sexta-feira, 25 de abril de 2025

Plano Municipal da Educação e a contribuição da Câmara Municipal

HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE

     
Eliana Belo Silva


Plano Nacional de Educação de 2014

O último Plano Nacional da Educação aprovado através da Lei 13.005 de 2014, tinha vigência até 2024 e teve como uma de suas estratégias a atuação conjunta da União, dos Estados e Municípios, que, atuando em regime colaborativo, deveriam agir para atingir várias metas, sendo que mecanismos locais poderiam ser adotados pelos gestores dos municípios como medidas para o alcance delas.

O cumprimento das 20 metas estabelecidas enfrentou, além da pandemia da Covid 19, muitos outros desafios. Em 2016 já se apontavam atrasos como a definição de um custo mínimo para garantir a qualidade do ensino e a implementação de uma política unificada de formação de professores (1). Em 2022, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou que 45% das metas estavam em retrocesso (2) - algo que não surpreende com um governo federal de extrema direita, cujo representante maior manifestou-se verbalmente por várias vezes contra a Ciência, as Universidades e os Professores, utilizando-se de uma pauta pseudomoral e várias fake news para isso. O chamado "Apagão de Dados" resultou em escassa análise dos números e, por consequência, dificuldades na avaliação de políticas educacionais devido à falta de transparência e informações. Ainda em 2024 o cenário continuou preocupante - para não dizer desesperador: apenas 4 das 20 metas foram cumpridas ou parcialmente cumpridas (3), incluindo avanços na educação profissional e técnica, na formação de mestres e doutores e na formação de professores de ensino superior. No entanto, metas essenciais, como a universalização da educação infantil e a erradicação do analfabetismo, apresentaram avanços muito tímidos ou retrocessos .​


Plano Municipal de Educação de 2015

Em vistas ao cumprimento dessa lei federal, Indaiatuba aprovou seu Plano Municipal de Educação, também com vigência de dez anos, à obsoletar em 24 de junho de 2025, daqui há menos de dois meses. O atraso na apresentação do novo Plano para a Câmara Municipal é esperado, pois o Plano Nacional foi adiado para 31 de dezembro de 2025, e, por consequência, o Projeto de Lei que instituirá o novo PNDE 2024-2034 está em análise, também sendo debatido pelo Senado Federal.  

Enquanto ente, nem a Câmara Municipal, nem sua Comissão de Educação - presidida pelo vereador Prof. Sérgio Teixeira - ainda não estão promovendo debates com especialistas para promover o diálogo e a reflexão sobre os rumos da educação de Indaiatuba na próxima década. Fica a sugestão para a organização de um "Ciclo de Debates sobre o Plano Municipal da Educação" para oportunizar a participação da população indaiatubana.

Mas como vereador e em matéria protocolada de forma individual - mesmo sem citar o Plano Municipal da Educação - o vereador Prof. Sérgio protocolou sugestão para o Prefeito sobre uma estratégia que julgo relevante para a discussão do PME, aliás, mais do que relevante: é primordial: a intensificação do desenvolvimento da Inteligência Emocional (QE) em nossos educandos da Rede.

Vereador Prof. Sérgio protocolou a Indicação 826/2025 defendendo o desenvolvimento socioemocional dos alunos da rede.


Na legislatura passada (2021/2024), o vereador Leandro Pinto defendeu, por duas vezes, a criação de um Programa de Inteligência Emocional nas escolas, mas focado na Saúde Mental. Essas duas proposições estão - conforme o site da Câmara - paradas até hoje, sem resposta - na Secretaria de Relações Institucionais e Comunicação. Os demais vereadores têm citado, ao longo de seus mandatos, sugestões pontuais sobre conteúdo a ser inserido na Rede, mas todas com foco para "abastecer" o QI - o coeficiente de inteligência.

QI e QE

Desde o início do século passado o QI - coeficiente de inteligência - começou a ser usado para identificar crianças francesas com dificuldade de aprendizagem, mas a aplicação evoluiu para outros fins, sendo utilizada até hoje, principalmente através de um dos testes mais aplicados, o WAIS - Wechsler Adult Intelligence Scale na Educação (com o mesmo fim), na Psicologia Clínica, em pesquisas e notadamente em processos de seleção e desenvolvimento profissional, acadêmico e até militar. 



Tabela com a classificação das faixas de QI, com base na escala mais comum (média 100, desvio padrão 15), usada em testes como o WAIS 


"Durante algum tempo, o QI elevado foi relacionado como critério de excelência de vida. A pontuação do QI pode prognosticar muito bem se podemos arcar com desafios cognitivos que uma determinada posição oferece; centenas de estudos acadêmicos demonstram que é inquestionável que o QI possa prever quais níveis uma pessoa pode exercer numa carreira"(4) No entanto, é um método que mede um único tipo de inteligência quantificável, formada pela inteligência lógica, matemática e verbal. (5)

As críticas ao QI como foco único foram crescendo: (a) GOLD (6) critica a ideia de que a inteligência é uma característica fixa e argumenta que essa visão reduz o ser humano a uma medida simplista, ignorando aspectos culturais, sociais e contextuais; (b) GARDNER (7) defende que a inteligência não é uma capacidade única e generalista (como sugere o QI), mas sim composta por múltiplas inteligências (linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal, interpessoal, intrapessoal, naturalista).


A urgência da Inteligência Emocional nas escolas

Neste fim de semana (último de abril de 2025) as redes sociais foram tomadas por ofensas ao Papa Francisco, um humanista adepto da paz, da inclusão, da proteção ao meio ambiente, da justiça social. Ofensas também foram disparadas para a cantora Preta Gil, uma paciente com câncer terminal que subiu ao palco amparada pela sua irmã, para cantar, talvez pela última vez publicamente, com seu pai Gilberto Gil. 

Atitudes como essas, de ofensas virtuais e presenciais, o preconceito, a segregação, o racismo, o machismo, a LGBTQI+fobia, o etarismo, as simplificações e generalizações, as difamações e calúnias, o fanatismo religioso, o armamentismo, a anticiência e outros tipos de violência têm se expandindo de forma assustadora, a ponto de influenciar na Saúde Mental da sociedade e, como extensão, do ambiente escolar, onde urge aplicar os princípios da neurociência afetiva. Temos que - urgentemente - compreender e ensinar como as emoções são reguladas e podem ser controladas pelo cérebro.

Precisamos considerar essa realidade e inserir em nosso Plano Municipal da Educação programas de aprendizado social e emocional. Em tempos que o óbvio precisa ser registrado, digo que isso não vai substituir os conteúdos clássicos (não é isso que estou defendendo!), mas é necessário ensinar concomitantemente as habilidades de inteligência emocional para nossos educandos.

Os alunos devem aprender (1) como reconhecer e classificar com precisão seus sentimentos e como eles os levam a agir; (2) devem ser capazes identificar as pistas não verbais de como outra pessoa se sente; (3) devem ser capazes de analisar o que gera estresse nelas ou o que as motiva para desempenho melhores e, por último (4) devem começar a aprender ouvir e falar de modo a solucionar conflitos individuais e coletivos em vez de agravá-los, negociando saídas para que todos ganhem.

Volte e leia as quatro fases de desenvolvimento de habilidades emocionais para crianças. 

Você aprendeu isso? 

Na escola, não. Talvez tenha aprendido na vida ou talvez - como muitos - passe a vida sem aprender, ou aprenda e aplique apenas parcialmente.

Apreendendo essas fases, haverá uma redução de problemas entre alunos, entre alunos e professores, em todo ambiente escolar e, em última instância, haverá melhoria no desempenho escolar dos estudantes. Crianças (e adultos, mesmo que tardiamente) devem aprender a gerenciar suas vidas emocionais com serenidade e autoconsciência, afastando emoções perturbadoras e relacionamentos e julgamentos nocivos, como pré-requisitos para uma vida individual e coletiva mais saudável e justa.


"O impacto na modelagem do circuito neural em desenvolvimento da criança, principalmente as funções executivas do córtex pré-frontal, que controlam a memória funcional - e que guardamos na cabeça durante o aprendizado - inibem impulsos emocionais destrutivos". (4)

 

Os legisladores da nossa cidade precisam exercer a aceitação da inteligência emocional e suas técnicas para melhorias na Educação como um todo e promover essa discussão, principalmente neste ano de replanejamento.

Ou podem deixar prevalecer em si, em nossa Legislação e em práticas escolares - que a solução é fazer uso de sistema de vigilância e punição (argh!) - agravando o sistema de violência que legitima as práticas como as que permitem ofender um Papa humanitário como nenhum outro foi, ou uma cantora em estágio terminal.

E isso é uma escolha.



"Governar corpos, é fácil, governar mentes, é arte. 
E o medo é o pincel dos tiranos sutis. 
Um povo aterrorizado se agarra às algemas que lhe são oferecidas com a mesma ânsia que um náufrago se agarra a uma tábua podre."

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(1) https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-06/plano-nacional-de-educacao-completa-dois-anos-com-atraso-no-cumprimento-de

(2) https://www.brasildefato.com.br/2022/06/20/a-tres-anos-do-fim-plano-nacional-de-educacao-tem-45-de-metas-em-atraso-e-apagao-de-dados/

(3) https://www.sinteal.org.br/2024/06/plano-nacional-de-educacao-pne-completa-10-anos-com-apenas-4-das-20-metas-parcialmente-cumpridas-alerta-entidade/
e https://institutoorizon.org/blog/plano-nacional-de-educacao/

(4) Citado no livro "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman, ph.D. Editora Objetiva.

(5) Conceito reduzido, simplificação aplicável para o fim ao qual esse texto se destina.

(6) Stephen Jay Gould, paleontólogo, biólogo evolutivo e historiador da ciência, autor de "A Falsa Medida do Homem" (The Mismeasure of Man, 1981).

(7) Howard Gardner, autor de "Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas" (1983)

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Cem dias da Câmara Municipal - R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins

    Eliana Belo Silva

 

Historiadores e outros cientistas de humanidades possuem o hábito de atribuir nomes a períodos ou processos históricos, principalmente para organizar o tempo e tornar a História uma ciência mais compreensível para a maioria das pessoas, objetivo este que é difícil de alcançar. Esses títulos que possuem essa intenção didática, ajudam: (1) a identificar acontecimentos importantes diante da grandeza dos fatos (mesmo em um período ínfimo de cem dias), (2) a estudar causas, fatos e consequências de forma mais clara, na medida em que é possível expandir esses itens a partir de um ponto simbólico e (3) ajuda a facilitar a compreensão de um macro período e seus impactos aplicáveis nas mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais a partir de um único marco.

Com base nessas premissas, eu defendo que o melhor título para os 100 primeiros dias da Legislatura 2025/2028 para a Câmara Municipal de Indaiatuba seja "R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins" (1). 

A morte dele é um marco simbólico, e como tal, é fundamental para entender - sem exagero - como a cidade entende a si mesma, como constrói sua identidade, como interpreta o mundo ao seu redor no período estudado (repito, mesmo que seja ínfimo como o conjunto de cem dias). 

Essa perda é - como todos os marcos simbólicos como datas, monumentos, narrativas, etc. - um acontecimento que deve formar a memória coletiva e o imaginário social de nossa cidade. A morte dele não vai e não deve ser em vão. É a tragédia nomeando um capítulo de nossa história, facilitando a leitura e compreensão dos fatos, para sempre.


Produção Legislativa


  • 42 Projetos de Lei foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril)

  • O primeiro Projeto de Lei (PL) foi protocolado pelo Prefeito Custódio e derivou a Lei 8274 suspendendo aprovação de novos loteamentos e condomínios verticais familiares. Só não foi dito que havia, na data, um conjunto de mais de 60 empreendimentos desta natureza tramitando. O ex-prefeito Nilson Gaspar também sancionou lei como essa no primeiro dia do seu mandato em 2017. A justificativa dada pelo prefeito Custódio foi que  a "medida é necessária para que se possa estruturar melhor as questões relativas à infraestrutura urbana, a fim de garantir que seja mantido o desenvolvimento sustentável da cidade".

  • Dos 42 Projetos de Lei protocolados, 10 foram retirados pelos próprios proponentes, mas o que mais chamou a atenção é o de número 32/2025. O PL foi apresentado pelo prefeito com o objetivo de qualificar as chamadas OSS - Organizações Sociais de Saúde, que são entidades privadas sem fins lucrativos que podem gerenciar serviços de saúde do SUS em regime de parceria público-privada (PPP). Em outras palavras, a gestão do prefeito - que é dentista do SUS, e do vice - que é médico do SUS, pretende privatizar a saúde mais do que já é. A justificativa para retirar o PL foi que "novos estudos serão feitos". Por ter sido retirado, só discorrei sobre essa matéria quando e se ela voltar para legitimar que UBSs, UPAs e outras unidades de saúde passem a ser geridas por particulares.

  • Dos 32 Projetos de Lei do período que tramitaram ou estão em tramitação, 7 foram para nomear ruas e outros cinco foram para criar datas ou períodos alusivos para serem inseridos no Calendário Municipal, entre eles os mais necessários - se derem resultado - foram: (1) a Semana de Prevenção à Gravidez na Adolescência (Dr. Túlio) e o (3) Férias Turquesa, da vereadora Clélia dos Santos, para promover ações contra o cerol e outras armas similares.

  • Assim, dos 32 Projetos de Lei protocolados e que já tramitaram, apenas seis projetos sobraram dessas necessárias (muito necessárias!) exceções.

  • Entre os seis, destaca-se  apenas o de autoria do Prefeito, que repassou verbas para duas entidades: Centro de Convivência Amor Sem Limites - CECAL e Lar de Velhos Emmanuel, (2) de autoria do prefeito Custódio Tavares.

  • 4 Projetos de Decreto Legislativo foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril)

  • Três deles já tramitaram e constam no repositório da Câmara Municipal como Decretos Legislativos aprovados: (1) a homenagem que o vereador Cebolinha fará para o Sr. José Antonio Siscari, atribuindo título de Cidadão Indaiatubano, (2) a aprovação das contas do Prefeito Nilson Gaspar do ano de 2022 e a mais polêmica: (3) a aprovação da viagem do prefeito para o Reino Unido, um mês e meio após a sua posse. 

  • O Prefeito Custódio Tavares licenciou-se, com autorização da Câmara Municipal, entre os dias 15 a 22 de fevereiro para participar de evento sobre Mobilidade Urbana promovido pela empresa Yunex Traffic, que vende "soluções inteligentes de gerenciamento de tráfego", segundo o portfólio disponível no site dela. O prefeito anunciou, em evento no Sesi de Indaiatuba no Dia Internacional da Mulher, que a viagem foi "muito proveitosa" e que até o meio do ano a Secretaria de Transportes Mobilidade Urbana estará funcionando, "conforme compromisso de campanha". Trata-se de uma demanda urgente na cidade, pois o trânsito - item mais complexo do conjunto de ações para melhorar a mobilidade é, depois da Saúde, o serviço que mais recebe críticas da população.

  • 2 Propostas de Emenda à LOMI - Lei Orgânica Municipal foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril).

  • Uma está em tramitação e a outra já está no repositório da Câmara Municipal: é a Emenda a Lei Orgânica No. 006/2025, proposta de autoria dos vereadores Túlio José Tomass do Couto, Alexandre Carlos Peres, Hélio Alves Ribeiro e Leandro José Pinto. 

  • Essa Emenda 6 versa sobre o Artigo 181 da LOMI, que descreve o apoio e incentivo às práticas esportivas em caráter amador no município. Cinco incisos foram acrescidos sobre o caráter desses apoios e incentivos: (I) que será prioritariamente no âmbito educacional, (II) que  inclui a formação de equipes de base e formação, (III) que haverá apoio em eventos, (IV) que incentivará o esporte com pessoas com deficiência. Até aí, os acréscimos foram claros, necessários e até óbvios do que se espera de uma Secretaria de Esportes cujo objetivo são os esportistas locais. Mas o inciso V contraria de forma literal o artigo no que tange ao foco, que é o esporte amador,  legislando que a Secretaria de Esportes passará a apoiar "eventos ligados ao esporte de alto rendimento para equipes e entidades esportivas que representam o Município em competições regionais, estaduais, nacionais e internacionais".  Os autores justificaram que "a nova redação pretende garantir uma estrutura mais abrangente e inclusiva, contemplando diferentes segmentos esportivos e reforçando o papel do esporte". Mas não explicitaram como aplicarão esse "aumento de abrangência" para essas equipes de alto rendimento nessas competições fora da cidade, nem como/quanto isso irá funcionar/impactar no Orçamento. Para quem conhece e valoriza a História, principalmente como meio de aprender com os erros para evitá-los e considera antiga ADI - Associação Desportiva Indaiatubana e como ela funcionou - ficam muitas questões, como por exemplo: como serão feitas as dotações orçamentárias, como serão firmados os acordos (ou algo que o valha - com nome mais adequado) e sobretudo qual retorno isso dará.


Gestão e Controle da Qualidade da Produção Legislativa


Em organizações que possuem um sistema de gestão da qualidade, há a aplicação de três conceitos: a eficiência, a eficácia e a efetividade.

Resumida e simplificadamente, a eficiência é o qualitativo aplicado para a condição de "fazer" (ou não) os produtos e os serviços; por consequência, podemos dizer que a produção legislativa nesses cem primeiros dias foi eficiente, ou seja: foram feitas muitas matérias.

A eficácia é um qualitativo mais exigente do que a eficiência: é fazer, mas fazer bem feito, com indicadores como rapidez, redução de impactos, redução de riscos, redução de custos e outras métricas. Neste sentido e com base em todas as análises anteriores, houve um conjunto muito pequeno de matérias eficazes, que realmente darão algum resultado para um grupo considerável de pessoas ou para o meio ambiente. 

Já a efetividade da produção legislativa é ínfima. A efetividade é o resultado prático das ações na vida das pessoas e no meio ambiente, é um resultado verificável, que os envolvidos reconhecem a aplicação do serviço ou produto de forma positiva. Com base nesse resultado e se alguém realmente fiscalizar e dar publicidade, apenas UMA matéria tem efetividade: a que o prefeito destinou verbas para entidades.

Com a palavra, os vereadores

Até agora pode-se afirmar com absoluta certeza que essa é a Legislatura mais quieta da História quanto ao uso do púlpito. Os edis usam a palavra para defender suas sugestões através das Indicações e para prover homenagens através de Moções, muitas vezes questionáveis.

Mas abdicam de justificar seus votos quando se trata de Projetos de Leis. Nem os próprios projetos eles defendem. Não justificam o motivo de optarem por aceitar os Projetos de Lei em regime de urgência, nem por não aceitarem. Se omitem e, nesses casos, nem precisam falar: o silêncio grita mais do que as palavras; mostram a subserviência e outras definições que evitarei aplicar.

Os dois vereadores da Oposição são os únicos que toam a iniciativa para usar a Palavra Livre e o Líder de Governo (Cebolinha) ou o Presidente da Mesa em exercício no momento (geralmente Alexandre Peres) respondem, geralmente de forma evasiva e sem contra-argumentarem perante conteúdos objetivamente expostos até com números rastreáveis. Partem para defender o Governo sob aplausos de suas assessorias e isso não é uma crítica, é um registro: fazem o que é obrigação. Escolheram esse papel e ponto. 

De todos os debates, o de maior destaque positivo foi o que aconteceu entre o vereador da Oposição Du Tonin, que trouxe números defendendo a viabilidade de um Hospital Municipal e a resposta do Líder de Governo Cebolinha, que mostrou o gráfico ascendente dos atendimentos de pacientes com suspeita de dengue nos últimos três meses. Ambos argumentaram, mostraram números, informações sólidas e assim apresentaram o conteúdo civilizadamente, sem necessidade de competir ou ganhar, como acontecia cansativa e irritadamente na Legislatura passada. Discorrer sobre assuntos controversos é uma prática essencial em qualquer sociedade democrática. A troca de ideias divergentes, quando feita de forma civilizada, não só enriquece o debate público, mas também promove a compreensão mútua, a tolerância e a coesão social. E os presentes agradecem quando não se subestima a inteligência dos outros.

Sobre as Indicações, as sugestões dos vereadores continuam sendo, na maioria, em relação ao trânsito e, em segundo plano, um conjunto de pedidos referentes à zeladoria do município. Quando eu puder entender qual é o motivo que um vereador da Base do Governo precisa defender em púlpito que um buraco seja fechado (em vez de conversar diretamente com o Secretário), eu volto aqui, edito e explico. Por enquanto - fica só a dúvida - e isso não é uma ironia.

Ainda sobre as Indicações, não há como levantar estatísticas. O site da Câmara Municipal possui um repositório com 820 Indicações apresentadas nesses 100 dias, o que dá robustez para afirmar que há eficiência. Quanto à eficácia e efetividade, é impossível saber: segundo o site da Câmara, todas essas matérias estão paradas na porta do Gabinete do Prefeito, na Secretaria de Comunicação Institucional, sem respostas consultáveis.

Para registrar uma análise mínima as mídias dos vereadores foram consultadas, mas não é possível saber o quanto de eficácia ou efetividade há na produção de seus gabinetes. O vereador que mais demonstrou os resultados de suas Indicações (mais ainda assim poucas delas) é o vereador Índio da 12. O blog procurou o vereador para obter mais informações sobre essa prática bacana do gabinete dele, mas a assessoria informou que para entrevistá-lo teria uma fila, então a conclusão ficou inviabilizada, por conta da temporalidade do texto. E isso também não é uma ironia.

As palavras mais referenciadas pelos vereadores nestes cem dias foram CEROL e DENGUE. E é por esse motivo que termino retornando ao conteúdo da introdução deste longo registro.

O notável Maestro Marcelo Antunes Martins morreu neste verão de 2025, sua vida esvaiu-se cerca de 20 minutos após ele chegar em casa, retornando da busca por atendimento médico. Vitimado pela dengue, vídeo divulgado por uma familiar relata claramente que ele foi vítima da falta de eficiência mínima.

Ouvindo o relato, evidencia-se que ele foi subatendido, subouvido, subescutado, subpercebido, subconsiderado. O protocolo para atendimento de pacientes com suspeita de dengue não foi aplicado nele. O direito à vida foi-lhe subtraído. Ele foi negligenciado... e morreu.

Ele jaz em um Sistema falho, que superlotou as unidades de Saúde com muitas pessoas incapacitadas. Um Sistema que também é subfiscalizado, pois quem deveria fazer isso, está no conforto de sua mesa em um ambiente com ar condicionado e Wi-Fi para conferir os likes advindos do marketing pessoal.


R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins
Velado na Câmara Municipal de Indaiatuba  (aqui contém ironia)

 

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(1) Sobre o Maestro Marcelo Antunes Martins, você pode ler aqui, aqui e aqui.


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ANEXO I - 

Vereador Prof. Sérgio responde ao blog  os motivos que o levaram a votar de forma favorável ao Projeto de Lei sobre o reajuste dos funcionários públicos municipais, inclusive em Regime de Urgência:

Prezada Eliana Belo.

É muito bom ter veículos de comunicação sérios para que possamos esclarecer nossas ações enquanto representantes políticos do município de Indaiatuba.

Sobre não utilizar o púlpito, quero deixar claro, que desde 19 de fevereiro de 2025 venho em tratativa com o executivo para analisar com cuidado e respeito a valorização ao servidor público municipal e naquele momento a exaltação de alguns presentes atrapalhava a todos que tentavam falar, então preferi não usar o púlpito, mas falei com vários servidores que estavam presentes, antes e após a sessão, assim como também conversei com vários servidores de diversas secretarias nas semanas anteriores.

Enquanto vereador, protocolei o ofício 72/2025, solicitando ao executivo um estudo para aplicar ao menos 10% de reajuste salarial e se possível dobrar o valor do cartão. Além de protocolar o ofício ainda fiz algumas reuniões com a chefe de gabinete institucional, Graziela Garcia e com o prefeito Dr. Custódio Tavares, que explicaram a real situação.

Concomitante a essas ações, fui acompanhando os bastidores das negociações da Apeoesp e dos Sindicato dos Servidores, e observando a postura dos professores e demais servidores do município, tais como saúde, segurança e outros.

A proposta do executivo foi de um repasse no salário de 5,5% e um aumento real nocartão alimentação que passará de R$ 504,00 para R$ 1.200,00, aumentando o poder de compra de todo servidor municipal, sem incidência no desconto do Imposto de Renda e Seprev, e atendendo todos os 6274 atuais servidores. Um investimento mensal de R$ 7.528.800,00, aumento significativo de 138,90%, ou seja, investimento anual de R$ 90.345.600,00, apenas em cartão alimentação.

Quanto ao voto em regime de urgência, foi para que o executivo tenha o tempo hábil de organizar a folha de pagamento e não atrasar o repasse a ninguém, ou seja, pensando no servidor ou pelo menos na maioria deles, agilizando também o processo de liberação para que a prefeitura realize licitação da empresa que fornecerá os cartões, visto que as negociações já haviam sido tratadas anteriormente e que em uma assembleia de um dos sindicatos, de acordo com informações de alguns que participaram da assembleia, a aprovação pela proposta do executivo foi de mais de 70% dos presentes.

Alegar desconhecimento das negociações é algo surreal e oportunista, visto que durante o mês de fevereiro os sindicatos se pronunciaram, protocolei o ofício citado acima e divulguei em minhas redes sociais, além de muitos servidores comentarem sobre as tratativas em diversos lugares e eventos que nos encontrávamos.

Claro que desejamos também um aumento real nos salários e essa foi uma das minhas solicitações no ofício, mas como deixei claro, as negociações devem ser entre executivo e servidores, representados por seus respectivos sindicatos, e mesmo assim consegui com que 50% do que estava no ofício fosse atendido, ou seja, dobrar o valor do cartão, que na verdade mais que dobrou. Ontem após a sessão e em conversa calorosa por parte de alguns integrantes do sindicato e de alguns servidores, sugeri, assim como fiz ao executivo, que as negociações para 2026 iniciem ainda no ano de 2025, proporcionando maior debate, elaboração e planejamento.

Sempre me coloquei à disposição de todos e continuarei me mantendo assim, à disposição.


ANEXO 2 - 

Vereador Alexandre Peres responde ao blog  os motivos que o levaram a votar de forma favorável ao Projeto de Lei sobre o reajuste dos funcionários públicos municipais, inclusive em Regime de Urgência:


Bom dia Eliana

 

Segue resposta:

 

Na verdade, eu queria muito ir à tribuna para defender principalmente o ganho no valor do cartão cesta, que foi de 138%. Uma luta que iniciamos juntos e uma grande conquista para os servidores públicos. No entanto, o tumulto gerado durante a sessão de ontem impossibilitou qualquer defesa, foi lamentável.

 

Com relação ao dissídio, o reajuste para os servidores públicos aprovado ontem, de 5,5%, foi favorável, pois está acima dos índices inflacionários apurados, cuja média é de 4,87%:

  • Ufesp para 2025, variação de 4,69%; 
  • IPCA (março de 2024 a fevereiro de 2025) 5,06%; 
  • INPC (março de 2024 a fevereiro de 2025): 4,87%.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Bondes em Itaici em 1891

O Jornal Correio Paulistano de 1891 publicou que o Dr. Francisco de Paula Pinto e Affonso Hartunh solicitaram, para a Superintendência de Obras Públicas do Governo da então Província de São Paulo, a instalação de uma linha de bondes ligando Campinas à estação ferroviária de "Itaicy" (como era grafada a palavra na época) pela via da Companhia Ituana de Estradas de Ferro, que antecedeu a Companhia Estrada de Ferro Sorocabana.


 

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Historiadora é homenageada por vereador em Sessão da Câmara Municipal

Moção justa para 13 anos de pesquisa!


Na Sessão da Câmara Municipal de Indaiatuba desta semana, realizada em 31/03, o vereador Luiz Alberto "Cebolinha" Pereira homenageou a professora, pesquisadora e escritora Silvane Leite Poltronieri, através de uma Moção de Congratulação que foi aprovada por unanimidade pelos demais vereadores.

Vereador Cebolinha, a homenageada Profa. Silvane e companheiro, Cesar Poltronieri
Crédito: Câmara Municipal de Indaiatuba (divulgação)


O vereador Cebolinha apresentou sua homenageada informando que "Silvane Leite Poltronieri, é natural de Corinto/ MG, formada em História e Pedagogia, Pós-Graduada em Gestão Escolar e Mestre em História da Educação, ingressou na carreira literária em 2004, trabalhou na Fundação Pró Memória de 1994 a 2003. Começou a lecionar em escolas particulares e Estado desde 1991, sendo então professora de História. Em 2003, começou a lecionar na Secretaria Municipal de Educação em Indaiatuba até os dias atuais, onde, desde 2018, responde pela gestão da EMEB Prof.ª Maria Ignêz Pinezzi. Silvane ainda é autora dos livros “História e cotidiano na formação docente” (2007),  e coautora de outras obras entre elas, “Guia de Fontes para a História da Educação em Indaiatuba” (2004) e “Indaiatuba pesquisas e estudos do meio” (2004)." 


O livro “Primórdios da Instrução Pública no Brasil: O caso de Indaiatuba - 1854/1930” (2024) lançado pela historiadora é o desfecho da pesquisa de 1994 a 2007, feita em sua maioria na Fundação Pró- Memória de Indaiatuba, no arquivo de Itu (Museu Republicano) e no Arquivo do Estado de SP. O incentivo a escrever a História da Educação em Indaiatuba, partiu do Profº Dr. José Luiz Sigrist, àquela época, membro do Conselho Administrativo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.


Para quem quer adquirir o livro "Primórdios da Instrução Pública no Brasil: O caso de Indaiatuba - 1854-1930", segue o link para compra direto neste link, com a Editora CRV


O livro conta o início da implantação da instrução pública no Brasil e como Indaiatuba se adequou às normativas sobre educação. A pesquisa visou investigar a estruturação da Instrução Pública em Indaiatuba, no período de 1854 a 1930, destacando nesse processo a implantação em 1895 do primeiro Grupo Escolar da cidade e sua dissolução, dois anos depois.

De acordo com a também historiadora Eliana Belo Silva (que escreveu a apresentação do livro) – “Propondo-se a pesquisar e a escrever sobre a história da instrução pública em Indaiatuba entre os anos de 1854 e 1930, Silvane teve, antes de tudo, de escrever sobre a própria Indaiatuba, tarefa que encontrou o mesmo difícil caminho da busca por quase inexistentes precedentes acadêmicos. Em outras palavras, o desafio foi ainda maior, já que ela se obrigou a pesquisar a sociedade indaiatubana como um todo para só então entender acontecimentos específicos na área da História da Educação. Para preencher uma lacuna, ela descortinou outra.”

“Fiquei muito empolgada com a pesquisa e com as descobertas sobre a história de Indaiatuba - minha cidade do coração (moro aqui há 45 anos). Também me surpreendi com a receptividade do livro - muitas pessoas ficaram encantadas com o material publicado e com a riqueza de dados” dia a homenageada Silvane.


Vereador Cebolinha destacou a relevância do trabalho de Silvane, que é do quadro de funcionários públicos municipais de carreira,
 estando lotada na Secretaria Municipal de Educação.



Moção de Congratulação


Uma Moção de Congratulação é mais do que um simples reconhecimento formal — é um gesto carregado de emoção e significado. Trata-se de uma homenagem oficial proposta pela autoridade legislativa, para expressar admiração, respeito e alegria diante de uma conquista, de um gesto nobre,  ou de uma trajetória inspiradora. Algumas vezes ela tem sido usada em nossa Câmara sem a devida importância que deve ter, inclusive sendo atribuída largamente por trabalhos remunerados que funcionários públicos ou agentes políticos têm a obrigação de fazer (ganhando para isso, inclusive), diminuindo a relevância da homenagem ao nível conceitual da pieguice extrema.


Atribuir uma Moção de Congratulação para a prof. Silvane é como se, por meio das palavras, a coletividade dissesse: "Vimos o que você fez, sentimos orgulho e queremos eternizar esse momento". A moção de congratulação deve celebrar o esforço, a dedicação e o impacto positivo que alguém teve na vida de outros.


É como se, por meio das palavras, a coletividade dissesse: "Vimos o que você fez, sentimos orgulho e queremos eternizar esse momento". A moção de congratulação celebra o esforço, a dedicação e o impacto positivo que alguém teve na vida de outros. 


Ela transforma atos de valor em memória, 

transforma feitos individuais em inspiração coletiva.


Em cada linha de uma moção, há gratidão. 

Em cada assinatura, há respeito. 

E em cada leitura, há o calor de um coração que reconhece outro. 

Foi neste sentido que testemunhamos uma rara Moção que realmente cumpriu a função que ela tem: reconhecer uma professora da nossa Rede Municipal como uma notável pesquisadora e a mais produtiva funcionária pública no quesito de publicações científicas. 

ISSO sim, é uma Moção válida.

Parabéns Profa. Ma. Silvane Leite Poltronieri pela produção literária e parabéns para o vereador Cebolinha pela sensibilidade e acurácia na escolha da homenageada.



sábado, 29 de março de 2025

História do Esporte Clube Primavera

Eliana Belo Silva


Hoje,  sábado, dia 29 de março de 2025, o Esporte Clube Primavera conquistou uma posição histórica; pela primeira vez chegou na elite do futebol paulista após uma campanha notável na Série A2 do Campeonato Paulista de 2025, o que o levará para disputas junto ao seleto grupo de clubes paulistas no ano que vem. Para homenagear o nosso querido "Primavera", hoje o blog conta um pouco da história dele, com base em informações do livro "História de Indaiatuba na perspectiva biográfica de Antônio Reginaldo Geiss", de minha autoria.

 



Antecedentes - parte 1

Em 1908, nasceu o primeiro time de futebol de Indaiatuba: o Sport Club Primavera, cujo time jogava futebol com gravata, conforme você pode conferir na imagem abaixo. 

Primeiro time Sport Club Primavera, que existiu entre 1908-1916.

Esse primeiro "Primavera" - que não é o atual - treinava e jogava no "Largo das Caneleiras", que atualmente se chama Praça Rui Barbosa mas é apelidada de "praça dos peixes". A agremiação  durou até 1916, mas nem por isso deixou de ser notícia nos parcos jornais que existiam no início do século passado, há mais de cem anos atrás:


No domingo, 8 de novembro de 1914,286 o ‘Sport Athletico Club Primavera’ jogou, no “Pátio das Caneleiras”, um match com um team vindo de Salto. (1)

 Ou ainda:

No próximo domingo o Club de Foot-Ball de Capivary, para disputar um match no mesmo campo com o nosso ‘Primavera F.B. Club’. (2)

Houve uma tentativa de regulamentação desse time em 1909, mas não houve êxito. Vale registrar que nessa época, o chefe do poder executivo local era o Major Alfredo Camargo Fonseca, que tinha um grupo político rival comandado pelo comerciante Francisco Xavier da Costa, o Chico Boticário, dono na única farmácia que Indaiatuba teve por anos: a Farmácia Candelária. A rivalidade desses dois grupos foi tanta que, durante a primeira metade do século passado, a cidade se dividia em "grupo do Major" e o grupo do Boticário", sendo que cada grupo tinha lugares específicos para frequentar e com o futebol, não foi diferente. É relevante citar isso, pois esse primeiro Primavera foi formado pelo grupo do Major e, portanto, era boicotado pelo grupo do Boticário, que tentou, inclusive, formar outro time , mas o Major negou todos os pedidos formais, tendo essa negativa até sido motivo de informação em jornal da capital: 

“Indaiatuba tinha que ter um time só... para que desunir se um time só podia unir? (3)

Indaiatuba não tinha imprensa escrita e quando o time entrou em crise e se extinguiu, nossa cidade vivenciava o período subsequente ao episódio do ápice do conflito entre o Major Alfredo Camargo da Fonseca e o pároco local, o vigário Miguel Guilherme (episódio do Bispo D. Nery). Então, além do conflito político contra o grupo do Boticário, houve também esse confronto intenso que acabou gerando uma crise no futebol, colaborando para a extinção do time.


Antecedentes - parte 2

O primeiro Primavera foi extinto mas, no mesmo ano - 1916 - o Indaiatubano Futebol Clube, apelidado de Bitola Larga, e dois anos mais tarde, em 1918, surgiria o Corinthians Futebol Clube, oriundo de uma dissidência do Indaiatubano. 

Inicialmente, esses dois times jogavam – não entre si, em terrenos abertos, ou “largos”. Usavam principalmente o Largo das Caneleiras e o terreno onde mais tarde seria construído o Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes.

O Indaiatubano foi formado pela turma do Chiquinho Boticário, da Farmácia Candelária, formada pioneiramente pelos Lisoni, os Minioli, Nunes Beccari, Milani, Zoppi; tinha uma quadra gramada, cercada por pinhão paraguaio na antiga Rua da Palha (atual Pedro Gonçalves) na quadra entre ruas 11 de Junho, Candelária e 24 de Maio, propriedade que mais tarde foi do Vicentão Bernardinetti.

O Corinthians, do grupo do Major, originalmente, surgiu mais elitizado, cujo primeiro presidente foi Sebastião Teixeira de Camargo (Teté) formou-se com os Steffen, Skupien, Albrecht, Lyra, Araújo Campos, Nicolau, Guimarães, Pioli, sendo que um grupo dessa primeira formação ganhou da Prefeitura um terreno (que foi apelidado de terrenão ou areião) para fazer uso como um campo para o time, justamente onde mais tarde seria o primeiro campo do Primavera: a quadra entre as ruas 11 de junho e 24 de maio, entre as ruas 15 de Novembro e Pedro de Toledo, na frente da praça do Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes. Araticuns e indaiás foram retirados para fazer o descampadão.

Corinthians e Indaiatubano eram mais do que rivais de campo, chegavam a ser arqui-inimigos. Consta que jogaram apenas duas vezes um contra o outro, mas era tanta rivalidade que os “jogos não terminaram” (4). Contra os outros times de Salto, Itu, Capivari, Porto Feliz, Piracicaba, houve várias partidas, para onde os times iam de trem, em uma empreitada parecida com uma excursão: iam no sábado, voltavam na segunda-feira. As famílias acompanhavam os jogadores, era um evento chique, o futebol tinha aquele glamour de ascendência inglesa.

Há indícios que time, torcedores e simpatizantes de um time só frequentavam o Cine Internacional (na esquina da rua Pedro de Toledo com a rua Cerqueira César, onde mais tarde seria o Villanova) e o outro time com seus torcedores e simpatizantes só frequentavam o Cine Recreio (Praça Prudente de Morais) de Miguel João.

Era um ódio figadal.


E nasce o o Primavera

Com uma Indaiatuba do tamanho de um ovo, os dois times ficaram fracos, perdendo partidas e sem atrair torcida. O Major chamou os envolvidos e propôs uma união, para fortalecer o futebol de Indaiatuba, e os que não estavam desanimados, os que não haviam debandado, aceitaram a fusão. Em nome do esporte, hoje apontado como relevante estratégia de inclusão social, relevaram a rivalidade política e por um tempo prevaleceu a união.

Assim, quando estes dois times se tornaram um só, em ata lavrada no dia 27 de janeiro de 1927, a denominação escolhida foi em homenagem àquele pioneiro Sport Club Primavera do início do século. Essa ata foi feita em livro outrora pertencente ao Corinthians e como prova da união dos dois times, todas as taças, medalhas e prêmios até então conquistados pelos dois foram unidos em uma sede só, a do “novo” Esporte Clube Primavera no “Campo da Rua 15” (na quadra onde hoje é o Magazine Luiza).


Ata de Fundação de 27 de janeiro de 1927.

Sócios-fundadores que eram do Corinthians: Alberto Magnusson, Alfredo Delboni, Antônio de Oliveira Bueno, Antônio Magnusson, Antônio Nicolau, Benjamin Lyra, Berger Guimarães, Bruno Skupien, Cristhiano Steffen, Eduardo Stahl, Eduardo Steffen, Evaristo Delboni, Francisco Lanzi Tanclér, Gabriel Nicolau, Guilherme Magnusson, Hermenegildo Pinto, Humberto Lyra, Humberto Prandini, João Albrecht, João de Campos, João Gomes, João Vitorio Escodro, Jorge Nicolau, José Bannwart, José Gomes, José Pires Camargo, Júlio Luiz Escodro, Júlio Nicolau, Juvenal Fonseca, Luiz Delboni, Miguel João, Nabor Pires Camargo, Odilon Ferreira do Amaral, Otavio Pires de Camargo, Paulo Von Ah, Primo Groff, Ranulfo Fonseca, Ricieri Delboni e Sebastião Nicolau.

Sócios-fundadores que eram do Indaiatubano: Adamo Estrada, Afonso Bonito, Alberto Ferrarezzi, Ângelo Bruni, Antônio Balduíno de Campos, Antônio Sarain, Arnaldo Estevam de Araújo, Benedito Estevam de Araújo, Celso Arthur Martini, Ciamo Minioli, Constantino Civolani, Eduardo Leite, Eduardo Miguel Ferreira, Efídio Mosca, Elpídio Gazzignatto, Eutemiro José Lisoni, Felício Gadia, Gentil Lopes, Guerino Lui, Henrique Dércoli, Hercules Tomazi , Humberto Milani, Ildo Martini, Ítalo Pínfari, João Batista Nunes Beccari, João Ferrari, João Sarain, João Tomazi , José Minioli, José Munhoz Filho, José Quinteiro, Luiz Gonzaga Lopes, Manoel Quinteiro, Odilon de Oliveira Cordeiro, Rêmulo Zoppi Vitorio Zoppi.

O Major Alfredo Camargo Fonseca, que também assinou a ata, diferente dos demais, não se identificou como sendo anteriormente do Corinthians ou do Indaiatubano; mas ele era do Indaiatubano.


Mascote - "o fantasma da ituana"

Foi Francisco Tanclér, quem criou o apelido “Fantasma da Ituana”. Conta-se que o nome adveio do “pavor” que o time impunha, assustando os adversários. A mascote, um jogador com máscara e capa preta, era também vestido com o uniforme criado – por sugestão de Berger Guimarães - das cores dos times anteriores ao Esporte Clube Primavera: o Indaiatubano usava branco e preto e o Corinthians, vermelho. Com a fusão, o uniforme do Primavera passou a ter esse tricolor. O primeiro esboço do temível fantasma da ituana também foi desenhado por Chico Tanclér.  O memorialista Antonio Reginaldo Geiss conta que 

"...também foi ele quem criou o logotipo ou distintivo, que muitos dizem que o Primavera copiou do São Paulo Futebol Clube. Bobagem. O Primavera é mais antigo que o São Paulo, que foi fundado em 1930, três anos depois que o Primavera, e a inspiração adveio de um logotipo da APEA, e o próprio Francisco Tanclér confidenciou isso para Hélio Milani. Isso virou piada e não são poucos os indaiatubanos que, até hoje, dizem que o São Paulo copiou o símbolo do Primavera."

Logo após a fundação, jogos animados foram noticiados pela imprensa, entre eles, as partidas contra o Americano de Itu, em junho de 1929; contra o C. A. Ipiranga de Campinas logo em seguida, em agosto, no qual ganhou de cinco a zero e um especialmente infeliz, em 4 de setembro do mesmo ano, contra o Rocinhense. O time visitante estava ganhando de 2 a 1 quando os jogadores começaram a brigar, a ponto de se machucarem. Certo torcedor do time da Rocinha estava no meio da torcida do Primavera, que a certa altura, resolveu invadir o descampado para agredir o juiz. O solitário partiu para defesa do árbitro, apanhando até com pedaços de pau...


(...) ficando bastante ferido. A partida foi suspensa e, o que é de notar, nenhuma autoridade compareceu em campo, para remediar o ocorrido. (5)

Na década de 1930 o Primavera se inscreveu na APEA – Associação Paulista de Esportes Atléticos (originalmente Associação Paulista de Sports Athleticos), entidade de futebol de São Paulo. 

Em setembro de 1940 o Primavera solicitou filiação na Liga de Futebol do Estado de São Paulo e nessa década, a paixão já existente dos indaiatubanos pelo time explodiu, quando então conquistou vários jogos, entre eles em duas campanhas memoráveis para a época: Campeão Amador do Interior da 15a Região em 1944 e campeão da série “Carlos Rolim”, sagrando- se também campeão da 4a Região em 1949. Geiss conta que...


Na década de1940, início da 50, no domingo em que o Primavera jogava era um dia de festa. A gente ia ao campo de futebol, a banda ia junto, o campo ficava lotado, muita gente. A arquibancada não era muito grande, mas lotava. Ainda o campo era de terra, a grama só foi cuidada no meio da década de 1940 e isso era uma vantagem para nós. Os times que vinham aqui eram acostumados na grama e ao chegarem aqui naquele terrão, apanhavam mesmo. O Primavera jogava com paixão. Era um futebol puramente amador, jogado praticamente com jogadores locais, e ninguém ganhava nada. Os jogadores trabalhavam durante o dia, iam treinar depois das cinco da tarde. Terminada a jornada de cada um, corriam para o campo com suas bicicletas e suas chuteiras adquiridas com o próprio labor. O Bar Central do Olívio foi a sede do clube durante um tempo e ali, ganhavam uma barra de chocolate quando obtinham uma vitória e – olhe lá – às vezes, depois do treino.

Campo e time do juvenil do Primavera em 1946


Em 1949, um dos mais famosos capítulos do Esporte Clube Primavera até então, aconteceu. O jogo da final foi marcado para uma quarta-feira, 05 de outubro às 3 horas da tarde em Capivari, no campo do Capivariano. Caminhões e vagões lotados foram para o local, também incentivados pelo ponto facultativo declarado pelo prefeito Lita – Luís Teixeira de Camargo Júnior.

Somente em 1952 o Primavera competiu profissionalmente pela Federação Paulista de Futebol, quando disputou a 2a Divisão de Profissionais. Até aí, fora uma somente imensa paixão amadora. Logo em seguida, voltou à 3a Divisão quando a Federação Paulista de Futebol passou a exigir o mínimo de 50 mil habitantes para sede de clube daquela categoria. Disputou nessa categoria em 1954 e 1958 e só voltou a competir profissionalmente em 1976, novamente no Campeonato Paulista da 2a. Divisão, provavelmente ganhando um fôlego pelo ufanismo dado ao futebol no Regime Militar, que tomou os jogadores e o próprio esporte para fazer (de novo) propaganda “positiva” do seu execrável governo onde, à cada grito de gol, uma assinatura censurando, alguém torturando ou uma pessoa sumindo, era fato corriqueiro.

Em 1977, conseguiu o acesso à 1a Divisão (atual série A3) após sagrar- se campeão da 2a Divisão do Estado de São Paulo. Os anos se passaram e, com as mudanças no regulamento da competição, a equipe voltou à 2a Divisão, entre 1982 e 1986, disputando, em 1987, a Divisão Especial.


Laércio Milani - o goleiro primaverino que conquistou duas Libertadores

Até o início da década de 2010, o Primavera já havia conquistado mais de 190 troféus e competiu com grandes times como a Portuguesa de Desportos, Portuguesa Santista, C. A. Ipiranga, Guarani F. C., Ponte Preta e Olaria, todos que já pertenceram à divisão principal e contribuiu para capacitar craques reconhecidos como o goleiro Laércio José Milani, que atuou por vários clubes do Estado de São Paulo, mas se destacou no Santos Futebol Clube, no qual conquistou seus principais títulos: duas Libertadores (1962 e 1963), dois Torneios Roberto Gomes Pedrosa (1961 e 1964) e seis Campeonatos Paulistas (1958, 1960, 1961, 1962, 1964 e 1969). Laércio jogou com Pelé e faleceu com 54 anos em 29 de agosto de 1985.


Adeus, quadra. E nasce o Gigante da Vila

Em 29 de junho de 1961, o Primavera saiu do "Campo da Rua 15" (por conta de uma história que contarei à parte, com capítulos surpreendentes) e inaugurou o seu estádio Ítalo Limongi, onde, a partir do ano que vem, receberá times de primeira grandeza do Futebol Paulista.



O sonho de ir para a primeira divisão pareceu ficar mais próximo em 2007, quando o nosso Primavera fechou parceria com o time espanhol Real Racing Santander e passou a ser um clube empresa, com o nome de Real Racing Primavera. O então prefeito José Onério da Silva, em uma cerimônia que contou com a presença do presidente do Racing, Francisco Pernia, o presidente de futebol do Primavera, Marcos Rodrigues, o Magu, o presidente do Social do time, Tadeu Leite, e representantes do esporte da cidade, prometeu ceder um terreno de 34 mil m2 para as futuras instalações do novo projeto.

O contrato foi elaborado por cinco anos, no qual o clube espanhol prometeu investir dois milhões de euros. Os executivos do Racing Santander escolheram Indaiatuba após “visitar várias cidades” e segundo Pernia, a intenção seria levar, finalmente, o querido Primavera à elite do futebol.

Essa parceria, fechada após o término da série A3, foi um desastre. A identidade do Esporte Clube Primavera foi maculada, até parte do Gigante foi pintada de verde. O time sofreu derrotas com goleadas humilhantes e o brasão foi modificado: o escudo foi envolvido com um fundo verde, da cor do Real Racing e  não foi daquela vez que conseguiu a tão esperada vitória que conseguiu hoje, dia 27 de março de 2025.  Em 2010, após fim da desastrosa parceria, o Primavera passou a caminhar com suas próprias pernas, fazendo uma excelente campanha na Segunda Divisão quase rendeu o acesso de volta para a Série A3.



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(1) Jornal Correio Paulistano de 9 de novembro de 1914 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

(2) Jornal Correio Paulistano de 26 de novembro de 1914 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

(3) Jornal Correio Paulistano de 9 de abril de 1909 – Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

(4) MILANI. Hélio. Hélio Milani (depoimento 1996, 2001, 2005), Indaiatuba. Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 1996.

(5) Jornal Diário Nacional 04 de setembro – Hemeroteca da Biblioteca Nacional

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