segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um bate papo com o busto do herói-soldado

 texto de Jota Dablio

Era uma daquelas noites indaiatubanas: céu límpido, estrelado, uma noite calma, sem vento.

Uma certa nostalgia da praça completamente vazia se apossara de mim.

_ Psiu.... Psiu....

Olhei para trás procurando o dono do psiu, e não via ninguém; nem à direita, à esquerda ou mesmo à frente. Deve ser algum pássaro, também notívago, que se deliciava com a noite gostosa, pensei.

_ Psiu, psiu... Ouvi novamente.  _ Aqui forasteiro, sou eu.

Olhei bem para divisar quem me chamara tão insistentemente.

_ Aqui companheiro desta madrugada, sou eu, o voluntário João dos Santos, herói de Indaiatuba. Aproxime-se, quero bater um papo com você.

Juro por Deus, (falando comigo mesmo) nunca mais hei de abusar do copo!

Puxa, estou escutando coisas.

Credo!

 Já ia apressando o passo do toc toc da bengala companheira, quando um psiu bem mais forte ordenou-me a estacar. Parei e olhei bem para a direita e o encarei o busto de João dos Santos, aproximando-me.

_ Pois não seu João, já vou.

_ Pois não seu João, uma ova. Me trate de voluntário João dos Santos.

_ Sim, sim, é claro  - disse-lhe, suando frio-  me perguntando que será que eu não fiz?!

_ Pronto, voluntário João dos Santos, estou todo ouvidos, todo orelhas, todo não sei que mais na algaravia do medo, em outras palavras desconexas, procurando firmar-me no bambú da minha bengala e na coragem que não possuia.

_ Não foi você que passou lá onde mora meu irmão o Aristóteles? Lá na rua Pedro de Toledo na altura do número oitocentos?

_ Sim, fui eu, claro, por uma grande coincidência não fiz de propósito, eu tinha ido...

_ Silêncio, não enrole. Foi você?

_ Sim, fui eu.

_ Pois bem, conte-me o que viu.

_ Bom, voluntário João dos Santos, eu vi o Aristóteles, onde ele mora, onde ele cozinha, etc.

_ O lugar, forasteiro, o lugar, descreva como é. Você não vê que eu estou preso aqui, nem pernas me colocaram, e não posso sair por ai andando? O que ele diz?

_ Mas ele não vem aqui conversar com você? - arrisquei eu.

_ Sim ele vem, mas fala enrolado e nunca entendi direito. Soube por uns intermédios que você esteve lá e quero tudo bem explicadinho, agora.

_ Bom, na verdade, o lugar que ele mora, por caridade de uma indústria (abençoada seja!) não está no relento. Mas é um quartinho que era uma casa da força, onde de vez em quando chove dentro; ele cozinha no corredor, quase ao relento, num fogãozinho em cima de um caixote. O caixão é bem mais baixinho que ele (hi, hi, hi).

_ Nada demais.

_ Desculpe, mas já falando, aqui onde ele mora, não é lá muito confortável para o irmão de um herói.

_ Chega, nada de gozação. Será que você não aprende?

_ Bom, voluntário João dos Santos, ele me disse ainda que sofre de diabetes, do coração e que quando a saúde permite, ajuda um amigo a vender bilhete da loteria, e vai se defendendo contra a miséria de sua vida. Faz ainda uns biscates aqui e acolá. Enfim, vagabundo ele não é, só que a vida é madrasta para com ele, com todas essas  doenças e um milhão de etecéteras. É isso...

_ Muito bem forasteiro.

_ Perdão voluntário João dos Santos, mas fazem seis anos que moro aqui.

_  Ainda assim posso chamar-lhe de forasteiro e de graças à Deus por isso. Onde se viu, meu irmão nessa situação? Você não tem o pecado da omissão de muitos indaiatubanos por não ter nascido aqui. Não terá que pagar esse pecado. Você sabe que todo ano, alguns me trazem flores, fazem discursos, comemoram a sombra do meu busto o dia do Soldado Contitucionalista? Mas isso adianta? Se o coitado do meu mano passa as piores necessidades? Que dirão os visitantes ao contemplar-me aqui na praça? Quem foi ele? - Este, dirá um indaiatubano bem informado, é nosso herói, voluntário João dos Santos, morto na Revolução de 1932, enchendo o peito de satisfação... Já do irmão do herói... É verdade? Irmão do herói Indaiatubano? Sim, sim... cheio de reticências... ele é o irmão do nosso herói indaiatubano.... (falando murcho).

_ Forasteiro, pegue uma picareta, derruba o bronze que me dignifica e vende aos quilos - o que apurar arranje mais conforto para o meu irmão. O dinheiro das flores, que aos pés desta lage fria me presenteiam, e depositam, empreguem para que aqueçam as noites frias de meu querido. A homenagem e a lembrança de cada ano que a mim são dirigidas, desviem-na para seu amparo e conforto, pois, assim estarei mais homenageado e honrado que todo esse bronze, essas flores e todos esses discursos. 

_ Vá, forasteiro, tenha uma boa madrugada se puder...


Imagem da Rua Voluntário João dos Santos, em Indaiatuba.
Imagem do professor Gentil Gonçales Filho in http://www.panoramio.com/photo/26120873


Embarque dos soldados na Revolução de 1932
Estação de trem da Estrada de Ferro Sorocabana - Indaiatuba.
Imagem do acervo de Antônio da Cunha Penna













7 comentários:

  1. Bom dia,

    O seu blog continua muito bacana! Parabéns!!

    Estou passando aqui para falar sobre uma campanha que estou fazendo contra o chumbinho. Ele é a causa de inúmeras mortes de animais e pessoas... Precisamos unir forças contra isto!

    No meu blog tem o texto completo...

    http://ideiasdoganem.blogspot.com/2009/10/e-o-o-chumbinho.html

    Se puder dar uma força, replicar a campanha, etc.. Muito obrigado!!!

    Um grande abraço,

    Ganem

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  2. Eliana Olá.
    Aristósteles foi também varredor de rua, era chamado de lixeiro as ruas da cidade eram limpíssimas. Um trabalhador exemplar. Toda manhã estava ele lá cantando e varrendo.
    Eliana e o guarda sr. Benedito será que há como localizar ele na história de Indaiatuba.
    Morei em Indaiatuba de 1956 à 1966
    Sílvia

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  3. Olá Silvia,

    Passe-me seu e-mail para que a gente possa conversar sobre esse personagem de nossa Indaiatuba

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  4. Eliana Boa Noite,
    Meu e-mail.
    silviazerbinatti@hotmail.com

    Um grande abraço.
    Sílvia

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  5. Bom dia Sra. Eliana Belo, gostaria de saber um pouco mais do Voluntário João dos Santos. Por acaso vc não teria alguma foto dele. Ou então poderia descrevê-lo?...
    Ficarei muuuito agradecido.

    Um grande abraço do Prof. Edgar

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  6. Bom dia Sra. Eliana Belo, estou procurando imagens do Voluntário João dos Santos.
    Vc possui alguma foto ou saberia descrevê-lo?...

    Um grande abraço,

    Edgar

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  7. Caro Professor Ed, realmente a melhor "face" que temos dele é o de seu busto, que está na "Praça dos Bancos". Antigamente as crianças eram levadas pelos professores para vistá-lo, todos conheciam sua história. Hoje ele fica ali, praticamente anônimo, infelizmente.

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