quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A ARTE NO LEGADO DA FAMÍLIA AUGUSTO DE OLIVEIRA CAMARGO

Sua História 

Dona Leonor de Barros Camargo nasce em 1865, e aos 22 anos de idade casa-se com Augusto de Oliveira Camargo, herdeiro da Fazenda Itaóca, em Indaiatuba, onde moraram por muitos anos. Aos 24 anos, perde parte da família para os seguidos surtos de febre amarela que devastaram a região de Indaiatuba até o ano de 1899. Duas das tias de Dona Leonor, falecidas com poucos dias de diferença, estão sepultadas no Cemitério da Candelária em Indaiatuba e representam dois dos exemplares de arte tumular mais elaborados e belos deste local. 

Em 1915, constroem um Casarão na famosa Avenida Higienópolis em São Paulo, considerada um marco na história do planejamento urbano brasileiro, por adotar novos conceitos de cidade higienista.  Em 1921, Augusto de Oliveira Camargo sofre um derrame que o deixa paraplégico. Em 1928, Dona Leonor, auxiliada pelo irmão mais velho, Francisco de Paula Leite, inicia, em Indaiatuba, o planejamento da obra do Hospital que leva o nome de seu esposo; lnaça a pedra fundamental em 1929, e inaugura-o em 1933. O projeto do hospital foi entregue ao maior arquiteto brasileiro desta época, Ramos de Azevedo,  que entre outras obras executou o Teatro Municipal de São Paulo. 

No inicio da década de 30 o casal ainda promove melhorias urbanas em Indaiatuba, tendo patrocinado a primeira rede de ligação de água que levaria torneiras para dentro das casas do centro de nossa cidade e a construção do Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes

Nos anos de 1940 e 1941, a Igreja da Candelária passa por uma extenss reforma visando preservar as paredes de taipa, a estrutura dos campanários, cobertura e modernizar o relógio. De acordo com  documentos da época, este restauro emergencial, orçado em mais de 70 contos,  foi custeado por D. Leonor.

Em 1937 falece Augusto aos 86 anos e em 1944 falece Leonor com 79, tendo o casal, como seu local de descanso final, o Cemitério da Consolação de São Paulo.




Túmulo da família Oliveira Camargo no Cemitério da Consolação


O Legado

Muito nova Dona Leonor patrocinou os túmulos de suas tias, em exemplares de estilos ecléticos, sendo um deles predominantemente neogótico vitoriano (vide imagens seguintes, do Cemitério da Candelária, em Indaiatuba).








O "estilo" neogótico vitoriano era uma novidade trazida pela introdução da ferrovia, e foi muito utilizado entre os anos de 1870 e 1900.

A reforma de 1940 na Igreja da Candelária, patrocinada por Leonor, foi uma importante ação para manter a riqueza deste prédio para as gerações futuras.

O prédio da Escola Randolfo Moreira Fernandes possui linguagem mais austera, discretamente adornado, espartano em sua composição e função. 




O Hospital Augusto de Oliveira Camargo, foi uma obra incrível de Arquitetura. Edificado para que sua entrada ficasse na mesma direção e nível da porta da Igreja Candelária, estabeleceu eixos urbanos de desenvolvimento para a cidade, além de uma linguagem muito arrojada para a época.





O "estilo" neocolonial utilizado no hospital, foi desenvolvido no início do século, com intenções nacionalistas, de se exaltar o patrimônio brasileiro, em meio a estilos de releituras ecléticas europeias. O Hospital Augusto de Oliveira Camargo é atualmente, uma das poucas obras tombadas como Patrimônio Histórico Municipal.

O casarão localizado no número 890 da Avenida Higienopolis, foi doado para Curia Metropolitana em 1942 e é usado para diversos serviços administrativos. O predio também foi tombado pelo Patrimônio Histórico de São Paulo em 2013. 





Da resolução do Tombo: 

"...a edificação situada à Avenida Higienópolis nº 890 abrigou antiga residência construída, na década de 1910, para a família do fazendeiro e político Augusto de Oliveira Camargo (1854-1937) e sua esposa Leonor de Barros Camargo" (...) " Considerando a relevância de seu projeto arquitetônico, concebido em 1915 com elementos do vocabulário eclético, de autoria dos arquitetos Luigi Pucci e Giulio Micheli, que projetaram também o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, no bairro de Santa Cecília..." 


O Ecletismo 

O Ecletismo das artes foi um movimento artístico do sec. XIX e XX, que visava criar releituras de épocas passadas, através de composições que utilizavam elementos formais destacados da antiguidade, sobretudo a Clássica. O ecletismo criava sucessivos estilos. Cada novo estilo eclético suplantava o anterior, proporcionando o que chamamos hoje de tendência ou moda. 

Esta foi uma invenção muito eficiente da era industrial, que visava a substituição de produtos manufaturados, de maneira precoce, não pelo fim da sua vida útil, mas exclusivamente pela sensação de status, proporcionado pela aquisição de um novo produto com estilo mais moderno. Moda advém de moderno e é uma invenção que incentiva o consumo. E estilo, é um atributo eclético de um produto ou obra. 

Nas obras já citadas, o neogótico vitoriano é um estilo que relê a arquitetura antiga da Inglaterra, que teve seu auge no reinado da Rainha Vitória, e neocolonial é a releitura da arquitetura barroca brasileira. 

Curioso lembrar que a Igreja da Candelária, originalmente,  possuía linguagem originalmente Barroca, colonial brasileiro (não era releitura, não era estilo, era barroco autêntico) e foi repaginada em 1915, com elementos de estilo europeu, enquanto o hospital projetado por Ramos de Azevedo, para exaltar as tradições brasileiras, recebeu linguagem Neocolonial. Uma interessante e complexa contradição própria de nossa sensibilidade limitada com a arte recém suplantada por um movimento novo.





O Jazigo Art Decó

Dona Leonor, junto de seu irmão Francisco estabeleceu-se por breve período nos Estados Unidos, onde Francisco teria estudado. Possivelmente esta permanência teria influenciado a "linguagem" do estilo de seu jazigo no Cemitério da Consolação em estilo Art Decó. O Túmulo do Casal Oliveira Camargo, é marcante, não só pela sua representatividade junto ao enorme acervo do Cemitério da Consolação, mas também pelo encerramento de um ciclo, com o fim do próprio ecletismo, enquanto vanguarda artística.








A última obra deixada pelo casal, foi executada em estilo Art Decó, também considerado o último estilo do Ecletismo, tendo marcado a transição para um novo movimento artístico, o Modernismo.

A linguagem Art Decó, já não utilizava releituras históricas, utilizava elementos geométricos que eram arranjados segundo regras clássicas de proporção. Nos anos seguintes, a partir da década de 30 e 40 no Brasil, a composição eclética dá lugar ao racionalismo e a abstração; e os simbolismos e formalismos são substituídos pelo funcionalismo modernista. 

Das obras citadas, o Hospital Augusto de Oliveira Camargo foi tombado como Patrimônio Histórico Municipal de Indaiatuba, por decreto do então prefeito José Onério, o Jazigo foi tombado como parte do conjunto do Cemitério da Consolação em 2005 e o Casarão da Rua Higienópolis foi tombado em 2013. Um merecido reconhecimento do poder público indaiatubano e paulistano para estas obras ímpares.

O legado do casal Oliveira Camargo em Indaiatuba pode ser confundido com a própria presença do ecletismo na cidade. E representa hoje, enorme parcela do pouco que restou de nosso Patrimônio Histórico e Cultural edificado.



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