Eliana Belo Silva
INTERSECÇÕES ADMINISTRATIVAS E MILITARES NA ESTRUTURA COLOCIAL PAULISTA
As esquadras de "Indaiatuba"
Introdução
O censo realizado em 1768 na província de São Paulo, marcado pela
enumeração das chamadas "esquadras", não se restringia apenas ao
aspecto demográfico, mas também refletia o contexto institucional e militar da
colônia. Nesse universo, as Ordenanças de Itu assumem papel central,
entrelaçando-se com o levantamento populacional ao estabelecer vínculos entre
organização civil e defesa territorial.
Neste cenário, Nilson Cardoso de Carvalho apresentou, em seu livro "Cronologia Indaiatubana" (2009) um mapa (que categorizou como ‘em estudo’) inserindo as esquadras das Ordenanças de Itu no atual território de Indaiatuba, mostrando, assim, os europeus ou seus descendentes que por aqui viveram naquela época e que fizeram parte dessa estrutura.
Este texto explica o contexto desse censo com base em bibliografia
revista e citada e reapresenta os estudos do memorialista principalmente para
demonstrar as mais antigas origens do povoamento não-originário de Indaiatuba e
sua relação com o Estado Colonial português.
Esquadras e Ordenanças: Divisões funcionais
As esquadras, tal como identificadas no censo, constituíam
subdivisões das freguesias e serviam para facilitar o registro e controle dos
moradores. Paralelamente, as ordenanças eram milícias civis formadas
por homens livres responsáveis pela defesa e manutenção da ordem pública,
baseando-se justamente nessas divisões territoriais para recrutar e organizar
seus membros. A vila de Itu, de relevante influência política e econômica,
tornou-se referência administrativa: suas ordenanças eram formadas segundo os
agrupamentos das esquadras, permitindo uma atuação mais eficiente e articulada
entre poder civil e militar.
O papel das Ordenanças de Itu
Criadas a partir de diretrizes metropolitanas e sob ordens do Capitão
Geral Morgado de Mateus, começaram a ser produzidas na Capitania/Província de
São Paulo as “listas nominativas” (os chamados Maços de População). Essas
listas eram feitas com base na estrutura das Ordenanças de Itu, que reuniam habitantes
das diversas esquadras (subdivisões comandadas por cabos) mapeadas no censo
constituindo, assim, a base da estrutura militar paulista que, nem sempre
contava com tropas regulares ou profissionais. Cada esquadra oferecia
combatentes e colaboradores para as milícias, integrando a lógica censitária à
dinâmica do recrutamento militar. normalmente responsáveis pela defesa,
manutenção da ordem e apoio à administração portuguesa. No contexto de Itu,
essas ordenanças teriam desempenhado papel importante na dinâmica política e
social regional, articulando interesses locais e metropolitanos.
As ordenanças eram organizações militares com rígida hierarquia: capitão-mor, sargento-mor, capitães; abaixo, alferes, sargentos, furriéis, cabos - que comandavam as esquadras e o uso de “esquadras” sob comando de cabos. As esquadras atuavam, segundo AZEVEDO (1954) tanto no patrulhamento das áreas rurais quanto no apoio às operações militares oficiais, sendo fundamentais para a segurança das comunidades paulistas.
O censo de 1768, ao registrar quem eram e onde viviam os moradores, fornecia subsídios indispensáveis para a composição das tropas, o controle de ausências e a mobilização em caso de conflito ou ameaça externa e interna (dos indígenas e negros escravizados) e ainda segundo CARDIM (2005), também para organizar tributos e planejar estratégias de ocupação territorial.
As esquadras no território indaiatubano, em mapa elaborado por
Carvalho
A articulação entre censo e ordenanças consolidou-se como mecanismo
fundamental de governança no interior paulista, em especial em Itu, que viria a
ser palco de movimentos decisivos para a história da província. O cruzamento de
dados populacionais e de divisão militar não apenas reforçou a capacidade
administrativa da Coroa, como também estabeleceu as bases para políticas de
expansão territorial e controle social. O levantamento das esquadras, portanto,
dialogou diretamente com a atuação das Ordenanças de Itu, revelando como o
monitoramento dos moradores era inseparável da organização das forças de
defesa.
Conclusão
Destacando CARDIM (2005), reforça-se que recenseamento nunca é neutro: ele produz efeitos de poder — classificando, hierarquizando e territorializando pessoas segundo critérios de interesses de poder – no caso, do Estado Colonial — influenciando e até determinando os moldes das políticas sobre escravidão, migração, trabalho livre, posse de terras, densidade demográfica em capitanias e vilas e seus devidos controles militarizados para a manutenção dos interesses metropolitanos.
O censo de 1768 e as Ordenanças de Itu exemplificam o entrelaçamento entre estratégias de administração populacional e militar no Brasil colonial. Por meio da enumeração das esquadras, a província de São Paulo estruturou-se para enfrentar desafios tanto civis quanto militares, e a vila de Itu - com suas esquadras no atual território de Indaiatuba - despontou como laboratório dessa integração, perpetuando um legado que marcaria a história paulista por gerações.
Fontes e Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Fernando de. História de São Paulo. São Paulo: Melhoramentos,
1954.
BACELLAR, C. de A. P. As listas nominativas de habitantes da capitania de São Paulo sob um olhar crítico (1765–1836). Anais de História de Além-Mar, v. 16, 2015, p. 313-338.
BICALHO, Maria Fernanda. “Ordenanças, milícias e territórios: a administração militar no Brasil colonial.” In: Fragoso, João & Gouvêa, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
CARDIM, Carlos. “O censo de 1768 e o governo da população na América portuguesa.” Revista Brasileira de História, v. 25, n. 49, 2005.
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
MENDONÇA, Marcos Lobato. O poder da vila: elites locais e ordenanças militares em São Paulo (século XVIII). Belo Horizonte: UFMG, 2006.
Arquivo Público do Estado de São Paulo. Censos antigos: documentação histórica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário