segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Morre ex-prefeito Clain Ferrari aos 84 anos

Faleceu hoje, dia 31 de janeiro de 2022 as 12:10, no Hospital Santa Inês, com 84 anos (há um dia de completar 85) o ex-prefeito de Indaiatuba, o professor de educação física e advogado Clain Ferrari vítima de septicemia, pneumonia e infecção do trato urinário. Já há algum tempo ele estava adoecido e era portador de Alzheimer. O sepultamento aconteceu em Campinas, no cemitério Flamboyant.

O prefeito de Indaiatuba, Nilson Alcides Gaspar decretou luto oficial por três dias, e manifestou suas condolências para amigos e familiares, registrando em nota os destaques de suas duas gestões (de 1977 até 1983 e de 1989 até 1992): "a regularização do Jardim Morada do Sol, a construção do Mini Hospital e do Centro Esportivo do Trabalhador e o desenvolvimento e início da obra do Parque Ecológico".

Clain Ferrari - 2018

Diversos políticos se manifestaram. A Câmara Municipal de Indaiatuba, por meio do presidente Pepo Lepinsk, lamentou o falecimento, que disse que “conheci o Clain Ferrari pessoalmente e estive com ele em várias oportunidades, inclusive viajamos juntos em romarias. Era um homem de espírito público, apaixonado por Indaiatuba, e que com certeza deixou seu nome nas melhores páginas da nossa história”. Até o momento de publicação deste post, os vereadores Alexandre Peres, Ana Maria, Luiz Carlos Chiaparini, Ricardo Longatti França, Sérgio José Teixeira e Silene Carvalini também haviam emitido notas de pesar em suas redes sociais. Também se manifestou o deputado estadual Bruno Ganem: "acabo de receber a notícia do falecimento do ex prefeito Clain Ferrari, um visionário e um prefeito de postura corajosa. Sua contribuição no desenvolvimento de nossa cidade é um verdadeiro consenso entre aqueles que conhecem a história de Indaiatuba. Um cidadão admirável que nos deixa nesta data, mas cuja história seguirá viva em nosso município."

O ex-prefeito Clain Ferrari nasceu em Campo Grande (MS), filho de Augusto Ferrari e Judith Campos Ferrari, foi casado com Ana Maria Costa Ferrari, e teve cinco filhos: Eliete, Ana Cristina, Augusto, Renata e Silvio.


Como professor de Educação Física, lecionou no "Dom José" desde 1968, de onde se afastou para assumir a Prefeitura, aposentando-se pelo colégio após seus dois mandatos. Do período, o professor Gentil Gonçales lembrou, em página pessoal na rede Instagram que "por suas ações em favor da reabertura política, foi fichado no Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), em pleno regime ditatorial no Brasil, e foi considerado como "subversivo". Segundo o professor Gentil, ele  "lutou pela retomada da Democracia em Indaiatuba."

Fonte: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/digitalizado/textual/deops_ficha>. Acesso em: 31 jan. 2022.

Como advogado, sua esposa Ana Maria destaca que "ele era imbatível em tribunal com juri", fato corroborado pela sua notável performance como orador em ações políticas.

Quando assumiu a prefeitura, também por não ter vínculos com grupos locais, fez muitas ações necessárias - principalmente obras - que até então não haviam sido feitas entre outros motivos - por incomodar interesses privados e serem impopulares.

Sem dúvida, seu maior feito foi dar início a construção do Parque Ecológico, que atualmente é o espaço de maior identidade para o indaiatubano, seguido pelo Casarão do Pau Preto. Mas não foi essa sua obra mais polêmica; não para os indaiatubanos que foram conterrâneos às suas gestões. O que mais marcou foram as ruas, vias e avenidas que ele abriu para dar maior fluidez ao trânsito, desapropriando locais até então julgados como intocáveis.

Há memoráveis histórias e estórias desses fatos, não são poucos os que contam que ele próprio subia no trator para derrubar várias propriedades e iniciar a construção dessas ruas, avenidas e vias que, junto com a Marginal Direita e Esquerda do Parque, fariam o novo traçado de nossa Indaiatuba. Rival político da família Tonin, foi um protagonista bastante singular dessa época, que ficou marcada pelas rixas entre "Clain X Tonins" - os irmãos José Carlos e Flávio.

Em sua primeira gestão, fez o Parque Municipal, o Cemitério Parque dos Indaiás (na época apelidado de "cemitério novo"), a Praça da Liberdade, o Ginásio Municipal de Esportes, o Centro Esportivo do Trabalhador, o Terminal Rodoviário Alberto Brizolla, a Avenida Itororó, Avenida do Trabalhador, Avenida Visconde de Indaiatuba, reformulou o trevo de entrada da cidade. Nesta primeira gestão a prefeitura fez outro ato polêmico: interviu no Hospital Augusto de Oliveira Camargo, após uma crise de gestão que culminou com o óbito de um paciente na máquina de raio x. Para muitos, a intervenção foi uma violência contra a propriedade privada, para outros, foi a única solução viável; como muitos dos seus feitos, isso também dividiu as opiniões dos indaiatubanos. Além de tudo isso, o mais impactante feito nessa primeira gestão foi a viabilização do Jardim Morada do Sol, fato que ele próprio não dava muito destaque nessa época, cuja "menina de seus olhos" era o Ginásio de Esportes, onde ele promoveu muitos shows com artistas de notoriedade nacional.

Em sua segunda gestão encomendou a obra do Parque Ecológico para o Arquiteto Rui Ohtake e deu início à construção continuando, assim, a traçar a malha viária que caracteriza Indaiatuba até hoje, ligando a zona norte com a zona sul através das marginais adjacentes do Córrego do Barnabé. Construiu creches e escolas sob demanda. Também foi ele que criou, viabilizou e manteve em atividade a famosa FAICI - Festa Agropecuária, Industrial e Comercial de Indaiatuba, quando ainda era uma feira de negócios local e não uma festa de rodeio profissional como é atualmente.

Muitas polêmicas envolveram suas ações, obras e temperamento. Uma (e apenas uma de tantas) das discussões que até hoje prevalecem entre os indaiatubanos é o fato dele ter loteado o Jardim Morada do Sol, o que foi uma benção para muitos - que tiveram a oportunidade de adquirir seu lote a preço popular mas, para outros, foi o fator que colocou o fim da era "Clain X Tonins", uma vez que ele fatiou e entregou os terrenos sem nenhuma estrutura ou equipamento urbano, "sobrando" para os "Tonins" resolver muitas demandas: asfalto, água, esgoto, energia elétrica, escola, postos de saúde e outros equipamentos básicos.

Focar apenas nessas urgentes e grandes demandas, desagradou parte da população indaiatubana, que se viu desassistida por um governo que "só cuidava da Morada do Sol". Entre outros motivos, isso facilitou o início de uma nova era na política local, iniciada em 1997 pelo prefeito Reinaldo Nogueira Lopes Cruz, e que prevalece até hoje, com 25 anos do mesmo grupo no poder local.

Rua Pedro de Toledo - aberta na década de 1970

Clain Ferrari - Primeiro mandato (Tribuna de Indaiá)


1982 - Inauguração do Centro Esportivo do Trabalhador.


Clain Ferrari, Dalva Denny e Ana Maria Costa Ferrari - década de 1980


Clain Ferrari com o cantor Moacir Franco - inauguração do Ginásio de Esportes
Também estão na foto: Pianucci, Gilberto Narezzi, Pedro Castilho 

Jânio Quadros e Clain Ferrari. Ao fundo, Gilberto Narezzi

20 de março de 1992



Praça da Liberdade - Imagem contida em revista institucional informativa sobre a 1ª gestão de Clain
















Ex-primeira dama Ana Maria Costa conta bastidores dos mandatos de Clain Ferrari

(reprodução de entrevista feita para o Comando Notícia em março de 2018)

INDAIATUBA – Uma jarra de água voadora passou por cima da cabeça da dona Ana Maria Costa Ferrari, ex-primeira dama da cidade. O ano ela não lembra, mas quem atirou, sim: o marido que era prefeito naquela época, Clain Ferrari. “Ele era muito correto”, conta. “Uma pessoa foi lá na Prefeitura pedir algo absurdo e ele ficou com muita raiva e por isso jogou a jarra na parede. Na mesma hora eu e o Bicudinho, um vereador da época, chegamos. A nossa sorte é que somos baixinhos e passou por cima”, relembra. A história é apenas mais uma que ela relembrou ao Comando Notícia sentada em um sofá na sala da mesma casa que mora há 40 anos, na rua 24 de Maio.

“Não tenho saudade daquela época. Nunca comi um almoço quente nos 10 anos que ele foi prefeito”, conta. Clain governou Indaiatuba de 1977 e 1982 pelo partido Arena e depois de 1989 a 1992, pelo PTB. “Era a gente sentar para comer que tocava a campainha. Vinha uma, duas, três comissões e diziam: “não consigo falar na Prefeitura, por isso vim aqui”, mas eu respondia que na Prefeitura ele trabalhava e em casa descansava”, diz. Ana conta que os pedidos eram basicamente pessoais como dentadura, laqueadura, vasectomia e materiais de construção.

“Tinha gente que queria ver o diabo, mas não queria me ver. A gente fazia as ações com o Funssol para arrecadar fundos para as campanhas, porque naquela época não tinha repasse da Prefeitura. Também dependíamos de doação. Um dia dei um enxoval para uma mulher na antiga 5, no Jardim Morada do Sol, em frente à um bar que a dona deixava a gente ficar ali e usar o banheiro. Ela disse: “fiquei esse tempo todo na fila para ganhar isso?” e tacou o pacote em mim, acertou na minha cabeça. Aí a assistente social Sonia Domingues falou que ela não ia ganhar mais e que fosse falar desaforos em outro lugar”, conta.

Empresário deitado em frente à trator e arma na cabeça

Dois momentos de muita tensão marcaram as gestões de Ferrari. Um deles foi uma das “aberturas” que ele fez na cidade, a avenida dos Trabalhadores. “O japonês da Yahmar, que era dono do terreno todo, deitou na frente do caminhão. O Clain mandou o motorista descer e subiu para mostrar que ele ia abrir aquela avenida. É lógico que ele não ia passar por cima do rapaz, mas mostrou que ia abrir, ia tocar a obra, era necessário”, conta.

Mais tenso, outro momento foi com um fazendeiro que apontou uma arma na cabeça do então prefeito. “Tinha um lago em que morria muita gente afogada no tempo de calor. O Clain pediu para o dono do tereno dar um jeito e como ele não fez nada, foi lá estourar a lagoa. O dono chegou com um revólver na cabeça dele e o Clain disse: “pode atirar, mas o serviço vai ser feito”. Ele não se intimidava com nada. Nem sei como não foi assassinado na época igual o prefeito de Presidente Prudente”, relembra.

Florivaldo Leal, também do Arena, era um homem muito rico que resolveu virar prefeito de Presidente Prudente quando Ana e Clain moravam lá. Ele foi eleito, mas um funcionário público fez uma emboscada e o matou com golpes de machado em 1965. “Era um homem muito bom e honesto, só que aconteceu esta fatalidade. Se lá que era mais civilizado na época aconteceu, não sei como não foi igual aqui.”

Carreira política e relação com o poder

O “jeito Clain” de governar, para Ana, é um dos motivos do prefeito não ser tão lembrado atualmente. “Faz muito tempo também, mas ele era muito duro. Se precisava te colocar no chão, fazia na hora e na frente de todo mundo, por isso criou algumas inimizades, nem todo mundo aceita, né? Ele não admitia falcatrua e virava um bicho quando contrariavam os seus princípios.”

A entrada na política aconteceu logo que o casal se mudou para Indaiatuba, em 1968. “Ele começou a ir nos comícios, naquela época era Brizola e Romeu Zerbini. Saía até bate boca em comício, briga. Quando viram um professor e advogado [Clain é formado em Direito], o chamaram e ele saiu como candidato, mas perdeu. Mas aí o mosquitinho da política picou e na outra eleição ele saiu com base. O vice era o Flávio Tonin. O Zé Carlos não quis e foi prefeito depois dele. Na outra era doutor Renato Riggio, um homem fantástico”, conta.

“Brizola era um homem boníssimo, mas totalmente sem instrução, era povão mesmo, por isso o chamavam de ‘mula’. Política naquela época era outra coisa”, diz. Como não havia reeleição, Clain precisou sair e voltou depois do mandato de Tonin [1983 a 1988]. Depois foi aprovada, mas aí ele não conseguiu mais voltar. “Embora ele tenha feito tudo o que fez, o Reinaldo [Nogueira, prefeito quatro vezes] era mocinho, um rapaz bonito, com carisma, simpatia e todo mundo gostava dele. A meninada mesmo, as senhoras de idade pensavam: ‘o Clain já teve a vez dele, vamos dar a chance para um jovem’ e assim foi.”

Clain era conhecido por ser muito bom orador. “Não tinha discurso escrito, no máximo alguns tópicos. As defesas na faculdade de Direito ajudaram muito a desenvolver este dom. Ele nunca perdeu um júri. Naquela época a política era outra, os comícios lotavam. Lembro que uma vez veio a Inezia Barroso cantar. O Clain conhecia um empresário e ela veio de graça, ensaiou aqui em casa e cantou no comício.”

“Depois ele tentou voltar, mas o Reinaldo saiu e se elegeu. O Clain chegou a lançar o Luchini [a vice era Aydil Bonachela], mas não deu e depois para deputado era preciso muito dinheiro para fazer a campanha e a gente não tem, ele é professor aposentado e apesar de ser muito bom orador, não tinha cacife.”

“Agora não temos mais contato, eram só encontros sociais, mas agora ele com mais de 80 anos é difícil sair de casa. O Reinaldo [Nogueira] a gente conhece desde moleque. O José Onério [ex-prefeito] sempre foi reservado. [Nilson] Gaspar também era moleque.  Quando ele saiu para prefeito, o Clain já estava muito doente. O Cidão [pai do Gaspar] é muito amigo do Clain. A última vez que ele foi em um evento público foi uma medalha que ele recebeu na Câmara. O Hélio [Ribeiro, PSB, presidente] chama sempre para as festas do Morada do Sol, mas ele não tem mais condições físicas de ir. Foi um orador fantástico, mas não consegue mais falar direito”, revela.


Faici e decoração de Natal

A Faici, atualmente conhecida como uma festa com muitos shows sertanejos, começou naquela época. “A gente sempre acompanhava os grandes rodeios e o Clain resolveu criar, as famílias que cuidavam das barracas na época. Nesta época que se iniciou a decoração de Natal, sempre ao longo da rua 24 de Maio, com muitas luzes. A idealizadora dos primeiros enfeito de rua foi a Maria Provenza. Era uma decoração linda, muitos anos usaram”, diz.

“Naquela época as colônias participavam da Faici. Ele convocou os secretários e disse: ‘vocês bolem o que quiser, mas se virem para fazer’. Cada um cuidava de um setor. No final deu tudo certo, mas passava pelo meu ouvido. Imagina ter três filhas moças naquela época na festa? A gente deixava porque era muito familiar. Hoje em dia tem muito roubo de celular. Naquela época nem tinha. Quando surgiu, ainda, era tipo um tijolo”, brinca.

“Foram diversos shows. Teve até o Roberto Carlos, mas não lembro se foi na Faici. Trouxemos Duduque & Dalvan, Milionário & José Rico, veio Beth Carvalho, Emílio Santiago e o Chitãozinho & Xororó. Lembro também que veio o Moacyr Franco. Foi fantástico. Ele trouxe um bando e foi muito divertido”, diz. “A Clara Nunes veio pouco antes de falecer.”

Parque Ecológico

“Quando o Clain ainda estava bom a gente ia passear no Parque Ecológico”, conta. O projeto foi elaborado no tempo do governo do ex-prefeito e o Comando Notícia fez um especial sobre o assunto no aniversário de Indaiatuba no ano passado, com o arquiteto Ruy Ohtake.

“Fiquei impressionada com o tanto de pessoas fazendo piquenique, com rede, mesas, cadeiras. Ele tinha uma visão fantástica. Ninguém podia tirar dele a ideia de que a cidade tinha que crescer para aquele lado. Era um lixão e o Clain resolveu chamar o Ruy [Ohtake], que tem uma cabeça fantástica, moderna. Ele se interessou, gostou do projeto. A cidade era um ovo, fechada. As ruas acabavam antes do Parque. Era tudo propriedade rural. É porque naquela época não tinha diretriz nenhuma e os prefeitos faziam de qualquer jeito.”

“Isso é uma parte boa de Indaiatuba. Os prefeitos que vieram depois do Clain continuaram o projeto, diferente de outras cidades em que havia briga política e o prefeito era eleito e destruía o que o anterior tinha feito. Como tudo foi continuado, a cidade é o que é hoje”, encerra.

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