Os trabalhadores negros escravizados,
que vieram para o Brasil sequestrados da África ou os que nasceram aqui eram
considerados uma coisa e não uma pessoa. Eram capturados de acordo com o ‘volume’
que cabia no navio tumbeiro, eram vendidos por peça, metro ou por quilo e
valiam pela quantidade de material que produzisse em seu ciclo de vida. Mesmo
após o avanço de protestos humanitários a favor da abolição, eles continuavam a
ser referenciados por métricas terríveis: liberdade só para os sexagenários
(quem conseguia chegar nessa idade?) ou para os ventres livres (quem iria
cuidar da criança sem pais)?
Como coisa, não possuíam nenhum direito, muito
menos o trabalhista, podendo o dono da propriedade vender, dispor, trocar,
utilizar como bem achasse que deveria e até matar. Como mercadoria, podia ser
objeto de compra, empréstimo, doação, penhor, sequestro, transmissão por
herança, embargo, depósito, arremate e adjudicação. Era uma relação jurídica
rasa, entre proprietário e coisa possuída, onde um tinha direito de domínio
absoluto e outro, dever de submissão legal e irrestrita. O correto é afirmar
que o escravo não era sujeito de direito e a mulher escravizada transmitia essa
condição aos seus descendentes.
QUANDO O ESCRAVO VIRAVA GENTE
Mas... quando cometia um crime, virava gente.
Deixava
de ser uma coisa para ser réu passível de punição com os rigores do Código
Penal. O historiador Jacob Gorender, afirmou sobre isso que “o primeiro ato
humano do escravo é o crime”.
Na
história de Indaiatuba, foi Nilson Cardoso de Carvalho quem primeiro contou uma
história dessa realidade. O episódio aconteceu na Fazenda Sertão, quando ainda
éramos um Distrito da cidade de Itu. Vejamos.
No
dia 25 de julho de 1856, uma sexta feira, por volta das onze horas da manhã, na
citada fazenda a pouca distância da casa grande, estava uma turma de escravos
roçando um capoeirão, isto é, roçando um local onde havia uma vegetação densa,
comandados pelo feitor Vicente do Amaral Campos.
Iam
todos roçando em linha no eito, mais ou menos juntos, menos o escravo Manoel
que ficou para trás por levar mais tempo cortando um pau, mais grosso, difícil
de ser abatido. Por estar demorando, o feitor dirigiu-se ao seu encontro
esbravejando e, empunhando um relho deu-lhe uma relhada da qual ele
desvencilhou-se levantando a foice como anteparo. O feitor retirou a foice das
mãos dele, atirou-a ao chão e começou a surrá-lo. Depois de dar-lhe a última
relhada, pegou a foice do chão e deu-a na mão do escravo para que continuasse o
serviço. Quando o feitor virou as costas o escravo deu-lhe uma foiçada na
cabeça que o derrubou, e quando tentou levantar-se deu outra foiçada com a qual
acabou de matá-lo.
Seus
companheiros de eito só perceberam o que ocorrera, quando se estabeleceu um
silêncio após o esbravejar do feitor.
Matias,
africano de 40 anos de idade, chegou ao local primeiro e vendo que o feitor
estava morto e o assassino ao lado, amarrou o escravo Manoel e, quando chegaram
os demais companheiros, o conduziram para o quadrado da casa grande. No caminho
encontraram o proprietário da fazenda acompanhado de várias pessoas, seus
companheiros, os quais no momento em que aconteceu a tragédia estavam caçando
numa mata próxima.
Levado para o pequenino centro urbano
de Indaiatuba, o corpo do feitor foi encaminhado à casa do subdelegado José
Manoel da Fonseca, onde foi feito o exame de corpo de delito, constatando-se que havia “um golpe de foice da nuca
até o alto da cabeça com cinco polegadas e meia de comprido e um outro golpe
atravessando a cabeça de uma orelha a outra com sete polegadas de comprido e
profundidade que não se pode saber por estar vazando muito miolo”.
A 16 de agosto de 1856, o escravo
Manoel foi submetido a um tribunal de júri em Itu, composto de 11 jurados, a
maioria deles senhores de engenho. Não foi condenado à forca, como era o
esperado, mas condenado a galés perpétuas, isto é, prisão perpétua com trabalhos
forçados, com os pés acorrentados.
Manoel era filho de pais africanos,
brasileiro, natural de Ouro Fino, Minas Gerais e tinha apenas 16 anos de idade.
VEJA ABAIXO O QUE TEMOS PUBLICADO EM NOSSA CIDADE
SOBRE A QUESTÃO DA ESCRAVIZAÇÃO E DA NEGRITUDE:
Alguns posts
neste blog:
- Procura-se escravo, gratifica-se bem
- Escravos e escravidão em Indaiatuba (1766-1860)
- Liberdade pela Lei: A Alforria dos Escravos em Indaiatuba
- Alforriados, negros ainda foram explorados como escravos
- Felícia
- O NEGRO NA HISTÓRIA E NA HISTORIOGRAFIA DE INDAIATUBA ou "eu não sou racista mas conheço quem é"
- Meu nome é Anistarda
- A Vila de Itu e os negros da terra
- Ponto de vista: Por que Rui Barbosa mandou queimar os documentos da escravidão?
- Seu Duardo Curador
- Bairro Santa Cruz: Origem do Nome
- Um bate papo com o busto do herói-soldado
- A vila de Itu e os negros da terra - séculos XVII e XVIII
- Escravos ou Bestas
- Escravos libertos em 1888
- Figuras Populares: Paulo Borges
- Livro narra vida rural de menina na Fazenda Pimenta entre os anos 1908 e 1913 e outros.
- Da Fundação Pró Memória: Escravos e Escravidão em Indaiatuba.
- A cartilha " Vovô Dito e Aristeu em Nunticuntô Voticuntá! – Histórias de Indaiá”, escrita por Aparecido Messias Paula Leite de Barros – o Cido -, e ilustrada por Edgar Paulino dos Santos é composta por três personagens (avô, neto e o oriental Akira) que debatem a falta de registro sobre a escravidão em Indaiatuba e a necessidade do assunto ser pesquisado, debatido e divulgado entre todos os cidadãos do Município.
A cartilha
foi distribuída gratuitamente pelo mandato do vereador Derci de Lima e
foi publicada com o apoio dos Sindicatos dos Metalúrgicos, dos Servidores
Públicos, Sindiquinze e Sintconf.
O material
também conta com texto reflexivo sobre a história da escravidão no Brasil de
Thiago de Souza, que atua no gabinete do vereador Derci, que luta pela
instituição do feriado de 20 de novembro.
Leitura
indicada para crianças e jovens.
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