texto de Maria Imanishi
Foi em março de 1.947 que o casal
Miyoji e
Toshiko Takahara chegou a Indaiatuba. Trouxeram juntos seus oito filhos: Luiz Hideo, o primogênito, com 15 anos, Mário Takashi,
Maria Maçako, Mariano Chirossi, Estela Kayo, Terezinha Kiyoko, Amélia Shigueko, Maria Katsuko (Cida) de apenas 1 ano.
A vinda para Indaiatuba não foi apenas a troca de uma cidade por outra. Foi, principalmente, uma mudança radical na vida do imigrante japonês Miyoji Takahara.
Miyoji Takahara, nascido em 12 de fevereiro de 1907, na província de Fukushima, Japão, era o segundo filho do casal Sakuju e Moyo Takahara.
Imigrou para o Brasil em 1928 e foi trabalhar nas fazendas de café da região da Mogiana (São José do Rio Pardo).
Residiu também nas regiões de Bauru, Gralha, Gália, Pirajuí, Duartina e Garça, locais de grande concentração de japoneses, trabalhando e enfrentando muitas dificuldades, e sempre procurando ajudar seus conterrâneos.
Quando estourou a 2ª Guerra Mundial, Miyoji Takahara era um bem sucedido comerciante, proprietário de um armazém de secos e molhados em Garça. Era também professor de japonês, trabalho que exercia, voluntariamente, à comunidade japonesa.
A entrada do Brasil na guerra contra o Japão, foi uma reviravolta em sua vida. Ele teve que destruir, à noite e às pressas, o barracão que servia de escola da língua japonesa. Teve confiscado as mercadorias com rótulos escritos em japonês e sofreu também o abuso da polícia brasileira que se achava no direito de não pagar o que consumia.
Por outro lado, seus próprios conterrâneos, não saldavam as dívidas. Foi considerado “traidor da pátria” porque na abertura de um jogo de beisebol, ele discursou dizendo que a derrota do Japão “era um fato real e que era preciso muita união, compreensão e trabalho redobrado para que todos pudessem viver em paz.”
O fanatismo tomou conta dos “vitoristas” (katigumi) que pregavam a vitória do Japão e eles perseguiam os “derrotistas” (makegumi) que aceitavam a derrota. (Surgimento do “Shindo Renmei”, organização ultraconservadora de japoneses residentes no Brasil, responsável por muitos atos de violência e até mortes, episódio tão bem retratado no livro “Corações Sujos” de Fernando de Morais).
Foi perseguido e, jurado de morte, teve que fugir de Garça, no início de 1946, procurando abrigo em Campinas, onde tinha amigos.
Dª. Toshiko tinha ficado num sítio nas proximidades de Garça, com sete filhos e grávida do 8º. E foi aí, sozinha, que ela deu à luz a uma menina. Até então, todos os partos de seus sete filhos tinham sido feitos pelo marido, Miyoji Takahara. Era ele também que costumava cuidar de doentes, aplicar injeções, servir de conselheiro e casamenteiro e muitas outras funções nas comunidades onde viveu.
Escolheu Indaiatuba por sua localização privilegiada, seu povo hospitaleiro e, principalmente porque na cidade, Miyoji Takahara não encontrou nenhum japonês fanático, o que vinha de encontro ao seu desejo de paz.
A família veio de Garça no trem da Companhia Paulista, desceu em Campinas e chegou a Indaiatuba, tomando a “jardineira” (ônibus) da empresa Bonavita pela estrada velha de terra.
Foi acolhida por Jerônimo Perussi (Momi) que os alojou num imóvel de sua propriedade, localizado na Rua Siqueira Campos, próxima ao Banco Mercantil que ficava na esquina com a Rua Candelária.
Depois de alguns meses, a família se estabeleceu na chácara de Domingos Genaro que era casado com Emília, filha de Momi (pais de Carlos, atual presidente do Indaiatuba Clube). Nessa chácara, que ficava na baixada da antiga Estação da Estrada de Ferro Sorocabana (hoje transformada no Museu Ferroviário, que pertence à Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura - FIEC), Takahara plantou verduras: alface, couve, almeirão e tomate. Cultivou também couve-flor e acelga, mas como poucas pessoas conheciam esses produtos, ele dava receitas para poder vendê-las.
Muitos estranhavam o tipo físico e a linguagem exótica dessa família japonesa. Os vizinhos também não estavam acostumados com certos hábitos, como o “ofurô” (tina de banho), a culinária ou a mãe que carregava a criança amarrada às suas costas, enquanto lavava roupas no rio.
É fato que, no período de 1935/1941 já havia, em Indaiatuba, um pequeno número de japoneses que plantava algodão na Fazenda Pimenta: os Gomassako, Imanishi, Miura e Miyake.
Mas foi por iniciativa de Miyoji Takahara que, em 29 de abril de 1947, esse grupo se reuniu pela 1ª vez e no dia 7 de setembro desse mesmo ano com 18 membros fundaram a 1ª Associação Japonesa que deu origem à atual A.C.E.N.B.I. (Associação Cultural Esportiva Nipo-Brasileira de Indaiatuba). Foi presidente dessa entidade, que é referência da comunidade japonesa de Indaiatuba, por 17 anos (1953 a 1970).
Takahara era muito comunicativo e fazia amigos com facilidade. Preocupado com a educação dos filhos, já havia mandado o primogênito para São Paulo e o segundo para a Escola Agrícola de Pinhal. Como em Indaiatuba só existia o curso primário do Grupo Escolar “Randolfo Moreira Fernandes”, logo que chegou aqui, procurou o prefeito Jacob Lyra (1947) para reivindicar a criação do curso ginasial. Jacob Lyra propôs ao Takahara que se ele conseguisse um número mínimo de alunos, o ginásio seria implantado.
Como vendia hortaliças de porta em porta, ele perguntava se na família havia alguém que quisesse cursar a 1ª série do ginásio. Com toda essa persistência e força de vontade, ele teve a alegria de ver sua primogênita ser matriculada na 1ª turma do Ginásio Estadual “Dom José de Camargo Barros”, em 1950, na gestão do prefeito Luiz Teixeira de Camargo Júnior. Colaborou, também, com o O.C.E., Órgão de Cooperação Escolar do Ginásio (atual Associação de Pais e Mestres), desde a sua criação.
Apesar de todos os esforços, devido às diversas causas e dificuldades da época, os filhos mais velhos só puderam cursar o ensino fundamental. Em Indaiatuba, nasceram seus dois filhos mais novos: João Carlos Ditumi (1948) e Mitiko (1951).
A dedicação de Miyoji Takahara foi decisiva para o desenvolvimento da agricultura em nossa cidade. Graças à sua intermediação, os japoneses que chegavam do interior, depois do período doloroso da guerra, passaram a cultivar tomate na fazenda de João da Fonseca Bicudo. A cidade se tornou conhecida como a maior produtora de tomate de mesa e Takahara trabalhou muito para divulgar as Festas do Tomate e da Uva e também as antigas Festas das Nações.
Takahara costumava receber os imigrantes e estudantes que o procuravam para suas pesquisas. Era também um dedicado pesquisador: teve uma variedade de tomate, do tipo Santa Cruz, batizado com seu nome.
Em seu sítio, que ficava à beira da antiga estrada de terra que ligava Indaiatuba à Campinas (hoje, Avenida Presidente Vargas onde estão a Balila, Hotel Vitória, etc.) costumava receber e hospedar muitos visitantes e servia também a comunidade nipo-brasileira que aí realizava muitos eventos.
Despojado, doou um trecho de sua propriedade para a prefeitura, com o propósito de abrir uma estrada, facilitando o acesso à Unidade de Tratamento Água do Bairro Tombadouro.
Foi também um importante articulador na implantação da Fábrica Yanmar do Brasil, empresa japonesa de motores que se instalou em Indaiatuba.
Durante toda sua vida trabalhou para entidades beneficentes e para a comunidade em geral, recebendo diversas homenagens de várias entidades.
Foi agraciado com o título de Cidadão Indaiatubano pela Câmara Municipal, em 1977; com a Comenda Pedro Álvares Cabral do governo paulista em 1977; com a Comenda Sol Nascente oferecida pelo Imperador Hiroito do Japão em 1986; com a Medalha João Tibiriçá Piratininga, da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, em 1999, honraria esta, recebida também, por sua esposa Dª. Toshiko. Ambos foram homenageados pelo povo de Indaiatuba, tendo seus nomes imortalizados com nome de rua e uma unidade escolar, o Centro Educacional da A.C.E.N.B.I. “Miyoji Takahara”.
Miyoji Takahara discursando (ou cantando?) ao lado de Osvaldo Ussui
Foto de
Vanderlei Massatoshi Otaguro originalmente publicada na comunidade virtual do Facebook "Dinossauros de Indaiá"
Miyoji Takahara em gincana japonesa (undo-kay) em 1953
Imagem cedida por Maria Maçako Takahara Imanishi (filha)
Festa do Tomate na Acenbi - 1962
Imagem cedida por Maria Maçako Takahara Imanishi (filha)