"Lá pelo ano de
1913, chegou em Indaiatuba um padre português de nome Francisco Eduardo Paes
Moreira. Vinha substituir o Cônego Oscar Sampaio Peixoto, um moço muito alegre
e divertido, pois gostava de brincar de barra-manteiga com as crianças ao lado
da igreja. Porém, havia ficado pouco tempo quando chegou o novo padre.
A casa paroquial era um prédio muito antigo, feito de barrote então em estado precário. O o padre Moreira, pouco tempo depois de sua vinda, fez amizade com meu pai (1), pois eram vizinhos. Não tardou para que fosse feito um contrato para construção de uma casa paroquial nova. Em 1914, isto teve início, com a derrubada da velha casa e a construção da outra.
A nova casa
era enorme, com vários dormitórios; no lado do quintal construíram-se muitas
arcadas, seguindo-se o sistema romano. Mas eis que surge um imprevisto: faltou
dinheiro e o acabamento da casa forçosamente parou, ficando toda a parte
externa sem revestimento. Mesmo parando o serviço, restou uma dívida, que o
padre teve de saldar aos poucos; aos domingos meu pai recebia pequenas parcelas
de dez a quinze mil réis, esmolas dadas durante a missa.
O padre, logo
após mudar-se na nova casa, começou a trabalhar em seu quintal; primeiramente ajuntou
todos os cargos de telhas e tijolos com as próprias mãos e atirava-os na Rua
São José, por cima da taipa. A tarde inteira via-se aqueles cacos amontoarem-se
na rua, vindos, um por um, do quintal da casa paroquial. Desta maneira, o padre
conseguiu limpar o terreno e plantar; trabalhava arduamente com a enxada e,
quando alguém o procurava, só depois de muito bater na porta é que o padre
vinha atender, sem a batina e com a calça feita de dois panos diferentes.
No Largo da Matriz
existia uma ‘avenida’ ladeada de palmeiras, plantadas quando da construção do largo;
essas palmeiras elevavam-se a enormes alturas de mais de vinte metros, e nos
dias de vento forte, desprendiam se as folhas grandes, estatelando-se no chão
com um tremendo estrondo. À noite, então, a molecada aproveitava as grandes
folhas para brincar e arrastavam-nas pelo Largo. O barulho, porém, era
ensurdecedor e atormentava os moradores da vizinhança, principalmente uma
escola noturna de adultos que havia na esquina. O mestre ficava furioso e saí a
correr atrás dos moleques - mas pegar, como? Então, querendo surpreendê-los,
escondia-se atrás da porta; mas nem mesmo assim conseguia o seu intento, pois a
molecada era esperta por demais.
A fachada da
nossa igreja defronte ao Largo era lisa. Onde agora estão as torres havia apenas
quatro efeitos de cimento em forma de pião. O sino ficava mais abaixo, na
janela ao lado.
IGREJA NOSSA SENHORA DA CANDELÁRIA SEM AS TORRES
No limiar de
1915, veio para cá, a fim de passar uns dias e sua terra natal, um indaiatubano
muito rico e católico de nome João Bueno de Camargo. Hospedou-se no Hotel União
situado à rua 7 de Setembro. O nosso padre, então, teve a ideia de ir pedir um
auxílio para a paróquia. A nobre pessoa inteirou se de tudo que faltava e às
suas expensas mandou meu pai construir as torres da igreja; esse serviço muito
melhorou a fachada do templo católico que até hoje, desafia o tempo.
Depois, o
padre trocou toda todas as imagens dos altares e a imagem de São Benedito foi transferida para a fazenda Cachoeira. Nas paredes da capela-mor colocou enormes
quadros pintados a óleo, focalizando cenas sagradas. Construiu os primeiros
armários embutidos na sacristia da igreja, aproveitando a grossura da parede de
taipa. Ainda mais, em 1919, mandou fazer uma grande reforma na capela-mor, tirando
todo o assoalho e degraus de tábuas velhas, trocando-os por degraus de mármore
de Carrara e por mosaicos de diversas cores, feitos em São Paulo.
Por ocasião da
primeira conflagração mundial, o padre era a favor dos alemães, mas não se
manifestava abertamente e nem discutia política. Foi sempre um homem
trabalhador e de pouca conversa. Seu passatempo à noite era ir à Farmácia Candelária e lá ficar com vem conversando, até que o sino da cadeia batesse a recolhida, geralmente às 21 horas. Nessa hora, porém, o padre estava recurvado
e sentado ao contrário - dormia no encosto da cadeira. Nessa ocasião, o pobre
homem já sofria do estômago. Com muito sacrifício, arranjou o dinheiro e, no
ano de 1920, partiu para a sua terra natal a fim de fazer uma intervenção
cirúrgica. Mas, em meio à viagem veio a falecer sendo sepultado no mar.
Indaiatuba já tem uma rua dentro denominada Padre Bento Dias Pacheco e não seria demais ter outra com o nome do Padre Francisco Eduardo Paes Moreira." (2)
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No dia 12 de novembro de 2020, após Projeto de Lei apresentado pelo vereador Alexandre Peres, o então Prefeito Nilson Alcides Gaspar sancionou a Lei Municipal 7484 para homenagear o Padre Francisco Eduardo Paes Moreira, que você pode ler aqui.
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Notas de Eliana Belo Silva:
(1) O pai do autor é o italiano Cesare Zoppi, construtor que migrou da Itália para o Brasil no final do século XIX. O texto foi publicado originalmente na Tribuna de Indaiá e, em 1998, foi publicado no livro "Reminiscências de Indaiatuba", de Antônio Zoppi.
(2) Antônio Zoppi, indaiatubano que nasceu em 23 de outubro de 1904.
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