terça-feira, 21 de julho de 2015

Crônicas de ANTON AMBIEL 1a. parte: Emigração dos suíços de Obwalden ao Brasil em 1881 até a fundação da Colônia Helvetia em 1888

ANTON ("Antonio") AMBIEL

Crédito da imagem: Centro de Memória da Helvetia (ao utilizar a imagem para sua pesquisa, cite a fonte)

Na  primavera de 1881, a viúva Ana Maria von Zuben Amstalden viajou do Brasil para a Suíça e se encontra com Samen. Como já passara 27 anos no Brasil, sabia contar muito sobre as plantações de café e sobre este distante país do Nono Mundo, de modo que muitas famílias necessitadas, de diversas comunidades, decidiram emigrar para esse promissor e belo país. E, já em maio de 1881, a viúva von Zuben voltava ao Brasil, acompanhada de seus irmãos, o capelão Nicolau Amstalden e Benedito Amstalden, bem como de 11 famílias, abaixo relacionadas e alguns agregados, ao todo 72 pessoas: Fam: Remigius Amstalden, Luis Müller, Luian Imfeld, Franz Herlig, Johann Britsachgi, Joseph von Ah, Joseph Hofstätter, Alois Hug, Peter Fanger, viúva Amstalden e Joseph Ambiel.

Em outubro do mesmo ano, a Fam. Franz Bannwart, de Giswil, tomou o mesmo rumo e, depois de 22 dias de viagem marítima, esse grupo, estando na sua maioria com saúde e noa disposição, chegou ao seu destino: o Sítio Grande, Estação Itupeva, Estado de São Paulo. Depois que todos foram apresentados, um após o outro, ao senhor de escravos Francisco de Queiroz Telles e, sendo finalmente aprovados e aceitos, foram contratados para o trabalho nos cafezais.

No Sítio Grande já se encontravam alguns conterrâneos, que haviam emigrado em 1854 e ainda trabalhavam como colonos, entre eles: Anton von Zuben e família, seu irmão Nicolau von Zuben e família, ambos filhos da já mencionada viúva von Zuben; Peter Wolf, Johann Fanger, Alois Sigrist, Franz Jacober, Peter Ignaz Burch, Joseph Amstalden e outros mais. Conforme relatos desses colonos, depois de amargas experiências e perda de muitos membros das famílias, tanto durante a viagem que, naquele tempo durava 72 dias em um navio a vela, como por doenças provocadas por muitas privações, muitos conseguiram progredir pelo trabalho e tenacidade e constituíam um bom exemplo para os recém-chegados. Para estes, a vida era também de muito trabalho, economia e renúncia, e só com muitas dificuldades lhe foi possível acostumar-se às novas condições de clima e alimentação. Não poucas vezes aconteceram que até homens ainda jovens, se viram obrigados a ficar acamados durante meses, vítimas de disenterias e febres. Mas, principalmente as pessoas mais idosas e as crianças sucumbiam à falta de alimentação costumeira, como leite, pão e batatas, não aceitando a alimentação à base de feijão, batata-doce e mandioca. Além disso, as casas muito simples, de chão batido, com quadro paredes laterais e um telhado, eram insalubres.

Esse primeiro ano se caracterizou pelas fortes e constantes chuvas, fato que não se repetiu no futuro. Choveu quase ininterruptamente durante quase dois meses, o que provocou a paralisação de todo transporte por estrada de ferro e causou grandes prejuízos. (chuva de 1854)

Contudo, ao trabalho, todos já tinham sido acostumados na Suíça. Agora era preciso acostumar-se também às outras circunstâncias.
O Revmo. Capelão Amstalden morava numa simples casa da fazenda, onde foi instalada a capela. Ele atuava como esforçado pastor das almas entre seus amigos, parentes e demais colonos. Ele incentivava os colonos para a paciência e a constância. A muitos pais de família ele soube dar seu apoio, ajudando-os com conselhos e ações em suas necessidades. Muitas vezes também ele intervinha como juiz de paz nas desavenças dos colonos. Além de suas funções sacerdotais e visita a doentes, ele trabalhava ativamente na roça. Plantava batatas, milho, feijão e outras coisas mais. Mais tarde, ele criou gado e porcos para, dessa maneira, não depender financeiramente do fazendeiro e dos colonos.

O primeiro ano passou, pois, no meio de grandes dificuldades e, entre os colonos havia alguns que desejavam voltar para a Suíça. No segundo ano a situação melhorou um pouco, principalmente a questão da saúde. Já havia colheitas e o leite necessário, pela aquisição de cabras e vacas. Também pelo trabalho e constância, os colonos conseguiram crédito e assim, aos poucos, tudo melhorava. O trabalho compensava, embora enormes economias nas pequenas famílias fosses reduzidas. Trabalhava-se com vontade e satisfação durante toda a semana e, aos domingos e dias santificados, participava-se com alegria dos atos religiosos. Às vezes eram programadas pequenas festas familiares, como por exemplo, nos dias de São João, São Pedro, no carnaval e outros mais, quando a comunidade se reunia em ambiente de paz, harmonia, alegria e amor. Não faltava música, pois sempre havia alguns que a apreciavam, destacando-se os irmãos Bannwart, que ficaram famosos como músicos.

As despesas das festas familiares raramente ultrapassaram a importância de 10$000 (dez mim réis) e eram divididas por todos os colonos participantes. Pouco oportuna e, portanto, devia ser evitada, era a presença de jovens brasileiros que vinham cobiçosos à procura de namoradas.

O jogo de bolão (boliche) foi o primeiro a ser introduzido e a ele eram dedicadas as tardes de domingo.

Em 1885 celebrou-se pela primeira vez a festa de tiro ao alvo e, como não havia armas nem munição, airava-se com arco e flecha. As prendas obtidas valiam 35$000 e 32 homens participavam da competição. Arnold Bannwart conseguiu o 1o. prêmio, no valor de 3$000. Neste ano foi fundada a Sociedade de Tiro Helvetia que, nestes últimos 13 anos, esteve sempre sob orientação dos irmãos Ambiel, Bannwart e Amstalden.

Em 1886 foi utilizada pela primeira vez a espingarda de caça com balas, numa distância de 100 m. Um cortejo festivo de atiradores caminhou durante uma hora da Colônia São Francisco até a capela da casa de Sítio Grande, onde foi celebrada uma cerimônia religiosa festiva, em homenagem a São Sebastião.

Aproximadamente 100 pessoas participaram desta festa e o total das despesas foi de 63$900, havendo ainda contribuições no valor de 65$000. Em 1887 foram construídos dois stands que foram utilizados durante 4 anos. Na mesma ocasião José Amstalden trouxe a primeira bandeira da Suíça para a Sociedade de Tiro e também os primeiros instrumentos musicais.

E1885 chegaram à Côlonia Johann e Benedikt Zumstein.

E1887, Joseph Amstalden, tendo ficado viúvo, recebeu do ser Queiroz Telles a incumbência de recrutar novas famílias na Suíça. Assim, em julho desse ano, ele trouxe para o Brasil 8 famílias de Giswil: Fam. Joseph Amgarten, Anton Ming, Johann Halter, Joahh Degelo, Alois Degelo, Alois von Ah, Anton Enz e a viúva Amgarten e mais alguns solteiros, como os irmãos Piuz e Ignaz Amstalden, ao todo 68 pessoas. Todos esses imigrantes foram muito bem aceitos pelo dono das terras e tiveram dificuldades menores que os seus antecessores, os quais lhes transmitiram experiência e orientação.

Nesta época a comunidade suíça, constituída de 25 famílias de Obwalden, que eram motivo de orgulho e fama do patrão e de inveja de muitos outros fazendeiros, atingiu seu apogeu.

Este foi o bom tempo em que a comunidade viveu sem grandes preocupações, estando todos satisfeitos com o seu patrão e, muito mais, este com seus colonos; e não se podia imaginar que, já no ano seguinte, a colônia suíça seria dissolvida, assunto ao qual voltarei mais tarde.

E1881, 1885 e 1887 muitas famílias de Obwalden seguiram para Casa Branca e Jaú, mas a maioria delas voltou anos depois para ficar em Helvetia e suas proximidades.

Como também é dever do cristão lembrar-se dos seus mortos, pedimos que Deus dê o descanso eterno a todos que morreram desde o início até 1889 e que conosco participaram das alegrias e lutas. Em 1883 morreu a sra. Amstalden Rotamkãnã e Joseph von Ah, de Sachseln, aos 63 anos; em 1887, o jovem Joseph Amstalden Remigis, aos 18 anos; em 1887 Anton Enz, de Giswil, aos 62 anos; em 1889, Remigius Amstalden, aos 65 anos, que havia regressado à Suíça e faleceram também algumas crianças inocentes.

Como alguns assuntos como: valor do dinheiro, salários, etc., possam talvez ser de interesse dos descendentes futuramente, relacionamos alguns dados: de 1881 até 1890 o valor do franco suíço se manteve de 380 a 480 réis. 1$000 (um mil réis) valia 2,50 francos.

1 saco de farinha de 45 kg........................................................................8$500
1 saco de arroz de 45 kg........................................................................ 10$500
1 saco de açúcar mascavo de 60 kg .......................................................10-12$000
1 caixa de petróleo (querosene) 36 litros ................................................... 10$000
1 arroba (15 quilos) carne bovina...............................................................5$000
Porco gordo (capado) por arroba........................................................  4,5 - 5$000
1 dúzia de ovos ............................................................................280/380 réis
1 alqueire de batatas........................................................................ 1-2,5$000
1 alqueire de feijão.........................................................................1,5 - 4$000
1 alqueire de milho .................................................................. 800 réis - 2$000
1 lata de mel de abelha (18 litros) ............................................................ 4$000
1 quilo de cera ........................................................................800 réis - 1$000
1 bom cavalo de montaria ...............................................................100-120$000
1 vaca leiteira................................................................................ 60-80$000
1 dia de salário ..................................................................................800 réis
1 salário mensal............................................................................. 8 - 10$000
Tecidos e artigos de ferro eram muito baratos

Durante 5 anos ganhava-se 640 réis por aquele alqueire de café colhido mas nada se ganhava para carpir café. Em 1887 eram pagos 600 réis e a partir dessa data, às vezes eram pagos 10$000 para carpir uma vez um cafezal de 1000 pés a 300 réis pela colheita de 50 litros.

Na prestação de contas, em fevereiro de 1888, novamente o Sr. Chico Telles queria pagar somente 600 réis, declarando que, se não tivesse acordo, ele demitiria todos os colonos suíços, substituindo-os por imigrantes italianos, aos quais fora aberta a imigração para o Brasil e que se contentavam com salários mais baixos e eram menos exigentes que os suíços.

Ficou claro, com base em anotações e cálculos que famílias fortes como a dos Ambiel e Bannwart não ganhavam durante  uma ano mais do que 60$000 a 70$000, na manutenção de 10 a 12000 pés de café. manteve-se, portanto, a exigência de melhores preços. O patrão erra irredutível em sua arbitrariedade e não reconhecia os  direitos dos colonos e, assim, depois de amadurecida reflexão e alguma especulação, 5 famílias se demitiram e, desse modo, se deu início a dissolução da comunidade.

Durante o período em referência, de 1881 a 1888, a escravidão ainda florescia no Brasil e, não raras vezes acontecia que os suíços eram testemunhas do tratamento desumano que se dava aos pobres negros. Só depois de conhecer o costume dos brasileiros foi possível interceder junto ao senhor de escravos e conseguir o perdão dos castigos. A muitos escravos foi possível ajudar, também dando-lhes alimentos.

Em 1883 foi assassinado Nicolau Burch, feitor do  Sr. Queiroz Telles, com duas facadas, por um negro. O assassino em fuga, foi morto a tiros.






FIM DA PRIMEIRA PARTE
                                                        (esta crônica de Anton Ambiel, continua na PARTE 2 ).


Fonte: Memórias - 150 anos de Anton Ambiel, livro cedido generosamente pela descendente Cléci Ildith Ambiel Noemberg.

O livro citado foi elaborado pela seguinte equipe de trabalho:
Antonio César Ferreira de Camargo Ambiel
Benta Célia Teixeira de Camargo
Cássia Veniti Ratti Zumstein
Célia Regina Wolf Antonioli
Clemes M.J. Ambiel Baptista Alves
Lisiane Maria Bannwart Ambiel
Luiz Antonio Ambiel
Luiz Tarcízio Zumstein
Maria de Lourdes Baraldi
Rubens Galdino Ferreira de Carvalho Filho

Com a colaboração de:
Arnold Albert Heuberger
Gabriel Ambiel Faccioli
Henrique Steve
Maria Alvina Krähenbühl
Sandra Zumstein.

Anton Ambiel nasceu em 1862 e faleceu m 1928. Consultando jornais da época em que viveu, achei referências à ele como sendo o "diretor e gerente" da colônia Helvetia, referindo-se ao importante papel que ele exerceu como líder político e comunitário. As crônicas que ele deixou (entre elas a que está acima) é de valor imensurável enquanto documento primário do período histórico da imigração ocorrida para o Brasil na segunda metade do século 19, representando também valioso testemunho do regime de colonato, sem contar a emoção contida no sensível trato aos antepassados.

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