onde viviam os moradores, fornecia subsídios indispensáveis para a composição das tropas, o controle de ausências e a mobilização em caso de conflito ou ameaça externa e interna (dos indígenas e negros escravizados) e ainda segundo CARDIM (2005), também para organizar tributos e planejar estratégias de ocupação territorial.

 

As esquadras no território indaiatubano, em mapa elaborado por Carvalho

 


Ordenanças de Itu, Sexta Esquadra de Indaiatuba 
Cabo: Ignacio Xavier Leme, 48 anos; 
soldados: José Bicudo da Costa, 36, 
Caetano Felis, 58, 
Gaspar de Anhaya, 46, 
Antonio Leite, 27, 
Salvador Leite, 30,
 Gaspar Barreto, 54, 
José de Gois Barreto, 20, 
Ignacio Xavier de Passos Silveira, 19, 
Francisco Xavier Dias, 50, 
José Gonçalves Costa, 41, 
Manoel da Costa, 24. 
(Fonte: Maços de População, Arquivo do Estado de São Paulo)

 Impacto e legado

A articulação entre censo e ordenanças consolidou-se como mecanismo fundamental de governança no interior paulista, em especial em Itu, que viria a ser palco de movimentos decisivos para a história da província. O cruzamento de dados populacionais e de divisão militar não apenas reforçou a capacidade administrativa da Coroa, como também estabeleceu as bases para políticas de expansão territorial e controle social. O levantamento das esquadras, portanto, dialogou diretamente com a atuação das Ordenanças de Itu, revelando como o monitoramento dos moradores era inseparável da organização das forças de defesa.


Conclusão

Destacando CARDIM (2005), reforça-se que recenseamento nunca é neutro: ele produz efeitos de poder — classificando, hierarquizando e territorializando pessoas segundo critérios de interesses de poder – no caso, do Estado Colonial — influenciando e até determinando os moldes das políticas sobre escravidão, migração, trabalho livre, posse de terras, densidade demográfica em capitanias e vilas e seus devidos controles militarizados para a manutenção dos interesses metropolitanos.

O censo de 1768 e as Ordenanças de Itu exemplificam o entrelaçamento entre estratégias de administração populacional e militar no Brasil colonial. Por meio da enumeração das esquadras, a província de São Paulo estruturou-se para enfrentar desafios tanto civis quanto militares, e a vila de Itu - com suas esquadras no atual território de Indaiatuba - despontou como laboratório dessa integração, perpetuando um legado que marcaria a história paulista por gerações.

 

 

 

Fontes e Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Fernando de. História de São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, 1954.

BACELLAR, C. de A. P. As listas nominativas de habitantes da capitania de São Paulo sob um olhar crítico (1765–1836). Anais de História de Além-Mar, v. 16, 2015, p. 313-338.

BICALHO, Maria Fernanda. “Ordenanças, milícias e territórios: a administração militar no Brasil colonial.” In: Fragoso, João & Gouvêa, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

CARDIM, Carlos. “O censo de 1768 e o governo da população na América portuguesa.” Revista Brasileira de História, v. 25, n. 49, 2005.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

MENDONÇA, Marcos Lobato. O poder da vila: elites locais e ordenanças militares em São Paulo (século XVIII). Belo Horizonte: UFMG, 2006.

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Censos antigos: documentação histórica. 


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