terça-feira, 1 de agosto de 2017

PROFESSORES CONTRA O ESCOLA SEM PARTIDO

Leia a dissertação de mestrado da professora Fernanda Moura, ““Escola Sem Partido”: relações entre Estado, Educação e Religião e os impactos no ensino de História”,  aqui

_______________________________________________________________



14 perguntas e respostas sobre o Escola Sem Partido

Existe doutrinação em sala de aula? Criar leis para regular o ensino e processar professores resolve? Tire suas dúvidas sobre as propostas do movimento
Salvar


A Educação brasileira tem dezenas de problemas graves, complexos e bem conhecidos. Nos últimos meses, o movimento Escola Sem Partido (ESP) ganhou força e visibilidade com o argumento de que essa lista precisa crescer. Para o grupo, a militância político-partidária dos professores e discussões sobre sexualidade e gênero estão entre as questões mais sérias e urgentes da Educação no Brasil.
Para resolvê-las, o movimento, fundado pelo advogado e procurador do Estado de São Paulo Miguel Nagib, propõe três soluções: divulgar testemunhos de alunos que teriam sido vítimas desses educadores, estimular leis contra o abuso na liberdade de ensinar e enviar notificações extrajudiciais ameaçando com processos professores que adotarem determinadas condutas em sala de aula. Nos últimos meses, os debates sobre gênero foram os alvos dessas notificações.
No dia 18 de julho, o Senado Federal abriu uma consulta pública sobre o projeto de lei 193, de 2016, de autoria do senador Magno Malta, que visa incluir o Programa Escola Sem Partido nas diretrizes e bases da Educação Nacional. A pesquisa quer saber se os brasileiros são a favor ou contra a iniciativa. Apesar de não ter força legal, a consulta pode influenciar politicamente os senadores.
Claro que a doutrinação - palavra que remete à pregação - é algo inadequado em qualquer aula. A pluralidade de visões e o questionamento de cada uma delas é o caminho mais fértil para levar os alunos a pensar por conta própria, como discute a reportagem de capa de NOVA ESCOLA de junho/julho de 2016. Mas o problema é tão grave quanto o Escola Sem Partido alega? Ele seria realmente urgente e grande a ponto de levar a escola para o tribunal? Ele deveria ser o foco das discussões públicas sobre Educação nesse momento? Quais são as consequências dentro da sala de aula?
Em busca de algumas respostas, pesquisamos evidências para entender o assunto. O resultado está na lista de perguntas e respostas abaixo, coletada em livros, pesquisas e conversas com professores e gestores. Se você tiver mais alguma dúvida ou contribuição ao debate, NOVA ESCOLA está aberta. O debate livre, sem amarras, é a melhor forma de avançar. 


1. A doutrinação é um problema grave?

A doutrinação em si é errada sempre. A questão é saber se esse é um problema amplamente disseminado pelo país ou se é uma questão pontual em algumas escolas. Hoje, é impossível saber o quão grave e disseminada é a doutrinação.

O projeto se baseia em relatos esparsos e em uma pesquisa de 2008 encomendada pela revista Veja ao Instituto CNT/Sensus. A reportagem não detalha a metodologia do levantamento ou a margem de erro. Apenas diz que são 3 mil entrevistados. Na sondagem, estudantes mencionam citações predominantemente favoráveis em sala a figuras como Lênin, Che Guevara e Hugo Chávez.
É muito pouco para configurar uma tendência. Como faltam estudos sistemáticos sobre o tema, não é possível saber se os resultados seriam os mesmos se fossem aferidos hoje ou se outro levantamento chegaria às mesmas conclusões. Também há outras lacunas. Qual seria o resultado se o foco fosse a presença religiosa nas escolas?
Restam, ainda, os relatos pessoais de quem presenciou alguma doutrinação. Embora o Escola Sem Partido diga receber numerosas denúncias, o site do movimento registra somente 33. O Brasil possui mais de 45 milhões de estudantes. É preciso ter dados mais sólidos para separar casos isolados de tendências e, também, para ter uma visão mais clara sobre se, onde e em quais situações o problema acontece. 


2. A doutrinação esquerdista apontada pelo ESP está de fato acontecendo?

Não há qualquer comprovação. Ao contrário: uma pesquisa do Instituto Datafolha, realizada em 2014, mostra que há mais brasileiros afinados com ideias defendidas pela direita (45%) do que à esquerda (35%) em temas relativos a comportamento, valores e economia. Em relação a anos anteriores, há um avanço da direita e um recuo da esquerda.

3. Qual é o poder dos professores sobre os alunos? 
Para o Escola Sem Partido, o poder dos docentes sobre os alunos é imenso. A ideia é que o estudante estaria "submetido à autoridade do professor" e que educadores doutrinadores seriam "abusadores de crianças e adolescentes". A imagem de jovens passivos não encontra paralelo com a realidade das escolas brasileiras. Eles são questionadores e não aceitam facilmente o que se diz. Exemplo desse protagonismo é a recente onda de ocupações em escolas públicas de Ensino Médio lideradas por estudantes.

Ao conceber crianças e jovens manipuláveis, o ESP se inspira em modelos teóricos ultrapassados há pelo menos 50 anos. Desde a década de 1960, pesquisasmostram que as pessoas, mesmo as mais jovens, escutam uma mensagem e refletem sobre o significado dela. Podem aceitá-la ou não, após cruzarem o que ouvem com influências da família, de outros professores, de amigos, da mídia, na Igreja e em outros grupos sociais dos quais participam.
Outro equívoco é atribuir uma força imensa à escola na formação do pensamento das pessoas.Estudos indicam que, na sociedade atual, a escola perdeu força diante de outros grupos e instituições. As pessoas se formam em cursos livres, debates abertos, igrejas, empresas, movimentos sociais. As visões de mundo divulgadas por cada uma dessas entidades podem ser diferentes, contraditórias e até concorrentes. Aliás, quem nunca se viu soterrado com um mundo de informações contraditórias, sem saber o que pensar sobre um assunto?  


4. Os professores formam um "exército de militantes"?

Esse argumento é frágil, baseado em apenas uma pesquisa de opinião e, ainda assim, dependente de uma associação controversa de ideias. O Escola Sem Partido se refere aos educadores brasileiros como um "exército organizado de militantes travestidos" amparado napesquisa de 2008, encomendada pela revista Veja ao Instituto CNT/Sensus. Na sondagem, 78% dos professores dizem que a principal função da escola é "formar cidadãos". Para o ESP, isso equivale a "apenas e tão somente martelar ideias de esquerda na cabeça dos estudantes".

Tal definição não se enquadra nos múltiplos significados dos termos formação e cidadania. OsParâmetros Curriculares Nacionais (PCN), por exemplo, dizem que cidadania deve ser compreendida como "participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais". Sua adoção no dia a dia se exprime em "atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito". Isso se aplica tanto a um militante quanto a um diretor de uma grande empresa.
Até o momento, as medições sobre filiação a partidos políticos não confirmam a tese do ESP. O IBGE realizou dois levantamentos sobre o tema. Ambos são bem antigos, de 1988 e 1996. Na primeira, 10% dos professores da Educação Básica dizem ser filiados a partidos. Era um índice superior à média brasileira (4%), mas, ainda assim, muito distante de ser um exército. A julgar pela pulverização partidária, também é improvável que os professores estejam concentrados numa única legenda.
Dados mais recentes do Tribunal Superior Eleitoral (maio de 2016) sobre a população brasileira indicam que o partido campeão de filiados é o PMDB (15,6% do total), seguido de PT (10,3%) e PSDB (8,9%). 


5. O Escola Sem Partido é apartidário? 

O site do movimento o apresenta como "apartidário" e diz que "não defende e não promove nenhum tópico da agenda liberal, conservadora ou tradicionalista. Logo, não é de direita". Mas os apoiadores do movimento vêm quase exclusivamente desse espectro. O Movimento Brasil Livre (MBL), um dos protagonistas dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff e autodefinido como "liberal e republicano", elegeu o Escola Sem Partido como um dos tópicos da lista de dez reivindicações em sua marcha ao Congresso Nacional no ano passado.

Já o Revoltados Online ("iniciativa popular de combate aos corruPTos do poder", como informa a fanpage da organização), foi responsável por articular o encontro de dois de seus representantes - um deles era o ator Alexandre Frota - com o ministro da Educação, Mendonça Filho.
Levantamento de NOVA ESCOLA revela que a estratégia de levar a questão para Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e para o Congresso tem aproximado o movimento de agremiações de direita e de centro.
 
São desse perfil a maioria dos 19 deputados federais, estaduais ou vereadores (de capitais) que propõem projetos de lei baseados no Escola Sem Partido (veja o gráfico abaixo). O PSC, partido com forte representação na bancada evangélica, é o primeiro em proponentes (5), seguido por siglas mais centristas, como PMDB e PSDB (4 cada). De qualquer forma, é preciso sempre tomar cuidado. O sistema de partidos no Brasil não reflete necessariamente a visão de mundo presente no programa da sigla.
Por isso, um dado mais relevante é a vinculação religiosa: 11 dos 19 proponentes de projetos inspirados pelo ESP são ligados a alguma igreja. Uma visita por páginas dos parlamentares na internet indica que a defesa da família e dos valores cristãos é a plataforma de atuação mais citada. 


6. As propostas do movimento defendem a pluralidade no ensino?

Nem todas. Uma das principais ações contradiz esse princípio. O modelo de notificação extrajudicial, que ameaça processar educadores que discutirem sexualidade e gênero, se sustenta no direito de as famílias escolherem as ideias com que as crianças terão contato na escola. Muitos pais, por convicções religiosas, são contra esse debate nas aulas e o movimento invoca a Convenção Americana sobre Direitos Humanos para sustentar o direito dos pais a que seus filhos recebam "a Educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções".

Esse tipo de tratado internacional não está acima da Constituição brasileira, que atesta que o Estado é laico (ou seja, não deve sofrer influência de igrejas). Como reforço, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) também veda qualquer forma de proselitismo (esforço para converter pessoas) e o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADI 4.439, que defende que essa área em escolas públicas só pode ser de natureza não confessional (ou seja, não pode ser relativa a crenças religiosas) e expor as doutrinas, a história, as dimensões sociais das diferentes religiões e também de posições não religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo.
Além disso, essas notificações extrajudiciais podem criar sérios problemas. Por exemplo, em uma família criacionista, os pais acreditam que o mundo foi criado tal como descrito no livro bíblico do Gênesis. Eles podem questionar na justiça o professor de Biologia porque ele ensina o conceito de evolução das espécies? Outro ponto, levando para o outro oposto. Uma família de esquerda pode levar um professor de História de direita à justiça caso ele ensine algo sobre a Revolução Russa que vá contra os seus princípios? São questões em aberto.
7. É correto impedir a discussão de gênero, como quer o ESP?
Esse não é o caminho escolhido por países em que as crianças têm alto desempenho. A Unesco, braço da ONU para Educação, ciência e cultura, reconhece a Educação para a Sexualidade como uma abordagem culturalmente relevante para ensinar sobre sexo e relacionamento de uma forma "cientificamente precisa, realista e sem julgamentos". E o currículo de vários países vai nessa direção. Nos Estados Unidos, a Educação sexual data da virada do século 19. Na Suécia e na Nova Zelândia, ela começa aos 7 anos. Na Finlândia, é incorporada em diversas disciplinas. A província de Ontario, no Canadá, adotou um novo currículo para o Ensino Médio em que se fala de relacionamento do mesmo sexo e identidade de gênero. E a França lançou em 2013 um programa contra o estereótipo de gênero nas escolas.

Além disso, a justificativa para interditar o debate é cientificamente questionável. Diz um dos itens do modelo de notificação extrajudicial, que ameaça processar educadores que abordarem questões de gênero: o professor não pode "imiscuir-se, direta ou indiretamente, na orientação sexual dos alunos". Não há base em pesquisa para afirmar que a orientação sexual seja influenciável por alguém.
É provável que essa definição se dê pela interação entre fatores biológicos (predisposição genética, níveis hormonais) e ambientais (experiências ao longo da vida), como explica a reportagem de NOVA ESCOLA Educação Sexual: Precisamos Falar sobre Romeo. 


8. Discutir diversidade cultural pode levar à doutrinação?

O risco existe, mas a tendência mundial, de novo, é fortalecer o debate sobre esse tema. NaDeclaração Universal sobre a Diversidade Cultural, a Unesco estimula os países signatários (como o Brasil) a "promover, por meio da Educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas escolares como a formação dos docentes". Sistemas de conhecimento tradicionais, sobretudo das populações autóctones (naturais de um território, como os indígenas brasileiros), devem ter atenção especial.

Para Bráulio Porto de Matos, vice-presidente do Escola Sem Partido e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), o currículo beneficia interesses de movimentos sociais. Para ele, o "problema se torna ainda mais candente" na segunda versão da Base Nacional Curricular Comum Curricular (BNCC).
No documento, os temas transversais, que tratam de conceitos e valores básicos de cidadania, que devem ser trabalhados em todas as disciplinas, são substituídos por temas especiais, o que, na opinião de Matos, representa uma dificuldade extra. "Fica mais evidente a orientação política mais estreita dos temas especiais", disse, em audiência na Comissão de Educação da Câmara. Para ele, mudar a expressão de ‘pluralidade cultural’ para ‘estudos indígenas e africanos’ é um problema sério de doutrinação.
Em países como a Noruega, a inclusão da diversidade cultural na escola é vista como uma conquista do respeito às raízes da história local. A parte norte do território do país é ocupada pelo povo sami, originário da Escandinávia. A cultura, as tradições e a língua dos sami são objeto de estudo em toda a escolarização básica e constam como tópico obrigatório do currículo nacional. Na Nova Zelândia acontece a mesma coisa.
Obviamente, ninguém é a favor de tirar Revolução Francesa das escolas brasileiras. Mas é preciso aumentar o ensino sobre a herança indígena e africana no país. Poucas pessoas saem das escolas sabendo, por exemplo, que até meados do século 19 se falava uma mistura de línguas indígenas e de português em São Paulo. Sem entender isso, dificilmente alguém vai compreender por que tantos bairros da cidade têm nomes em tupi-guarani (Pirituba, Jaraguá) ou o significado do nome de grandes empresas (a palavra Itaú significa pedra preta, por exemplo). 


9. É justo que a Base Nacional passe pela aprovação do Congresso, como defende o Escola Sem Partido? 

Não. Para votar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Congresso, é necessário mudar o que está no Plano Nacional de Educação (PNE), que já foi votado e aprovado pelo próprio Congresso. O ESP apoia essa ideia porque, com um parlamento marcadamente conservador, há chances de essa alteração emplacar uma parte da agenda do grupo.

Além de colocar em risco um projeto urgente para o país, o Projeto de Lei que pede a mudançadiz que: "É temerário que somente o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação sejam responsáveis pela elaboração e aprovação da Base." A afirmação é equivocada.
A BNCC é fruto de um longo trabalho que envolve mais de 130 especialistas de diversas universidades, duas versões preliminares para avaliação pública, 12 milhões de sugestões no processo de consulta aberto em 2015 e debates com educadores em conferências estaduais. Todos foram ouvidos. 


10. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista? 

O Escola Sem Partido não define, em nenhum momento, o que entende por marxismo. O termo é controverso e pode designar muitas coisas, como apontam os italianos Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino no clássico Dicionário de Política: "Identificam-se diversas formas de marxismo, quer com base nas diferentes interpretações do pensamento dos dois fundadores [Marx e Engels] quer com base nos juízos de valor com que se pretende distinguir o marxismo que se aceita do marxismo que se rejeita: por exemplo, o marxismo da Segunda e da Terceira Internacional, o marxismo revisionista e ortodoxo, vulgar, duro, dogmático etc."

Nas ciências humanas, o pensamento de Karl Marx é considerado um dos mais influentes do século 20. Conceitos como o de classe social ajudam até hoje a produzir análises econômicas, históricas e culturais. Faz sentido estudá-lo (o que não significa, necessariamente, adotá-lo), como reconhecem mesmo seus críticos. Há várias pessoas que estudam Marx a fundo que não aceitam suas ideias. Raymond Aron, um dos maiores intelectuais franceses do século 20, é uma delas. Da mesma maneira, estudar Adam Smith, um dos pais do liberalismo econômico, não equivale a fazer doutrinação liberal.
11. Ok, mas o marxismo domina as universidades e a formação de professores?
As evidências apontam o contrário. O marxismo é, hoje, uma corrente "estrangulada" na academia, como indica o historiador Diego Martins Dória Paulo no artigo O refluxo de uma tradição: o marxismo, o ensino de História e a ditadura empresarial-militar (1964-1975).

No curso de Pedagogia, a questão foi investigada por Susana Vasconcelos Jiménez, Laurinete Paiva Gonçalves e Luis Adriano Soares Barbosa no artigo O lugar do marxismo na formação do educador. Pegando o exemplo da graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), os autores constatam uma "presença rarefeita" do marxismo. Analisando os programas de uma amostra de 12 das 52 disciplinas (as que abordavam fundamentos da Educação e que teriam mais chance de contar com a influência marxista), os pesquisadores concluem que apenas uma apoia-se claramente nos conceitos de Marx. O pensador alemão aparece em outras sete, mas ao lado de clássicos como Platão, Aristóteles, Descartes, Rousseau, Adorno e Horkheimer. 


12. Há base para dizer que Paulo Freire faz "proselitismo ideológico" e "doutrinação marxista"?

Não. Essa é uma leitura distorcida da obra dele. Para o Escola Sem Partido, Paulo Freire vê o trabalho de ensinar "como uma simples modalidade de proselitismo ideológico ao qual ele dá o nome de ‘conscientização’ dos alunos".

Em sua acepção original, "proselitismo" é um esforço para converter pessoas para alguma causa ou religião. O conceito de "conscientização", conforme utilizado por Freire, é o oposto disso: "Ao ouvir pela primeira vez a palavra percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a Educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade", explica ele no livro Conscientização - Teoria e Prática. Em diversos momentos, Freire combateu o proselitismo - fosse o da Igreja ou o da Educação.
Outra crítica que o ESP subscreve é quanto à suposta "doutrinação marxista" de Freire. Trata-se de leitura distorcida, como opina Fernando José de Almeida na biografia Paulo Freire. "Ele faz constantes citações de Karl Marx, Mao e Guevara, como idealistas e inspiradores, e busca na dialética marxista fundamentos de um pensar e agir transformador. Mas isso em nada ameaça o firme bloco ideológico de seu pensamento: o pacifismo e um socialismo não radical nem violento - à época, muito abominado por alguns setores da esquerda", escreve.
A importância da produção do patrono da Educação brasileira foi reconhecida mundo afora. Livros de Freire foram traduzidos para mais de 20 línguas, rendendo-lhe o título de doutor honoris causa em 41 universidades, incluindo Oxford, Harvard e Cambridge. Mais uma vez, estudar Paulo Freire não significa endossar todas as suas afirmações nem suas premissas. Há milhares de pessoas formadas por professores inspirados por Freire que nunca se tornaram socialistas. 


13. O Escola Sem Partido propõe judicializar a Educação. Processar professores resolve?

Não é racional nem eficiente mover a já sobrecarregada máquina do Judiciário (sâo 70 milhões de processos!) para solucionar questões que as pessoas podem resolver entre si. Uma saída educativa deve seguir pela rota do diálogo. Se há suspeita de doutrinação, a primeira coisa a fazer é uma conversa franca entre professor, aluno e pais, se for o caso. Isso é bom para todo mundo. Persistindo o problema, os gestores escolares podem ser acionados. Se necessário, há ainda as ouvidorias das secretarias de Educação.

14. Faz sentido ter essa discussão? 
Nas ditaduras, os debates são sufocados. Nas democracias, eles são acolhidos e estimulados - sem restrição. Se um grupo de pessoas acha importante levantar uma discussão e defender os seus pontos, ele tem todo o direito de fazer isso. Certamente o Escola Sem Partido tem suas razões, e ignorá-lo ou desprezá-lo não é o melhor caminho. Nossa opção é pelo debate desarmado, focado em ideias e evidências.
Além disso, o debate sobre a iniciativa tem levantado vários pontos relevantes sobre a participação dos pais na escola, sobre a responsabilidade dos professores e sobre a autonomia dos alunos. Para manter esse canal aberto, a melhor forma é aumentar o diálogo, e não restringi-lo.

  Por: Rodrigo Ratier originalmente publicado aqui





Que se registre para sempre a posição de resistência dos professores de História da Universidade de Brasília neste Estado de Exceção instalado com o Golpe de 2016 e, que a partir de então, vem trazendo, além do que está citado no texto, um profundo esvaziamento das discussões intelectuais causado, entre outros motivos, pela desvalorização da ciência em múltiplos aspectos.


______________________________________________________________________


REPOSITÓRIO DE DOCUMENTOS AFINS

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota do Comitê do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica sobre corte de bolsas do CNPq
02/08/201
O Comitê do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reunido em sessão de 2 de agosto de 2017, vem a público expressar indignação com as notícias veiculadas em relação aos cortes no orçamento do CNPq e à suspensão do pagamento de bolsas de estudo. O programa de bolsas de iniciação científica e tecnológica é uma iniciativa única no mundo na formação de alunos de graduação, preparando gerações de pesquisadores e contribuindo para a soberania nacional. Os estudantes beneficiários têm a oportunidade de obter treinamento avançado em laboratórios de pesquisa, preparo para carreiras inovadoras, e inserção na Pós-Graduação.

Existente desde a fundação do CNPq, em 1951, o Programa de Iniciação Científica é um patrimônio da comunidade científica e de toda sociedade brasileira. Este Programa  nunca sofreu descontinuidade mesmo em momentos mais graves de crise econômica e durante governos de diferentes matizes ideológicas.

Em um momento em que nos deparamos com cortes já concretizados na CAPES, FAPERJ e outros órgãos de fomento, estas notícias causam enorme preocupação em relação à continuidade do PIBIC, uma vez que o CNPq é responsável pela concessão de 50% das bolsas de Iniciação Científica (IC) e Iniciação Tecnológica (IT) na UFRJ.

Avaliamos que há um projeto político em curso, que se concretiza em um ataque e desmonte da Ciência e da universidade pública no Brasil, que acarretará prejuízos inestimáveis para toda a sociedade.

Repudiamos os cortes anunciados no orçamento do CNPq, compreendendo que estes inviabilizam a existência da própria 
agência e o futuro do país.



-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Nota de repúdio ao vídeo de escola militarizada em Manaus: “escola sem partido” para quem?

 em 


O Professores Contra o Escola Sem Partido vem a público manifestar-se urgentemente em repúdio ao vídeo divulgado pelo deputado federal Jair Bolsonaro e discutido hoje em notícias d’O Globo e Folha de SP. O vídeo mostra alunos e alunas do 3º ano de uma escola pública de Manaus, gerida pela Polícia Militar, enfileirados, falando em coro: “Convidamos Bolsonaro, salvação dessa nação, para participar de sua cerimônia de formatura”. O vídeo foi divulgado no canal de deputado do YouTube e acompanhado por um comentário do mesmo onde diz que as cenas são “um exemplo de ensino” que todas as escolas deveriam seguir.
Bolsonaro repetidamente afirma que o “escola sem partido” é sua pauta prioritária para a educação. Seus filhos, Carlos, Flávio e Eduardo, são proponentes de projetos ESP em esferas legislativas variadas e fazem aparições frequentes em audiências públicas sobre o assunto. O que acontece agora só deixa ainda mais explícita a seletividade da perseguição feita pelo movimento “escola sem partido” e seus apoiadores no legislativo brasileiro. Como dizemos há anos, as demandas do movimento e seus entusiastas não se tratam de uma luta por uma boa educação, mas de uma instrumentalização das discussões educacionais para reagir contra mudanças necessárias à democratização da sociedade: a conquista de direitos de mulheres, LGBTs, e pessoas negras de discutir a sua cultura; o reconhecimento e superação de resquícios do regime autoritário que vivemos no passado, dentre outros.
As imagens de alunos de uma escola pública, em formação militar, saudando uma figura pública como “salvador de uma nação”, figura essa que é notória por seus incontáveis pronunciamentos preconceituosos e violentos – dentre os quais apologia à tortura em sessão parlamentar transmitida nacionalmente e um atestado de misoginia quando se dirigiu a uma deputada afirmando que “não ia estuprar você porque você não merece”, num contexto onde temos 13 feminicídios por dia cometidos majoritariamente por companheiros das vítimas – são perturbadoras. No vídeo vemos um slogan da escola ser entoado pelos alunos: “Disciplina, honra, educação Brasil”. É impossível não lembrar da expressão tradicional nas aulas de história sobre certos acontecimentos do século passado: “culto à personalidade”.
O movimento “escola sem partido” age perseguindo professoras que discutem gênero dizendo que são “doutrinadoras” e “violam os direitos da família”; persegue quem discute cidadania, igualdade social, dizendo que isso não é papel da escola; afirma que discutir as notícias atuais é “doutrinação”, acusando de “ideológico” ou “partidário” qualquer tentativa de fazer uma educação democrática que busque a desalienação dos alunos e alunas do mundo. E frente a esse absurdo, o que um dos grandes defensores do movimento no Congresso Federal considera uma boa educação? Um tipo de colégio preconceituoso, que cobra mensalidades, cobra taxas, faz pré-seleção de alunos, viola o princípio de uma educação pública gratuita e para todos. Desde que começaram a surgir no país escolas públicas geridas pela Polícia Militar, numerosas matérias e notícias de jornais expõem um processo antidemocrático de tornar essas escolas elitizadas, deixando de lado aqueles e aquelas que realmente mais precisam de um bom ensino público.
Jair Bolsonaro (PSC) é um dos principais políticos defensores do “escola sem partido” no Brasil. Seu filho e deputado estadual no Rio, Flavio Bolsonaro (PSC), foi quem apresentou o primeiro projeto ESP no país. O seu partido, Partido Social Cristão, é o que mais apresenta projetos ESP em números absolutos no legislativo brasileiro. Agora, mais do que nunca, perguntamos: “escola sem partido” pra quem?
Fontes:


-----------------------------------------------------------------------------------------------------

Nota de Repúdio - ADUNIFESP - 11/08/2017


Manifestamos nosso mais profundo repúdio ao que ocorreu na Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, na noite de 11 de agosto de 2017, durante a Audiência Pública convocada pelo Conselho Estadual da Condição Humana para discutir o texto do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo.

Desde às 18h o campus foi ocupado por policiais, muitos fardados e inicialmente armados (foi exigido que guardassem as armas). A calçada do portão principal ficou abarrotada de viaturas da Polícia Militar. A comunidade acadêmica que ali se encontrava para as atividades diárias tinha pouca informação a respeito e ficou estarrecida quando soube que se tratava de uma audiência em que seriam definidos os rumos da educação em direitos humanos e, mais ainda, quando compreendeu que os policiais militares (que a esta altura chegavam a quase cem) defendiam a proposta de eliminar conteúdos fundamentais à educação pública. Estes bradavam por “direitos humanos aos humanos direitos”, “mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução de 1964”, “retirar a discussão de gênero nas escolas”, etc.

Professores, técnicos e estudantes que estavam no campus, após tomarem conhecimento do que ocorria, decidiram participar da audiência e foram hostilizados pela tropa, que tentou impedir que votassem, sob o argumento de que não estavam lá desde o início. Houve até gritos de “vagabundos”. Se fazem isso contra quem estava no próprio espaço de trabalho e estudo (muitos descendo da sala de aula), o que não farão com pessoas mais vulneráveis em um país com cerca de treze milhões de desempregados?

Estudantes e professores que se manifestaram pacificamente com cartazes em defesa da Escola Pública e dos Diretos Humanos também foram hostilizados. Ouviram-se frase macabras, como “Depois morre e não sabe o porquê!” ou “Quando precisarem da polícia, chamem o Batman”. Além disso, um grupo de militares e seus apoiadores começou a fazer cartazes com “Bolsonaro 2018”, “Liberdade sem libertinagem”, “Pode confiar #”. Situação preocupante em que os que defendem a “escola sem partido” partidarizam sua atuação portando as vestes e as insígnias de uma corporação militar. Ainda mais lamentável: a alta patente fardada nada fez para controlar seus subordinados que, aliás, quase agrediram fisicamente algumas docentes e estudantes.

Feita a leitura do texto-base do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo, começou a “votação”. O que se viu foi um verdadeiro espetáculo de horror. Depois de perderem uma proposta, militares agrediram verbalmente professores e estudantes, chamando-os – mais uma vez – de “vagabundos”. Nas votações subsequentes, intimidaram-nos fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles. Ao longo da noite, a comunidade acadêmica correu sérios riscos.

Foi aprovada a supressão de qualquer referência a direitos humanos no plano estadual; foi eliminado o item que obrigava o Estado a garantir a permanência e combater a evasão escolar das minorias; foi suprimida a obrigação de formar agentes de segurança pública com base nos princípios dos direitos humanos.

Apesar do temor, a comunidade acadêmica resistiu pacificamente. Externamos nossa forte preocupação com quem pretende, na base do grito, se sobrepor à produção de conhecimentos, à liberdade de pesquisa, à democracia e à autonomia universitária.
A Adunifesp-SSind entende que este ato abusivo e autoritário se insere num movimento maior de ataques à democracia e aos direitos humanos em curso em nosso país. Também o fato de que ele tenha ocorrido dentro da Unifesp escancara o processo de demonização e ataque às Universidades Públicas que é impetrado hoje em dia por setores reacionários da sociedade. 
Por fim, repudiamos veementemente o modo como ocorreu a votação e solicitamos que o Conselho Estadual da Condição Humana desconsidere o resultado desta “consulta”.

Queremos esclarecimentos sobre a utilização do espaço da Universidade Federal de São Paulo para episódios desta natureza. Manifestamos nossa preocupação com a integridade física dos professores, técnicos e estudantes que ali defendiam o ensino público e de qualidade, a escola sem mordaça, a permanência dos direitos humanos como princípio norteador da educação. Exigimos que as chamadas autoridades competentes manifestem posição urgente e clara sobre o ocorrido, especialmente no tocante às relações entre disciplina da tropa e Estado de direito. 

ADUNIFESP - SSind



-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
ATENÇÃO: Projeto "Escola sem Partido" arquivado em Pelotas no dia 30 de agosto de 2017.
Quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro!
Hoje na reunião da CCJ - Comissão de Constituição e Justiça, os vereadores proponentes do Projeto Escola sem Partido solicitaram o arquivamento do projeto.

A enorme pressão social contra este absurdo projeto, o gigantesco número de assinaturas na moção de repúdio ao projeto, as dezenas de cartas que chegaram a câmara e a realização da maior audiência pública da história recente da câmara de vereadores de Pelotas são componentes dessa vitória.
Foram mais de 30 instituições repudiando o projeto de lei. A mobilização trouxe essa vitória. Da nossa parte seguiremos lutando por uma educação de qualidade, plural e democrática.
VITÓRIA DA DEMOCRACIA!
Uma vitória da luta coletiva e da mobilização
_________________________________________________

________________________________________________

Escola Sem Partido ameaça ensino de ciência nas escolas


O movimento Escola Sem Partido pode se tornar um perigoso instrumento para ameaçar o ensino de ciência nas escolas e deve ser repelido. O alerta é da Sociedade Brasileira de Física, que lançou um manifesto, aprovado por seu Conselho e sua Diretoria, em favor de um ensino pleno, sem restrições ao conhecimento ou à liberdade de expressão.
Para a organização de físicos, a suposta tentativa de eliminar posicionamentos ideológicos nas escolas constitui uma ideologia, e uma que lança “um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula”.
De acordo com a manifestação da SBF, o movimento pode levar a situações inaceitáveis em termos educacionais, como restrição ao ensino da teoria da evolução das espécies, à perspectiva de gênero e a temas afins ao multiculturalismo. “O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo?”, subscrevem os físicos.
“Nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.”
A seguir, leia a íntegra do manifesto aprovado pela SBF.
Manifesto em Favor de um Ensino Pleno sem Restrições de Conhecimento ou Liberdade de Expressão



Uma sociedade justa e plenamente desenvolvida é aquela que preza e defende a liberdade de pensamento e de investigação crítica. Para tal, o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo dos séculos, em todas as áreas – ciência, cultura, filosofia, sociedade – e sob as suas mais
variadas vertentes, deve ser apresentado e discutido em todos os distintos níveis de formação de nossos estudantes. Da mesma forma, a sociedade para evoluir precisa também permitir que as fronteiras do conhecimento avancem, com novas indagações podendo ser livremente formuladas e investigadas, e os resultados de tais avanços sendo finalmente disponibilizados a todo cidadão, seja nas instituições de ensino, seja nas instituições de pesquisa, seja no âmbito da sociedade civil.



Na defesa da pluralidade e da liberdade de expressão, a Sociedade Brasileira de Física vê na proposta para a educação básica do movimento Escola Sem Partido (http://www.escolasempartido.org/) um retrocesso a esses ideais de pleno progresso do pensamento humano. Uma ideologia, qualquer que seja sua origem, que lance um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula, colide frontalmente com a possibilidade de franco desenvolvimento intelectual de nossos jovens.



Entre diferentes propostas, o programa Escola sem Partido deseja aprovar um projeto de lei que torna obrigatório a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio um cartaz com seis “Deveres do Professor”. Talvez oportuno lembrar que durante o século XX certos regimes totalitários adotaram esta mesma prática de propaganda coercitiva, principalmente em ambientes frequentados por jovens.



Embora alguns destes itens apresentem ideias corretas, de que o professor não pode, em sala de aula, tentar impor sua visão pessoal dos fatos, outros claramente têm caráter censor, tentando vetar o livre debate de ideias. É fundamental que o professor possa apresentar todos os lados e incentivar diferentes pensamentos, refletindo a diversidade da complexa sociedade à nossa volta. O Escola sem Partido, pelo contrário, propõe que a pedagogia da confiança e do diálogo crítico sejam substituídas pelo estabelecimento de restrições de quais ideias devam ser discutidas. Esta visão de ensino pode levar a uma parcialidade extremamente negativa para a sociedade como um todo.

Infelizmente, projetos de lei restritivos e pouco democráticos vem sendo propostos, alguns já aprovados, nas câmaras municipais, estaduais e federal. Por exemplo, o projeto de lei federal
(http://www.programaescolasempartido.org/pl-federal) propõe a criação um canal de denúncia direto entre os alunos e as Secretarias de Educação, que receberia denúncias anônimas e as passaria para o Ministério Público. Inúmeros casos de denúncia e processo contra professores da rede básica vem acontecendo pelo país. É fundamental que alunos e pais tenham o direito e canais apropriados para denunciar eventuais práticas equivocadas de educadores em sala de aula. Por outro lado, é fundamental que o professor tenha total condição de se defender e de explicar perante a comunidade sobre sua postura enquanto educador. A denúncia anônima cria um veículo de mão única, inclusive impossibilitando que eventuais denúncias falsas ou descabidas sejam igualmente punidas, única forma de evitar abusos por parte de delatores.

É nesse contexto que também vem surgindo denúncias no âmbito de universidades. A recente denúncia do MP de Minas Gerais contra o grupo de estudos da Faculdade de Educação da UFMG é um destes exemplos. A negativa de abertura de processo (https://pedlowski.files.wordpress.com/2017/07/representac3a7c3a3o-ufmg.pdf) por procurador da República, com base na autonomia universitária prevista na Constituição de 1988, não é garantia que outros processos indevidos possam ser abertos e eventualmente levados à frente.

Dada a preocupante situação da sociedade brasileira atual, de intolerância e falta de diálogo, uma proposta defendendo que a formação de seus jovens seja ditada por um pensamento único e restritivo, além disso criando um ambiente de “denúncias”, pode tanto agravar nossas profundas diferenças sociais bem como gerar falhas enormes na formação básica de nossas futuras gerações.

Numa situação extrema, sofremos o risco de ver a teoria da evolução, a perspectiva de gênero, ou temas afins com o multiculturalismo serem vetados nas escolas. O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo? Experiências anteriores na história da humanidade apontam que um debate dessa natureza deve ser acompanhado por todos os que se interessam pelo desenvolvimento de uma sociedade livre para exercer o pensamento, a expressão e a troca de ideias.

Assim, nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.

Referências acadêmicas, bibliografia, documentos

Crédito: https://www.facebook.com/contraoescolasempartido/posts/1781431015482540
DOCUMENTOS
Carta aberta ao Senado para a audiência “A liberdade de expressão em sala de aula”: Em defesa da liberdade de expressão dos professores
*
BIBLIOGRAFIA ACADÊMICA SOBRE O ESP OU QUE EMBASA NOSSA CRÍTICA AO ESP
BIESTA, Gert. Boa educação na era da mensuração. Cad. Pesqui.,  São Paulo ,  v. 42, n. 147, p. 808-825,  Dez.  2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.
__________. Pedagogia da autonomia.
KRITSCH, R.; SILVA, A. L. e VENTURA, R. W. O gênero do público: críticas feministas ao liberalismo e seus desdobramentos. Revista Mediações (UEL). Londrina, v.14, p.52-83, 2009.
MOURA, F. P. de. “Escola Sem Partido”: relações entre Estado, educação e religião e os impactos no ensino de história. 189 f. Dissertação – (Mestrado Profissional em Ensino de História) Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privadoRev. Estud. Fem.,  Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 305-332,  Ago. 2008 .
PENNA, Fernando e AQUINO, Renata. As operações que tornam a história pública. In: MAUAD; RABELO; SANTHIAGO. História pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
PENNA, Fernando. “Escola sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola. In: MACHADO, Andre Roberto; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (org.) Golpes na história e na escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez: ANPUH SP, 2017
PENNA, Fernando. O Escola Sem Partido como chave de leitura do fenômeno educacional. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.) Escola “sem” Partido – Esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, 2017
PENNA, Fernando. Programa “Escola Sem Partido”: Uma ameaça à educação emancipadora. In: GABRIEL, C. T.; MONTEIRO, A. M. e MARTINS, M. L. B. (org.) Narrativas do Rio de Janeiro nas aulas de história. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.
SILVA, Daniel Pinha. Ampliação e veto ao debate público na escola: História Pública, ensino de História e o projeto   “Escola Sem Partido”Revista Transversos.“Dossiê: História    Pública:    escritas    contemporâneas    de História. Rio  de  Janeiro,  Vol.  07,  nº.  07, pp. 11-34,  Ano 03. set.  2016.  Disponível em:   <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/transversos&gt;.
SAFFIOTI, Heleieth I.B.. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cad. Pagu,  Campinas ,  n. 16, p. 115-136, 2001.
*
NOTAS TÉCNICAS PRODUZIDAS SOBRE PROJETOS ESP
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5537 Liminar definindo a suspensão da Lei Escola Livre em Alagoas (derivada do Programa Escola Sem Partido) concedida pelo Ministro do STF Roberto Barroso a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)
Estudo Técnico nº10/2015/CAL/MD/CMRJ – Consultoria e Assessoramento Legislativo da Câmara Municipal do Rio de Janeiro – Autores: Charlotte Jonqua e João Vieira (Consultores Legislativos em Direito) – Assunto: Contornos do direito à educação – uma ponderação entre o direito de aprendizagem e a liberdade de ensino.
Nota Técnica 01/2016 Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – Ministério Público Federal. Autora: Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão.
Temas: Educação. Educação e Direitos Humanos. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Ementa:  Opinião  a respeito  da propostado  Movimento Escola sem Partido  (ESP)  e análise  e manifestação sobre a Proposição Legislativa 867/2015, que inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Programa Escola sem Partido”.
Ofícios da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF) dirigidos ao presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, aos presidentes da Comissão de Legislação e Justiça e da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo e à Secretária de Educação do Município de Belo Horizonte, alertando para a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 274/2017, que pretende instituir, no Sistema Municipal de Ensino, o programa Escola Sem Partido.
Parecer técnico de professores da Faculdade de Educação da UNICAMP a respeito do projeto de lei ordinária nº 213/2017, que institui o “Programa Escola Sem Partido” no sistema de ensino do município.
Resolução nº 7, de 23 de Agosto de 2017 Conselho Nacional dos Direitos Humanos Ementa:  Dispõe sobre posicionamento deste Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH na garantia de direitos e livre debate sobre gênero e sexualidade humana em âmbito escolar.
_________________________________________________________________________________________________________________________

URGENTE: MAGNO MALTA DESISTE DO PROJETO DE CENSURA À EDUCAÇÃO NO SENADO (atualizado em 21/11/2017)
Ontem, dia 20, no mesmo dia que foi anunciado que se aproximava a votação do projeto na Comissão de Educação do Senado, o senador Magno Malta (PR) apresentou um requerimento (links ao final do post) para tirar de tramitação o seu projeto "escola sem partido" (PLS 193/2016)!
O senador não diz no requerimento, ou em suas redes sociais até agora, porque abriu mão do projeto. 
Tendo em vista que no dia 8 desse mês a Comissão de Educação do Senado, assinada pelo senador Cristovam Buarque (PPS), emitiu parecer PELA REJEIÇÃO DO PROJETO, em caráter definitivo, o que Malta parece ter feito foi ter evitado que o seu projeto fosse rejeitado em plenário para evitar uma derrota mais chamativa.
Mas o que nos importa é: MENOS UM!
(Quer saber onde há projetos "escola sem partido"? Clique aqui: https://pesquisandooesp.wordpress.com/)

Sugestão de conteúdo para reflexão complementar
Friedrich Nietzsche, foi um filósofo do final do século XIX que se debruçou sob várias questões, entre elas o problema epistemológico da interpretação. Segundo o filósofo, "não há fatos, apenas interpretações". Isso ocorre porque, segundo ele, as inferências, as conclusões, obtidas da vivência de determinado fato, de determinado evento, são conclusões subjetivas, que constituem o resultado momentâneo de um processo que se perpetua. De acordo com isso, segundo ele, o argumento linguístico seria uma forma de luta de forças entre várias "formas de ver o mundo". Assim, não existe interpretação correta de um evento, mas interpretações que se relacionam com forças subjetivas. 

Para Nietzsche um evento é vivo, é sentido de várias maneiras por várias pessoas.
Assim, aceitar a interpretação de uma pessoa através do argumento linguístico é negar a própria relação viva com o evento em questão em prol de uma força dominante (a daquele que argumentou e teve o argumento aceito).
Assim, não aceitar a argumentação de outrem como forma de "verdade" deixa de ser uma maneira de retrocesso ou mesquinhez e se torna uma forma de amor a si e a suas próprias sensações. Mesquinhez, retrocesso, e até mesmo uma forma de adestrar a humanidade, para Nietzsche, é acreditar que através da argumentação se pode universalizar uma determinada forma de "ver o mundo".


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais visitadas na última semana