sábado, 5 de janeiro de 2019

TRABALHADORES NEGROS ESCRAVIZADOS - A HISTÓRIA DE MANOEL

Os trabalhadores negros escravizados, que vieram para o Brasil sequestrados da África ou os que nasceram aqui eram considerados uma coisa e não uma pessoa. Eram capturados de acordo com o ‘volume’ que cabia no navio tumbeiro, eram vendidos por peça, metro ou por quilo e valiam pela quantidade de material que produzisse em seu ciclo de vida. Mesmo após o avanço de protestos humanitários a favor da abolição, eles continuavam a ser referenciados por métricas terríveis: liberdade só para os sexagenários (quem conseguia chegar nessa idade?) ou para os ventres livres (quem iria cuidar da criança sem pais)?



Como coisa, não possuíam nenhum direito, muito menos o trabalhista, podendo o dono da propriedade vender, dispor, trocar, utilizar como bem achasse que deveria e até matar. Como mercadoria, podia ser objeto de compra, empréstimo, doação, penhor, sequestro, transmissão por herança, embargo, depósito, arremate e adjudicação. Era uma relação jurídica rasa, entre proprietário e coisa possuída, onde um tinha direito de domínio absoluto e outro, dever de submissão legal e irrestrita. O correto é afirmar que o escravo não era sujeito de direito e a mulher escravizada transmitia essa condição aos seus descendentes.



QUANDO O ESCRAVO VIRAVA GENTE

       Mas... quando cometia um crime, virava gente.

Deixava de ser uma coisa para ser réu passível de punição com os rigores do Código Penal. O historiador Jacob Gorender, afirmou sobre isso que “o primeiro ato humano do escravo é o crime”.

Na história de Indaiatuba, foi Nilson Cardoso de Carvalho quem primeiro contou uma história dessa realidade. O episódio aconteceu na Fazenda Sertão, quando ainda éramos um Distrito da cidade de Itu. Vejamos.

No dia 25 de julho de 1856, uma sexta feira, por volta das onze horas da manhã, na citada fazenda a pouca distância da casa grande, estava uma turma de escravos roçando um capoeirão, isto é, roçando um local onde havia uma vegetação densa, comandados pelo feitor Vicente do Amaral Campos.

Iam todos roçando em linha no eito, mais ou menos juntos, menos o escravo Manoel que ficou para trás por levar mais tempo cortando um pau, mais grosso, difícil de ser abatido. Por estar demorando, o feitor dirigiu-se ao seu encontro esbravejando e, empunhando um relho deu-lhe uma relhada da qual ele desvencilhou-se levantando a foice como anteparo. O feitor retirou a foice das mãos dele, atirou-a ao chão e começou a surrá-lo. Depois de dar-lhe a última relhada, pegou a foice do chão e deu-a na mão do escravo para que continuasse o serviço. Quando o feitor virou as costas o escravo deu-lhe uma foiçada na cabeça que o derrubou, e quando tentou levantar-se deu outra foiçada com a qual acabou de matá-lo.

Seus companheiros de eito só perceberam o que ocorrera, quando se estabeleceu um silêncio após o esbravejar do feitor.

Matias, africano de 40 anos de idade, chegou ao local primeiro e vendo que o feitor estava morto e o assassino ao lado, amarrou o escravo Manoel e, quando chegaram os demais companheiros, o conduziram para o quadrado da casa grande. No caminho encontraram o proprietário da fazenda acompanhado de várias pessoas, seus companheiros, os quais no momento em que aconteceu a tragédia estavam caçando numa mata próxima.

Levado para o pequenino centro urbano de Indaiatuba, o corpo do feitor foi encaminhado à casa do subdelegado José Manoel da Fonseca, onde foi feito o exame de corpo de delito, constatando-se que havia “um golpe de foice da nuca até o alto da cabeça com cinco polegadas e meia de comprido e um outro golpe atravessando a cabeça de uma orelha a outra com sete polegadas de comprido e profundidade que não se pode saber por estar vazando muito miolo”.

A 16 de agosto de 1856, o escravo Manoel foi submetido a um tribunal de júri em Itu, composto de 11 jurados, a maioria deles senhores de engenho. Não foi condenado à forca, como era o esperado, mas condenado a galés perpétuas, isto é, prisão perpétua com trabalhos forçados, com os pés acorrentados.
  
Manoel era filho de pais africanos, brasileiro, natural de Ouro Fino, Minas Gerais e tinha apenas 16 anos de idade.




VEJA ABAIXO O QUE TEMOS PUBLICADO EM NOSSA CIDADE SOBRE A QUESTÃO DA ESCRAVIZAÇÃO E DA NEGRITUDE:

Alguns posts neste blog:


  • Da Fundação Pró Memória: Escravos e Escravidão em Indaiatuba.
  • A cartilha " Vovô Dito e Aristeu em Nunticuntô Voticuntá! – Histórias de Indaiá”, escrita por Aparecido Messias Paula Leite de Barros –  o Cido -,  e ilustrada por Edgar Paulino dos Santos  é composta por três personagens (avô, neto e o oriental Akira) que debatem a falta de registro sobre a escravidão em Indaiatuba e a necessidade do assunto ser pesquisado, debatido e divulgado entre todos os cidadãos do Município. 

A cartilha foi distribuída gratuitamente pelo mandato do vereador Derci de Lima e foi publicada com o apoio dos Sindicatos dos Metalúrgicos, dos Servidores Públicos, Sindiquinze e Sintconf. 

O material também conta com texto reflexivo sobre a história da escravidão no Brasil de Thiago de Souza, que atua no gabinete do vereador Derci, que luta pela instituição do feriado de 20 de novembro.

Leitura indicada para crianças e jovens.

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