sexta-feira, 23 de maio de 2025

Municipalidade doa terreno para construção da sede da Polícia Militar em Indaiatuba

      Eliana Belo Silva

A História enquanto Ciência

Um fato histórico pode ser escrito de formas diferentes, como por exemplo, com o uso de abordagens específicas quanto aos seus pressupostos filosóficos - sendo que o positivismo e o materialismo histórico são métodos bem distintos e muito usados. De início quero destacar neste texto, mesmo que de forma muito resumida, as principais estratégias e objetivos desses métodos.

O positivismo praticamente reduz a História à uma ciência baseada em documentos oficiais observáveis e verificáveis de forma inquestionável, focando geralmente em um grande personagem como sendo o responsável heroico do fato abordado, com a função principal de ordenar uma linha do tempo auditável e neutra. Exemplos: (1) com base na Carta de Pero Vaz de Caminha, Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil em abril de 1500 ou (2) com base na Lei 8303/2025 o prefeito Custódio Tavares viabilizou a doação do terreno para a Polícia Militar em Indaiatuba em maio de 2025.

Já o materialismo histórico pode fazer  uso das mesmas fontes, pode citar nomes de envolvidos mas não é reducionista, uma vez que seu principal foco é descrever o processo histórico de forma ampla, escancarando os conflitos e disputas de todos os envolvidos, com foco principalmente nos interesses econômicos, mas também políticos, sociais e culturais. 

Enquanto o positivismo busca uma análise exclusivamente documental e empírica para produzir uma narrativa supostamente imparcial e neutra, a abordagem do materialismo histórico busca compreender os interesses em jogo, as contradições das relações, buscando descrever os mecanismos de dominação e exploração, visando o desenvolvimento da criticidade e, com ela, as ferramentas para a transformação da sociedade. Em resumo, para o materialismo histórico, a História é uma ferramenta de emancipação humana através do senso crítico.


A História da doação do terreno para a sede da Polícia Militar em Indaiatuba e a disputa pelo protagonismo

  • Em 29/01/2008 o primeiro Projeto de Lei 9/2008 que dispunha sobre a doação de terreno municipal para a Polícia Militar do Estado de São Paulo para a construção da 4a. Companhia foi protocolado pelo então prefeito José Onério da Silva. 
  • No dia 15/07/2008, José Onério da Silva protocolou o segundo projeto de autoria dele - o PL 159/2008, que em vez de doar para a Polícia Militar, doava para a Secretaria da Fazenda do Estado, com destino à Secretaria de Estado de Negócios da Segurança Pública, com direcionamento à Polícia Militar.  Pelo conteúdo da ementa, conclui-se que o PL anterior estava errado e foi corrigido por este. 
  • Em 05/12/2008, 25 dias antes do final do mandato, o prefeito José Onério da Silva apresenta a terceira tentativa, o PL 235/208, cuja emenda propõe um 'convênio' com o Governo do Estado de São Paulo para o mesmo fim. Esses três projetos de lei constam no site da Câmara Municipal  com o status de 'tramitação encerrada' e 'aprovado', mas não há acesso  ao repositório do processo de cada um deles para análise de informações e dados complementares.
  • Em 31/12/2008 o prefeito José Onério terminou o seu mandato e assumiu, pela segunda, vez, o prefeito Reinaldo Nogueira Lopes Cruz, que não apresentou nenhuma iniciativa no Legislativo para doar terreno para a Polícia Militar. O assunto, por iniciativa do Executivo, voltaria à Câmara mais de dez anos depois, em 2017, por iniciativa do então prefeito Nilson Gaspar. Durante esse período e até a data de publicação deste texto (23/05/2025) a Polícia Militar de Indaiatuba continua sediada em um imóvel alugado e adaptado.

Prefeito José Onério da Silva foi o pioneiro em tentar melhorias para a sede da Polícia Militar 
em Indaiatuba no Poder Executivo.




Após cinco anos sem iniciativas para melhorar a estrutura da Polícia Militar, o então vereador Bruno Ganem coloca em pauta o pedido de mais viaturas; os demais vereadores citavam a PM apenas para pedir intensificação das rondas.


  • Em 19/08/2016 o vereador Djalma César de Oliveira apresenta, pela primeira vez na Câmara Municipal, a Indicação para que seja construído um batalhão para a Polícia Militar em Indaiatuba. A justificativa da Indicação resume-se no fato de "a população indaiatubana estar próxima a 250 mil pessoas". 
  • Em 31/03/2017 a história da construção de uma sede própria para a Polícia Militar em Indaiatuba começa a ter um capítulo mais sólido. O vereador Alexandre Carlos Peres apresenta uma Indicação detalhada  solicitando uma concessão de terreno público para construção da sede da 4a. Companhia da Polícia Militar do 479o. Batalhão da Polícia Militar de Indaiatuba. Só que desta vez, o vereador executou ações práticas para viabilizar a Indicação (em vez de só protocolar a Indicação, jogar no colo do Prefeito e fazer vídeo nas redes sociais divulgando o pedido). 
    • Na data em que o vereador Alexandre Peres defendeu a Indicação no púlpito, o Líder do Governo na Câmara, o vereador Luiz Alberto ‘Cebolinha’ Pereira leu o agradecimento do Comandante Capitão Alexandre Valério de Freitas no Plenário, destacando que “tal doação beneficiará todo o efetivo fixado na CIA PM, bem como o público externo que utiliza as instalações quando há necessidade de pronto atendimento em nossa subunidade no período de 24 horas”.
    • Menos de um mês após o vereador Alexandre Peres retomar essa demanda no Parlamento de Indaiatuba, o vereador Jorge Luiz Lepinsk 'Pepo' também apresenta esse pedido através da Indicação 453/207. Essa prática, de um vereador da Base reapresentar pautas da Oposição é recorrente na Câmara Municipal e é um exemplo evidente de um dos objetivos deste post: mostrar a disputa pelo protagonismo. O contrário também é aplicável e bastante recorrente: recentemente um vereador da Oposição apresentou e defendeu no púlpito melhoria para a Guarda Civil Municipal, pauta que já tramitava há tempos e já estava na mesa do prefeito Custódio para ser aprovada. Por um lado, puro (1) marketing político - o que na linguagem do senso comum é apelidado de politicagem (dos dois lados); por outro, (2) pressão política legítima para a pauta virar ação (dos dois lados).


Junto com o vereador Januba da Banca e o então Capitão Valério da PM (Alexandre Valério de Freitas), o vereador Eng. Alexandre Peres visitou várias áreas públicas; estudaram a viabilidade técnica considerando (1) o Plano Diretor da cidade (o planejamento é que a cidade cresça em direção à Cardeal) e (2) as vias planejadas no Plano de Mobilidade Urbana. Juntos, escolheram um terreno no Jardins do Império.

  • Em 08/05/2017 o prefeito Nilson Alcides Gaspar promulgou a Lei n° 6.718 de 05 de junho de 2017, concedendo, por 30 anos - um terreno no Solar do Itamaracá em favor da Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública — Polícia Militar do Estado de São Paulo. Esse imóvel é onde se encontra a atual sede do  Corpo de Bombeiros, na Avenida Conceição. Essa sede havia sido inaugurada em 1993, na gestão do prefeito Flávio Tonin.
  • Logo depois, em 25/10/2017 o prefeito Nilson Alcides Gaspar promulgou  a Lei 6825 de 2017 dispondo sobre a intenção de doar o terreno - escolhido pelo vereador Alexandre Peres, vereador Januba e o Capitão Valério da PM - do Jardins do Império para a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para a construção da sede da 4a Companhia PM, do 47° Batalhão de Polícia Militar do Interior
    • Esta lei, em seu artigo 6o. exigia que a obra tivesse início  no prazo de até  de até 36 (trinta e seis) meses, sob pena de rescisão e devolução do imóvel à doadora, condição que não foi aceito pelo Governo do Estado. A recusa é fundamentada no Parecer Referencial AGI n.o 04-2023.
    • Com o fim da legislatura 2017/2020, o assunto parou totalmente: primeiro, por conta do Regimento Interno da Câmara Municipal, todas as Indicações foram arquivadas; em segundo, por conta do vereador Alexandre Peres sair da Oposição e ir para a Base a partir da Legislatura que teve início em 2021, na qual o vereador Januba não foi reeleito.
Ex-prefeito Nilson Alcides Gaspar, autor do Projeto de Lei que regulamentava a doação de área institucional para a Secretaria de Estado de Segurança Pública, com a destinação para construção da primeira sede da Polícia Militar em Indaiatuba


  • Em 18/05/2023, mais de cinco anos depois da Lei 6825 de 2017 ter sido sancionada e ficar abandonada sem viabilidade por conta da negativa do Estado em aceitar os termos para registrar o terreno, o vereador Eng. Eduardo Tonin retoma o assunto apresentando a Indicação 1081 de 2023. A Indicação foi ignorada e até hoje está localizada na Secretaria de Relações Institucionais e Comunicação, sem resposta.

O vereador Du Tonin retoma a pauta na Legislatura 2021/2024 junto ao Capitão André Luiz Barbosa Menezes, 
da PM de Indaiatuba e a Secretaria de Estado de Segurança Pública.
A Secretaria de Estado reitera o interesse em receber o terreno e construir a sede, mas continua afirmando que não aceita prazo de construção, conforme a Lei sancionada pelo prefeito Nilson Gaspar em 2017.

  • Em 06/09/2023 o vereador Du Tonin se reúne com o Secretário de Segurança Pública em São Paulo, com a presença do Deputado Federal Bruno Ganem e Deputados Estaduais Ricardo França e Clarice Ganem. Essa comitiva teve como objetivo a obtenção do compromisso da construção, desde que Prefeitura doasse o terreno. Tratou-se que o vereador Du Tonin continuaria as tratativas para a doação na esfera municipal, enquanto os deputados destinariam Emendas para o projeto.

Bruno Ganem, Clarice Ganem, Capitão Derrite, Ricardo França e Du Tonin. Essa reunião foi divulgada amplamente, de forma compartilhada, nas redes sociais dos envolvidos no dia 06 de novembro de 2023.

  • No dia 10/11/2023, quatro dias depois da divulgação dos políticos do PODEMOS, há uma reunião na Prefeitura com prefeito Nilson Gaspar com o objetivo de tentar compactuar forças e obter o compromisso para a doação do terreno. Participaram da reunião o Deputado Federal Bruno Ganem, os deputados estaduais Ricardo França, Clarice Ganem e Rogério Nogueira.
    • Quebrando qualquer protocolo de bom censo e de educação, o prefeito Nilson Gaspar impede que o vereador Du Tonin participe da reunião.
    • Nesta mesma data o prefeito publica nas redes sociais da prefeitura a notícia sobre a doação do terreno (confira aqui)
    • Nessa reunião, o deputado estadual Rogério Nogueira assume o compromisso de destinar verba para a construção da nova sede, mas até no momento da publicação deste post isso não pode ser comprovado.
    • O compromisso firmado com o deputado Federal Bruno Ganem e deputados estaduais Ricardo França e Clarice Ganem para que todos providenciassem o envio de Emendas, foram cumpridos.

O Deputado Federal Bruno Ganem providenciou a destinação, através de Emenda Parlamentar, no valor de 
R$ 3 milhões para a construção da nova sede da Polícia Militar em Indaiatuba



O Deputado Estadual Ricardo França providenciou a destinação, através de Emenda Parlamentar, no valor de 
R$ 500 mil para a construção da nova sede da Polícia Militar em Indaiatuba



A Deputada Estadual Clarice Ganem providenciou a destinação, através de Emenda Parlamentar, no valor de 
R$ 500 mil para a construção da nova sede da Polícia Militar em Indaiatuba


  • Em 03/05/2024, para viabilizar a Lei 6825 de 2017 o vereador Du Tonin apresentou um projeto de lei para retirar o impeditivo, ou seja, tentou revogar o artigo 6o para que o terreno fosse registrado para o Estado e a construção, iniciada. Esse Projeto explica certinho os motivos da necessidade da revogação (você pode ler aqui). Após ficar 180 dias (prazo máximo) retido no Jurídico da Câmara Municipal, o PL foi lido no Plenário e, em seguida rejeitado por todas as Comissões Internas que também votaram pelo arquivamento do Projeto. 
    • Necessário lembrar que 2024 foi ano de eleição municipal e foi mais relevante, para os vereadores, rejeitar o PL nas Comissões do que dar o crédito da solução para um vereador da Oposição, que inclusive estava sistemática e repetidamente denunciando que houve não-conformidade no processo de licitação da obra de reforma do Ginásio de Esportes.
  • Em 12/02/2025, o vereador reeleito Du Tonin insiste com outra tentativa de viabilizar o registro para o Estado registrar o terreno e viabilizar a construção. Apresenta o PL 13/2025 revogando o artigo 6º da Lei nº 6.825 de 16 de novembro de 2017. 
  • Em 14/04/2025, quase oito anos depois da Lei sancionada pelo prefeito Gaspar, o prefeito Custódio protocola o Projeto de Lei 43/2025 retirando (como havia feito o legislador Du Tonin conforme os dois itens acima) o prazo obrigatório de até 36 meses para a construção da sede. 
    • O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade. 
    • Na discussão, o vereador Du Tonin relembrou as ações que ele fez para que isso fosse viável.
    • Em seguida o vereador Alexandre Peres, afirmando que ia colocar "os pingos nos is" relembrou que foi ele quem escolheu o terreno e mesmo sendo da Oposição na época, convenceu o prefeito Gaspar a apresentar o PL que originou a Lei 6825. O vereador Januba ficou fora do 'pingo no i'.
    • Para concluir, o vereador Cebolinha, que é Líder de Governo, deu a palavra final: disse que as verbas destinadas pelos deputados Bruno Ganem, Ricardo França e Clarice Ganem "não tinham chegado ainda no município" (claro que não, elas irão para o Estado) e disse que "irá cobrar desses deputados o envio do dinheiro". 
    • Sobre a promessa do deputado Rogério Nogueira feita na reunião citada, ele nada comentou. Registre-se que esse deputado não fez - até a data da publicação deste artigo - a destinação à qual tinha se comprometido. 
    • Detalhe: enquanto o PL do Prefeito foi aprovado por unanimidade, o PL com a mesma intenção de viabilidade apresentado pelo vereador Du Tonin continuava engavetado.
Após 17 anos do pioneirismo do ex-prefeito José Onério da Silva;
 8 anos após os vereadores Alexandre Peres e Januba lutarem pelo terreno;
7 anos após o ex-prefeito Gaspar sancionar a lei (inaplicável) da doação do terreno;
2 anos após o vereador Du Toni retomar o assunto junto ao Secretário de Estado Derrite,
o atual prefeito Custódio Tavares sancionou a lei que retira a condicional de tempo de construção para viabilizar a continuidade do processo de doação do terreno e finalmente, tentar construir a sede que já tem 4 milhões em Emendas para acontecer.

  • No dia 23/04/2025, mais de dois meses após o protocolo do vereador Du Tonin, o Departamento Jurídico da Câmara Municipal apresenta parecer para o Presidente da Casa de Lei,  "deixe de receber" esse PL, justificando que, entre outras medidas, o Executivo Municipal estava revogando o artigo 6o.
  • No dia 07/05/2025 o vereador Dr. Túlio José Tomass do Couto, presidente da Câmara Municipal, deixa de receber o PL do vereador Du Tonin, depois de presidir a Sessão em que a aprovação ficou por conta do Prefeito Custódio, que é quem entrará para a História narrada do ponto de vista positivista e, para quem faz marketing político sem comprometimento com a verdade, mas com foco na eleição/reeleição.
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Este post é de leitura complexa, não é uma leitura agradável em tempos de internet líquida e será lido e analisado por poucas pessoas que realmente estarão dispostas a entender o desperdício de recursos públicos utilizados para aprovar uma Lei necessária e óbvia. O Governo de Estado não aceita ter prazo para construir um imóvel em terreno doado pela municipalidade e a resolução do impasse foi estendida e nutrida por vaidade, competição, narcisismo e outras qualificações que deixarei de digitar, mas quem ler com a atenção devida, entenderá e proverá suas próprias qualificações.

O marketing político SEMPRE utiliza do método positivista para narrar a História. E na próxima eleição, caso o prefeito Custódio sobreviva (não encontro verbo melhor nesse momento, embora reconheça que esse não é o mais adequado) em seu grupo e se candidate à reeleição, o que será repetido à exaustão é que ELE viabilizou esse terreno. A nós, historiadores do presente e do futuro, cabe a tarefa de continuar a afirmar que nunca um fato é feito por um homem só

A maneira como produzimos a História tem impacto direto sobre a forma como compreendemos o passado e, por consequência, o presente. Uma diferença fundamental na historiografia — ou seja, na escrita da história — está entre atribuir a criação de um fato histórico à ação de um único indivíduo ou compreendê-lo como o resultado de um processo coletivo. 

Essa narrativa tem apelo por sua simplicidade e força dramática: é mais fácil se identificar com personagens do que com estruturas sociais complexas. No entanto, essa perspectiva tende a apagar o papel das forças coletivas, sociais, econômicas e culturais que moldaram o contexto em que esses indivíduos atuaram. Ela cria uma ilusão de que a história depende apenas da vontade e da ação de poucos. Ela coloca personagens políticos como se fossem heróis ou salvadores, o que não são. O político é, no máximo, um funcionário caro, muitas vezes incompetente, delegado pela maioria que prefere delegar sua responsabilidade a alguém.


"Paixão política é o fim do pensamento. 

É a prova de que o indivíduo deixou de ser indivíduo para virar instrumento. 

O que era cidadão, virou servo. 

O que era opinião, virou obediência."



Em contraste, uma abordagem que entende os fatos históricos como fruto de processos coletivos de luta e resistência busca analisar os múltiplos agentes envolvidos e o contexto mais amplo. Nessa visão, nenhum indivíduo atua isoladamente; ele é, na verdade, parte de uma rede de ações, conflitos, pressões e lutas que vêm de baixo, do cotidiano das pessoas comuns, dos grupos sociais organizados ou espontâneos.

Por que isso importa

Essa diferenciação não é apenas uma questão de escolha de método ou simples estilo narrativo — ela tem implicações pedagógicas, mas sobretudo, políticas. Atribuir os fatos a uma única pessoa pode reforçar ideias de liderança autoritária ou messiânica, desestimulando a participação coletiva. Já reconhecer os processos coletivos fortalece a noção de que a transformação social depende da ação de muitos e que o poder é construído em rede, não centralizado em indivíduos excepcionais.

Em resumo, enquanto a narrativa centrada no indivíduo tende a criar heróis e mitos, a narrativa coletiva revela a profundidade e a complexidade dos processos históricos. A escolha entre essas formas de contar a história diz tanto sobre o passado quanto sobre os valores que queremos afirmar no presente.

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Perguntas de um operário que lê

Bertolt Brecht

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Foram os reis que transportaram as pedras?
E a Babilônia, destruída tantas vezes,
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os operários?
Para onde foram os pedreiros na noite em que
terminou a Muralha da China?
Roma, a grande,
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios para seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Na noite em que o mar a tragou
Os que se afogavam gritavam por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou quando sua armada
Foi afundada. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem mais venceu com ele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava os banquetes?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas perguntas.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Plano Municipal da Educação e a contribuição da Câmara Municipal

HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE

     
Eliana Belo Silva


Plano Nacional de Educação de 2014

O último Plano Nacional da Educação aprovado através da Lei 13.005 de 2014, tinha vigência até 2024 e teve como uma de suas estratégias a atuação conjunta da União, dos Estados e Municípios, que, atuando em regime colaborativo, deveriam agir para atingir várias metas, sendo que mecanismos locais poderiam ser adotados pelos gestores dos municípios como medidas para o alcance delas.

O cumprimento das 20 metas estabelecidas enfrentou, além da pandemia da Covid 19, muitos outros desafios. Em 2016 já se apontavam atrasos como a definição de um custo mínimo para garantir a qualidade do ensino e a implementação de uma política unificada de formação de professores (1). Em 2022, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou que 45% das metas estavam em retrocesso (2) - algo que não surpreende com um governo federal de extrema direita, cujo representante maior manifestou-se verbalmente por várias vezes contra a Ciência, as Universidades e os Professores, utilizando-se de uma pauta pseudomoral e várias fake news para isso. O chamado "Apagão de Dados" resultou em escassa análise dos números e, por consequência, dificuldades na avaliação de políticas educacionais devido à falta de transparência e informações. Ainda em 2024 o cenário continuou preocupante - para não dizer desesperador: apenas 4 das 20 metas foram cumpridas ou parcialmente cumpridas (3), incluindo avanços na educação profissional e técnica, na formação de mestres e doutores e na formação de professores de ensino superior. No entanto, metas essenciais, como a universalização da educação infantil e a erradicação do analfabetismo, apresentaram avanços muito tímidos ou retrocessos .​


Plano Municipal de Educação de 2015

Em vistas ao cumprimento dessa lei federal, Indaiatuba aprovou seu Plano Municipal de Educação, também com vigência de dez anos, à obsoletar em 24 de junho de 2025, daqui há menos de dois meses. O atraso na apresentação do novo Plano para a Câmara Municipal é esperado, pois o Plano Nacional foi adiado para 31 de dezembro de 2025, e, por consequência, o Projeto de Lei que instituirá o novo PNDE 2024-2034 está em análise, também sendo debatido pelo Senado Federal.  

Enquanto ente, nem a Câmara Municipal, nem sua Comissão de Educação - presidida pelo vereador Prof. Sérgio Teixeira - ainda não estão promovendo debates com especialistas para promover o diálogo e a reflexão sobre os rumos da educação de Indaiatuba na próxima década. Fica a sugestão para a organização de um "Ciclo de Debates sobre o Plano Municipal da Educação" para oportunizar a participação da população indaiatubana.

Mas como vereador e em matéria protocolada de forma individual - mesmo sem citar o Plano Municipal da Educação - o vereador Prof. Sérgio protocolou sugestão para o Prefeito sobre uma estratégia que julgo relevante para a discussão do PME, aliás, mais do que relevante: é primordial: a intensificação do desenvolvimento da Inteligência Emocional (QE) em nossos educandos da Rede.

Vereador Prof. Sérgio protocolou a Indicação 826/2025 defendendo o desenvolvimento socioemocional dos alunos da rede.


Na legislatura passada (2021/2024), o vereador Leandro Pinto defendeu, por duas vezes, a criação de um Programa de Inteligência Emocional nas escolas, mas focado na Saúde Mental. Essas duas proposições estão - conforme o site da Câmara - paradas até hoje, sem resposta - na Secretaria de Relações Institucionais e Comunicação. Os demais vereadores têm citado, ao longo de seus mandatos, sugestões pontuais sobre conteúdo a ser inserido na Rede, mas todas com foco para "abastecer" o QI - o coeficiente de inteligência.

QI e QE

Desde o início do século passado o QI - coeficiente de inteligência - começou a ser usado para identificar crianças francesas com dificuldade de aprendizagem, mas a aplicação evoluiu para outros fins, sendo utilizada até hoje, principalmente através de um dos testes mais aplicados, o WAIS - Wechsler Adult Intelligence Scale na Educação (com o mesmo fim), na Psicologia Clínica, em pesquisas e notadamente em processos de seleção e desenvolvimento profissional, acadêmico e até militar. 



Tabela com a classificação das faixas de QI, com base na escala mais comum (média 100, desvio padrão 15), usada em testes como o WAIS 


"Durante algum tempo, o QI elevado foi relacionado como critério de excelência de vida. A pontuação do QI pode prognosticar muito bem se podemos arcar com desafios cognitivos que uma determinada posição oferece; centenas de estudos acadêmicos demonstram que é inquestionável que o QI possa prever quais níveis uma pessoa pode exercer numa carreira"(4) No entanto, é um método que mede um único tipo de inteligência quantificável, formada pela inteligência lógica, matemática e verbal. (5)

As críticas ao QI como foco único foram crescendo: (a) GOLD (6) critica a ideia de que a inteligência é uma característica fixa e argumenta que essa visão reduz o ser humano a uma medida simplista, ignorando aspectos culturais, sociais e contextuais; (b) GARDNER (7) defende que a inteligência não é uma capacidade única e generalista (como sugere o QI), mas sim composta por múltiplas inteligências (linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal, interpessoal, intrapessoal, naturalista).


A urgência da Inteligência Emocional nas escolas

Neste fim de semana (último de abril de 2025) as redes sociais foram tomadas por ofensas ao Papa Francisco, um humanista adepto da paz, da inclusão, da proteção ao meio ambiente, da justiça social. Ofensas também foram disparadas para a cantora Preta Gil, uma paciente com câncer terminal que subiu ao palco amparada pela sua irmã, para cantar, talvez pela última vez publicamente, com seu pai Gilberto Gil. 

Atitudes como essas, de ofensas virtuais e presenciais, o preconceito, a segregação, o racismo, o machismo, a LGBTQI+fobia, o etarismo, as simplificações e generalizações, as difamações e calúnias, o fanatismo religioso, o armamentismo, a anticiência e outros tipos de violência têm se expandindo de forma assustadora, a ponto de influenciar na Saúde Mental da sociedade e, como extensão, do ambiente escolar, onde urge aplicar os princípios da neurociência afetiva. Temos que - urgentemente - compreender e ensinar como as emoções são reguladas e podem ser controladas pelo cérebro.

Precisamos considerar essa realidade e inserir em nosso Plano Municipal da Educação programas de aprendizado social e emocional. Em tempos que o óbvio precisa ser registrado, digo que isso não vai substituir os conteúdos clássicos (não é isso que estou defendendo!), mas é necessário ensinar concomitantemente as habilidades de inteligência emocional para nossos educandos.

Os alunos devem aprender (1) como reconhecer e classificar com precisão seus sentimentos e como eles os levam a agir; (2) devem ser capazes identificar as pistas não verbais de como outra pessoa se sente; (3) devem ser capazes de analisar o que gera estresse nelas ou o que as motiva para desempenho melhores e, por último (4) devem começar a aprender ouvir e falar de modo a solucionar conflitos individuais e coletivos em vez de agravá-los, negociando saídas para que todos ganhem.

Volte e leia as quatro fases de desenvolvimento de habilidades emocionais para crianças. 

Você aprendeu isso? 

Na escola, não. Talvez tenha aprendido na vida ou talvez - como muitos - passe a vida sem aprender, ou aprenda e aplique apenas parcialmente.

Apreendendo essas fases, haverá uma redução de problemas entre alunos, entre alunos e professores, em todo ambiente escolar e, em última instância, haverá melhoria no desempenho escolar dos estudantes. Crianças (e adultos, mesmo que tardiamente) devem aprender a gerenciar suas vidas emocionais com serenidade e autoconsciência, afastando emoções perturbadoras e relacionamentos e julgamentos nocivos, como pré-requisitos para uma vida individual e coletiva mais saudável e justa.


"O impacto na modelagem do circuito neural em desenvolvimento da criança, principalmente as funções executivas do córtex pré-frontal, que controlam a memória funcional - e que guardamos na cabeça durante o aprendizado - inibem impulsos emocionais destrutivos". (4)

 

Os legisladores da nossa cidade precisam exercer a aceitação da inteligência emocional e suas técnicas para melhorias na Educação como um todo e promover essa discussão, principalmente neste ano de replanejamento.

Ou podem deixar prevalecer em si, em nossa Legislação e em práticas escolares - que a solução é fazer uso de sistema de vigilância e punição (argh!) - agravando o sistema de violência que legitima as práticas como as que permitem ofender um Papa humanitário como nenhum outro foi, ou uma cantora em estágio terminal.

E isso é uma escolha.



"Governar corpos, é fácil, governar mentes, é arte. 
E o medo é o pincel dos tiranos sutis. 
Um povo aterrorizado se agarra às algemas que lhe são oferecidas com a mesma ânsia que um náufrago se agarra a uma tábua podre."

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(1) https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-06/plano-nacional-de-educacao-completa-dois-anos-com-atraso-no-cumprimento-de

(2) https://www.brasildefato.com.br/2022/06/20/a-tres-anos-do-fim-plano-nacional-de-educacao-tem-45-de-metas-em-atraso-e-apagao-de-dados/

(3) https://www.sinteal.org.br/2024/06/plano-nacional-de-educacao-pne-completa-10-anos-com-apenas-4-das-20-metas-parcialmente-cumpridas-alerta-entidade/
e https://institutoorizon.org/blog/plano-nacional-de-educacao/

(4) Citado no livro "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman, ph.D. Editora Objetiva.

(5) Conceito reduzido, simplificação aplicável para o fim ao qual esse texto se destina.

(6) Stephen Jay Gould, paleontólogo, biólogo evolutivo e historiador da ciência, autor de "A Falsa Medida do Homem" (The Mismeasure of Man, 1981).

(7) Howard Gardner, autor de "Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas" (1983)

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Cem dias da Câmara Municipal - R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins

    Eliana Belo Silva

 

Historiadores e outros cientistas de humanidades possuem o hábito de atribuir nomes a períodos ou processos históricos, principalmente para organizar o tempo e tornar a História uma ciência mais compreensível para a maioria das pessoas, objetivo este que é difícil de alcançar. Esses títulos que possuem essa intenção didática, ajudam: (1) a identificar acontecimentos importantes diante da grandeza dos fatos (mesmo em um período ínfimo de cem dias), (2) a estudar causas, fatos e consequências de forma mais clara, na medida em que é possível expandir esses itens a partir de um ponto simbólico e (3) ajuda a facilitar a compreensão de um macro período e seus impactos aplicáveis nas mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais a partir de um único marco.

Com base nessas premissas, eu defendo que o melhor título para os 100 primeiros dias da Legislatura 2025/2028 para a Câmara Municipal de Indaiatuba seja "R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins" (1). 

A morte dele é um marco simbólico, e como tal, é fundamental para entender - sem exagero - como a cidade entende a si mesma, como constrói sua identidade, como interpreta o mundo ao seu redor no período estudado (repito, mesmo que seja ínfimo como o conjunto de cem dias). 

Essa perda é - como todos os marcos simbólicos como datas, monumentos, narrativas, etc. - um acontecimento que deve formar a memória coletiva e o imaginário social de nossa cidade. A morte dele não vai e não deve ser em vão. É a tragédia nomeando um capítulo de nossa história, facilitando a leitura e compreensão dos fatos, para sempre.


Produção Legislativa


  • 42 Projetos de Lei foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril)

  • O primeiro Projeto de Lei (PL) foi protocolado pelo Prefeito Custódio e derivou a Lei 8274 suspendendo aprovação de novos loteamentos e condomínios verticais familiares. Só não foi dito que havia, na data, um conjunto de mais de 60 empreendimentos desta natureza tramitando. O ex-prefeito Nilson Gaspar também sancionou lei como essa no primeiro dia do seu mandato em 2017. A justificativa dada pelo prefeito Custódio foi que  a "medida é necessária para que se possa estruturar melhor as questões relativas à infraestrutura urbana, a fim de garantir que seja mantido o desenvolvimento sustentável da cidade".

  • Dos 42 Projetos de Lei protocolados, 10 foram retirados pelos próprios proponentes, mas o que mais chamou a atenção é o de número 32/2025. O PL foi apresentado pelo prefeito com o objetivo de qualificar as chamadas OSS - Organizações Sociais de Saúde, que são entidades privadas sem fins lucrativos que podem gerenciar serviços de saúde do SUS em regime de parceria público-privada (PPP). Em outras palavras, a gestão do prefeito - que é dentista do SUS, e do vice - que é médico do SUS, pretende privatizar a saúde mais do que já é. A justificativa para retirar o PL foi que "novos estudos serão feitos". Por ter sido retirado, só discorrei sobre essa matéria quando e se ela voltar para legitimar que UBSs, UPAs e outras unidades de saúde passem a ser geridas por particulares.

  • Dos 32 Projetos de Lei do período que tramitaram ou estão em tramitação, 7 foram para nomear ruas e outros cinco foram para criar datas ou períodos alusivos para serem inseridos no Calendário Municipal, entre eles os mais necessários - se derem resultado - foram: (1) a Semana de Prevenção à Gravidez na Adolescência (Dr. Túlio) e o (3) Férias Turquesa, da vereadora Clélia dos Santos, para promover ações contra o cerol e outras armas similares.

  • Assim, dos 32 Projetos de Lei protocolados e que já tramitaram, apenas seis projetos sobraram dessas necessárias (muito necessárias!) exceções.

  • Entre os seis, destaca-se  apenas o de autoria do Prefeito, que repassou verbas para duas entidades: Centro de Convivência Amor Sem Limites - CECAL e Lar de Velhos Emmanuel, (2) de autoria do prefeito Custódio Tavares.

  • 4 Projetos de Decreto Legislativo foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril)

  • Três deles já tramitaram e constam no repositório da Câmara Municipal como Decretos Legislativos aprovados: (1) a homenagem que o vereador Cebolinha fará para o Sr. José Antonio Siscari, atribuindo título de Cidadão Indaiatubano, (2) a aprovação das contas do Prefeito Nilson Gaspar do ano de 2022 e a mais polêmica: (3) a aprovação da viagem do prefeito para o Reino Unido, um mês e meio após a sua posse. 

  • O Prefeito Custódio Tavares licenciou-se, com autorização da Câmara Municipal, entre os dias 15 a 22 de fevereiro para participar de evento sobre Mobilidade Urbana promovido pela empresa Yunex Traffic, que vende "soluções inteligentes de gerenciamento de tráfego", segundo o portfólio disponível no site dela. O prefeito anunciou, em evento no Sesi de Indaiatuba no Dia Internacional da Mulher, que a viagem foi "muito proveitosa" e que até o meio do ano a Secretaria de Transportes Mobilidade Urbana estará funcionando, "conforme compromisso de campanha". Trata-se de uma demanda urgente na cidade, pois o trânsito - item mais complexo do conjunto de ações para melhorar a mobilidade é, depois da Saúde, o serviço que mais recebe críticas da população.

  • 2 Propostas de Emenda à LOMI - Lei Orgânica Municipal foram protocolados em cem dias (até dia 10 de abril).

  • Uma está em tramitação e a outra já está no repositório da Câmara Municipal: é a Emenda a Lei Orgânica No. 006/2025, proposta de autoria dos vereadores Túlio José Tomass do Couto, Alexandre Carlos Peres, Hélio Alves Ribeiro e Leandro José Pinto. 

  • Essa Emenda 6 versa sobre o Artigo 181 da LOMI, que descreve o apoio e incentivo às práticas esportivas em caráter amador no município. Cinco incisos foram acrescidos sobre o caráter desses apoios e incentivos: (I) que será prioritariamente no âmbito educacional, (II) que  inclui a formação de equipes de base e formação, (III) que haverá apoio em eventos, (IV) que incentivará o esporte com pessoas com deficiência. Até aí, os acréscimos foram claros, necessários e até óbvios do que se espera de uma Secretaria de Esportes cujo objetivo são os esportistas locais. Mas o inciso V contraria de forma literal o artigo no que tange ao foco, que é o esporte amador,  legislando que a Secretaria de Esportes passará a apoiar "eventos ligados ao esporte de alto rendimento para equipes e entidades esportivas que representam o Município em competições regionais, estaduais, nacionais e internacionais".  Os autores justificaram que "a nova redação pretende garantir uma estrutura mais abrangente e inclusiva, contemplando diferentes segmentos esportivos e reforçando o papel do esporte". Mas não explicitaram como aplicarão esse "aumento de abrangência" para essas equipes de alto rendimento nessas competições fora da cidade, nem como/quanto isso irá funcionar/impactar no Orçamento. Para quem conhece e valoriza a História, principalmente como meio de aprender com os erros para evitá-los e considera antiga ADI - Associação Desportiva Indaiatubana e como ela funcionou - ficam muitas questões, como por exemplo: como serão feitas as dotações orçamentárias, como serão firmados os acordos (ou algo que o valha - com nome mais adequado) e sobretudo qual retorno isso dará.


Gestão e Controle da Qualidade da Produção Legislativa


Em organizações que possuem um sistema de gestão da qualidade, há a aplicação de três conceitos: a eficiência, a eficácia e a efetividade.

Resumida e simplificadamente, a eficiência é o qualitativo aplicado para a condição de "fazer" (ou não) os produtos e os serviços; por consequência, podemos dizer que a produção legislativa nesses cem primeiros dias foi eficiente, ou seja: foram feitas muitas matérias.

A eficácia é um qualitativo mais exigente do que a eficiência: é fazer, mas fazer bem feito, com indicadores como rapidez, redução de impactos, redução de riscos, redução de custos e outras métricas. Neste sentido e com base em todas as análises anteriores, houve um conjunto muito pequeno de matérias eficazes, que realmente darão algum resultado para um grupo considerável de pessoas ou para o meio ambiente. 

Já a efetividade da produção legislativa é ínfima. A efetividade é o resultado prático das ações na vida das pessoas e no meio ambiente, é um resultado verificável, que os envolvidos reconhecem a aplicação do serviço ou produto de forma positiva. Com base nesse resultado e se alguém realmente fiscalizar e dar publicidade, apenas UMA matéria tem efetividade: a que o prefeito destinou verbas para entidades.

Com a palavra, os vereadores

Até agora pode-se afirmar com absoluta certeza que essa é a Legislatura mais quieta da História quanto ao uso do púlpito. Os edis usam a palavra para defender suas sugestões através das Indicações e para prover homenagens através de Moções, muitas vezes questionáveis.

Mas abdicam de justificar seus votos quando se trata de Projetos de Leis. Nem os próprios projetos eles defendem. Não justificam o motivo de optarem por aceitar os Projetos de Lei em regime de urgência, nem por não aceitarem. Se omitem e, nesses casos, nem precisam falar: o silêncio grita mais do que as palavras; mostram a subserviência e outras definições que evitarei aplicar.

Os dois vereadores da Oposição são os únicos que toam a iniciativa para usar a Palavra Livre e o Líder de Governo (Cebolinha) ou o Presidente da Mesa em exercício no momento (geralmente Alexandre Peres) respondem, geralmente de forma evasiva e sem contra-argumentarem perante conteúdos objetivamente expostos até com números rastreáveis. Partem para defender o Governo sob aplausos de suas assessorias e isso não é uma crítica, é um registro: fazem o que é obrigação. Escolheram esse papel e ponto. 

De todos os debates, o de maior destaque positivo foi o que aconteceu entre o vereador da Oposição Du Tonin, que trouxe números defendendo a viabilidade de um Hospital Municipal e a resposta do Líder de Governo Cebolinha, que mostrou o gráfico ascendente dos atendimentos de pacientes com suspeita de dengue nos últimos três meses. Ambos argumentaram, mostraram números, informações sólidas e assim apresentaram o conteúdo civilizadamente, sem necessidade de competir ou ganhar, como acontecia cansativa e irritadamente na Legislatura passada. Discorrer sobre assuntos controversos é uma prática essencial em qualquer sociedade democrática. A troca de ideias divergentes, quando feita de forma civilizada, não só enriquece o debate público, mas também promove a compreensão mútua, a tolerância e a coesão social. E os presentes agradecem quando não se subestima a inteligência dos outros.

Sobre as Indicações, as sugestões dos vereadores continuam sendo, na maioria, em relação ao trânsito e, em segundo plano, um conjunto de pedidos referentes à zeladoria do município. Quando eu puder entender qual é o motivo que um vereador da Base do Governo precisa defender em púlpito que um buraco seja fechado (em vez de conversar diretamente com o Secretário), eu volto aqui, edito e explico. Por enquanto - fica só a dúvida - e isso não é uma ironia.

Ainda sobre as Indicações, não há como levantar estatísticas. O site da Câmara Municipal possui um repositório com 820 Indicações apresentadas nesses 100 dias, o que dá robustez para afirmar que há eficiência. Quanto à eficácia e efetividade, é impossível saber: segundo o site da Câmara, todas essas matérias estão paradas na porta do Gabinete do Prefeito, na Secretaria de Comunicação Institucional, sem respostas consultáveis.

Para registrar uma análise mínima as mídias dos vereadores foram consultadas, mas não é possível saber o quanto de eficácia ou efetividade há na produção de seus gabinetes. O vereador que mais demonstrou os resultados de suas Indicações (mais ainda assim poucas delas) é o vereador Índio da 12. O blog procurou o vereador para obter mais informações sobre essa prática bacana do gabinete dele, mas a assessoria informou que para entrevistá-lo teria uma fila, então a conclusão ficou inviabilizada, por conta da temporalidade do texto. E isso também não é uma ironia.

As palavras mais referenciadas pelos vereadores nestes cem dias foram CEROL e DENGUE. E é por esse motivo que termino retornando ao conteúdo da introdução deste longo registro.

O notável Maestro Marcelo Antunes Martins morreu neste verão de 2025, sua vida esvaiu-se cerca de 20 minutos após ele chegar em casa, retornando da busca por atendimento médico. Vitimado pela dengue, vídeo divulgado por uma familiar relata claramente que ele foi vítima da falta de eficiência mínima.

Ouvindo o relato, evidencia-se que ele foi subatendido, subouvido, subescutado, subpercebido, subconsiderado. O protocolo para atendimento de pacientes com suspeita de dengue não foi aplicado nele. O direito à vida foi-lhe subtraído. Ele foi negligenciado... e morreu.

Ele jaz em um Sistema falho, que superlotou as unidades de Saúde com muitas pessoas incapacitadas. Um Sistema que também é subfiscalizado, pois quem deveria fazer isso, está no conforto de sua mesa em um ambiente com ar condicionado e Wi-Fi para conferir os likes advindos do marketing pessoal.


R.I.P. Maestro Marcelo Antunes Martins
Velado na Câmara Municipal de Indaiatuba  (aqui contém ironia)

 

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(1) Sobre o Maestro Marcelo Antunes Martins, você pode ler aqui, aqui e aqui.


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ANEXO I - 

Vereador Prof. Sérgio responde ao blog  os motivos que o levaram a votar de forma favorável ao Projeto de Lei sobre o reajuste dos funcionários públicos municipais, inclusive em Regime de Urgência:

Prezada Eliana Belo.

É muito bom ter veículos de comunicação sérios para que possamos esclarecer nossas ações enquanto representantes políticos do município de Indaiatuba.

Sobre não utilizar o púlpito, quero deixar claro, que desde 19 de fevereiro de 2025 venho em tratativa com o executivo para analisar com cuidado e respeito a valorização ao servidor público municipal e naquele momento a exaltação de alguns presentes atrapalhava a todos que tentavam falar, então preferi não usar o púlpito, mas falei com vários servidores que estavam presentes, antes e após a sessão, assim como também conversei com vários servidores de diversas secretarias nas semanas anteriores.

Enquanto vereador, protocolei o ofício 72/2025, solicitando ao executivo um estudo para aplicar ao menos 10% de reajuste salarial e se possível dobrar o valor do cartão. Além de protocolar o ofício ainda fiz algumas reuniões com a chefe de gabinete institucional, Graziela Garcia e com o prefeito Dr. Custódio Tavares, que explicaram a real situação.

Concomitante a essas ações, fui acompanhando os bastidores das negociações da Apeoesp e dos Sindicato dos Servidores, e observando a postura dos professores e demais servidores do município, tais como saúde, segurança e outros.

A proposta do executivo foi de um repasse no salário de 5,5% e um aumento real nocartão alimentação que passará de R$ 504,00 para R$ 1.200,00, aumentando o poder de compra de todo servidor municipal, sem incidência no desconto do Imposto de Renda e Seprev, e atendendo todos os 6274 atuais servidores. Um investimento mensal de R$ 7.528.800,00, aumento significativo de 138,90%, ou seja, investimento anual de R$ 90.345.600,00, apenas em cartão alimentação.

Quanto ao voto em regime de urgência, foi para que o executivo tenha o tempo hábil de organizar a folha de pagamento e não atrasar o repasse a ninguém, ou seja, pensando no servidor ou pelo menos na maioria deles, agilizando também o processo de liberação para que a prefeitura realize licitação da empresa que fornecerá os cartões, visto que as negociações já haviam sido tratadas anteriormente e que em uma assembleia de um dos sindicatos, de acordo com informações de alguns que participaram da assembleia, a aprovação pela proposta do executivo foi de mais de 70% dos presentes.

Alegar desconhecimento das negociações é algo surreal e oportunista, visto que durante o mês de fevereiro os sindicatos se pronunciaram, protocolei o ofício citado acima e divulguei em minhas redes sociais, além de muitos servidores comentarem sobre as tratativas em diversos lugares e eventos que nos encontrávamos.

Claro que desejamos também um aumento real nos salários e essa foi uma das minhas solicitações no ofício, mas como deixei claro, as negociações devem ser entre executivo e servidores, representados por seus respectivos sindicatos, e mesmo assim consegui com que 50% do que estava no ofício fosse atendido, ou seja, dobrar o valor do cartão, que na verdade mais que dobrou. Ontem após a sessão e em conversa calorosa por parte de alguns integrantes do sindicato e de alguns servidores, sugeri, assim como fiz ao executivo, que as negociações para 2026 iniciem ainda no ano de 2025, proporcionando maior debate, elaboração e planejamento.

Sempre me coloquei à disposição de todos e continuarei me mantendo assim, à disposição.


ANEXO 2 - 

Vereador Alexandre Peres responde ao blog  os motivos que o levaram a votar de forma favorável ao Projeto de Lei sobre o reajuste dos funcionários públicos municipais, inclusive em Regime de Urgência:


Bom dia Eliana

 

Segue resposta:

 

Na verdade, eu queria muito ir à tribuna para defender principalmente o ganho no valor do cartão cesta, que foi de 138%. Uma luta que iniciamos juntos e uma grande conquista para os servidores públicos. No entanto, o tumulto gerado durante a sessão de ontem impossibilitou qualquer defesa, foi lamentável.

 

Com relação ao dissídio, o reajuste para os servidores públicos aprovado ontem, de 5,5%, foi favorável, pois está acima dos índices inflacionários apurados, cuja média é de 4,87%:

  • Ufesp para 2025, variação de 4,69%; 
  • IPCA (março de 2024 a fevereiro de 2025) 5,06%; 
  • INPC (março de 2024 a fevereiro de 2025): 4,87%.

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