terça-feira, 5 de julho de 2016

Sobre a palmeira de Indaiá e a dificuldade de seu replantio e cultivo

Texto feito com a colaboração de  Charles Fernandes (arquiteto)

Sabemos que a palmeira de indaiá, que deu origem ao nome de Indaiatuba, é uma planta rebelde no que tange ao replantio eu cultivo artificial. Há pessoas que até conseguem replantar, mas depois de um tempo a maioria das plântulas acaba por perecer. Reconhecida por estar ligada à nossa identidade histórica, ela está no Brasão da Cidade e na Bandeira da nossa cidade e já foi até alvo de projeto em nossa Câmara de Vereadores.

Mesmo assim, temos, raras espécimes da palmeira em nossas terras, justamente onde havia campos e mais campos forrados dela, narrados romanticamente por memorialistas que registram nosso passado em suas crônicas sempre nostálgicas sobre o coquinho que chupavam quando brincavam, na infância, livres por nossa cidade. Talvez por essa dificuldade, ela nem tenha aparecido no Plano Municipal de Arborização, publicado pelo atual governo em 2015. 

Outro motivo para sua quase extinção, além do difícil cultivo artificial, é que não era apenas o coquinho que era procurado pelos indaiatubanos. Toda a palmeira era útil para alguma função: desde suas folhas para cobrir casas e até para decoração de ambientes, como por seu palmito para iguarias. 

Mas um artigo indicado pelo arquiteto Charles Fernandes (veja abaixo), dá uma nova perspectiva sobre sua raridade: na medida em que as cotias foram excluídas dos nossos campos, o indaiá também pereceu. Charles aponta que "na língua indígena, indaiá quer dizer, ao pé da letra, "fruto que se parte", indicando que o coquinho tinha que ser partido ou melhor - roído - para que pudesse germinar. E essa função era feita pelo principal dispersor: a CUTIA [ou cotia, que também está certo]. Dispersor é o animal que se utiliza da planta para alimentação e em contrapartida dissemina as sementes para longe. As amêndoas de indaiá, que inclusive também são comestíveis, cruas ou torradas, precisam ser ENTERRADAS no solo seco e ao sol, e este é justamente o hábito dos roedores ao reservar sementes para uma futura refeição.

Na medida em que a cotia sumiu de seu original habitat [dando lugar à expansão urbana nesses campos], a quase extinção deve ser considerada também sobre esse aspecto.

Outra informação destacada por Charles Fernandes é que "uma das maiores dificuldades de se reproduzir o indaiá é observar o tempo de 2 anos para germinar o coco se enterrado inteiro, ou 120 dias para a amêndoa. O que se indica é que se enterre o coco ou amêndoa em matas de borda, para que receba sol parcial, tenha relativa proteção, pois as plântulas demoram muito a crescer."

"O indaiá é usado como estudo para revegetação dos cerrados: ele é um ótimo indicador de degradação, sujeito a alterações de ecossistema, fuga de dispersores e polinizadores", completa Charles.

Por depender de roedores como a cotia para seu replantio natural, podemos então concluir que não foi apenas a atividade de coleta predatória da plameira de indaiá, feita em nosso município, que levou a quase sua extinção por aqui. Temos que considerar que a manutenção de ambientes íntegros é imprescindível para que seja evitada a perda de espécies, preservando-se, consequentemente, as interações ecológicas entre as populações dos diferentes habitats.



Veja, abaixo, artigo completo corroborando com a informação:


Dispersão de Sementes de Attalea geraensis Barb. Rodr. (Arecaceae) em Área de Cerrado

Lilian Bonjorne de Almeida, Nivaldo Nordi e Mauro Galetti


Introdução 
A dispersão de sementes é considerada um processo demográfico central para as populações de plantas, já que a distribuição destas é decorrente de uma série de vantagens conferidas pela dispersão: aumento da probabilidade de a semente se estabelecer em locais adequados e diminuição da probabilidade de predação e ação de patógenos sobre a semente (Janzen, 1970; Howe e Smallwood, 1982).

O modo de dispersão mais comum no cerrado é a zoocoria, atingindo 52% das espécies vegetais (Gottsberger e Silverbauer-Gottsberger, 1983). Os frutos das palmeiras são componentes muito importantes na dieta de mamíferos (Silvius, 2002) e, de forma geral, apresentam sementes extremamente grandes, fato que pode representar uma restrição por parte da planta aos potenciais dispersores, limitando a dispersão para apenas os maiores frugívoros (Jordano, 2000).

A palmeira Attalea geraensis Barb. Rodr. ocorre em áreas de cerrado ou florestas secas com solos arenosos dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Bahia; é encontrada também no Paraguai (Henderson et al., 1995).

Attalea geraensis apresenta caule curto ou subterrâneo, sendo que raramente chega a 1 m de altura. Possui de quatro a oito folhas, regularmente arranjadas em um mesmo plano e com raque marrom na parte inferior. Os primeiros frutos de Attalea geraensis aparecem quando a palmeira tem cerca de três a cinco anos. O mesocarpo adocicado do fruto é apreciado por grande número de roedores (Lorenzi et al., 2004). Há poucos estudos relacionados à dispersão de sementes no bioma cerrado, sendo estes, em geral, restritos a espécies que ocorrem em Florestas de Galeria (Bizerril e Gastal, 1997). 

Objetivo 
O presente estudo teve como objetivo obter dados sobre o modelo de dispersão de sementes da palmeira Attalea geraensis, considerando as taxas de remoção, o destino e a distância das sementes removidas das plantas parentais. 

Material e Métodos 
Conduzimos o presente estudo na Estação Ecológica de Jataí, situada no município de Luiz Antônio, a nordeste do estado de São Paulo, Brasil, que possui 9010,7 ha, sendo que a maior parte da área consiste em cerrado sensu lato (Santos, 2000). Aplicamos um teste de remoção de frutos de 26 de outubro a 15 de novembro de 2003 para estimar as taxas de remoção secundária, o destino e a distância dos frutos dispersos secundariamente. Para verificar se há seleção de frutos com diferentes características morfológicas, medimos o comprimento, o diâmetro e a massa dos frutos (Brewer, 2001). Os frutos removidos foram classificados segundo Forget (1996) e Silva e Tabarelli (2001): (i) não removido; (ii) predado por mamíferos; (iii) disperso com apenas a polpa consumida; (iv) disperso e enterrado; (v) disperso a mais de 30m e (vi) perdido. As classes (iii), (iv) e (v) foram incluídas no presente trabalho. Utilizamos quatro trilhas para o teste, sendo que em cada uma amostramos nove palmeiras, totalizando 36 indivíduos. Em cada um destes colocamos 4 frutos maduros, o que gerou um total de 144 frutos. 

Resultados e Discussão 
Após 20 dias, 97,22% dos frutos utilizados para o teste (N = 144) haviam sido removidos. Destes, 66% haviam sido enterrados, 0,7%, predado, 2,8% não foram removidos e 2,8% tiveram a polpa consumida.
Não houve relação entre massa, comprimento e diâmetro dos frutos (variáveis independentes) e a distância de remoção dos frutos (variável dependente) de acordo com o teste de regressão linear (R2 massa = 0.000883; P > 0,05; R2 comprimento = 0.011877; P > 0,05; R2 diâmetro = 0.023889; P > 0,05; N = 144). Apesar de a maioria dos frutos ter sido enterrada, 58% dos frutos usados no experimento foram enterrados a distâncias menores que 2 m. Tal resultado pode sugerir que haja um fluxo gênico baixo entre os indivíduos da população, além de indicar que a dispersão das sementes pode estar contribuindo para um padrão agregado de distribuição da população.

Os dispersores dos frutos de Attalea geraensis são roedores estocadores, como Clyomys bishopi, roedor que tem dieta especializada em monocotiledôneas, dentre estas a palmeira estudada (Vieira, 2002) e Dasyprocta azarae, que pode enterrar frutos tanto em locais próximos à fonte de recursos, quanto a distâncias de até 50 metros (Smythe, 1978). O fato de haver frutos enterrados em grandes profundidades nos locais mais próximos da planta parental e outros enterrados superficialmente a distâncias maiores – observamos frutos dispersos a até mais de 30 m – também sugere que A. geraensis possui dois dispersores diferentes. Attalea geraensis apresenta um sistema de dispersão muito frágil e, em fragmentos menores, em que não haja mais cutias (Dasyprocta azarae), que é o dispersor a longas distâncias da palmeira estudada, o fluxo gênico por meio das sementes pode ser diminuído ainda mais. 

Conclusão 
Attalea geraensis possui um sistema de dispersão dependente basicamente de duas espécies de roedores estocadores: Clyomys bishopi e Dasyprocta azarae. Observamos distâncias de dispersão muito pequenas na Estação Ecológica de Jataí, em que cerca de 60% dos frutos foram dispersos a menos de 2 m. No entanto, se houver perda de espécies de mamíferos dispersores da palmeira em estudo, há uma tendência para o aumento da predação dos frutos que permanecem por longo tempo embaixo da planta parental, principalmente por insetos. 

Desta forma, a manutenção de ambientes íntegros é imprescindível para que seja evitada a perda de espécies, preservando-se, conseqüentemente, as interações ecológicas entre as populações dos diferentes habitats. 





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