quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Houve um Quilombo no território de Indaiatuba? Questões e Pistas

Eliana Belo Silva




 

Vistas da Fazenda Quilombo (sem data)

A palavra “quilombo” pertence ao idioma quimbundo e tem o significado de “união” e foi o nome que os próprios trabalhadores negros escravizados davam ao local onde se refugiavam ao fugirem de seus senhores.

No território (parte) que já pertenceu à Indaiatuba existiu a Fazenda e Estação Ferroviária do Quilombo, em área da antiga sesmaria - que é uma subdivisão de uma Capitania Hereditária concedida pela Coroa portuguesa, com a condição de que fossem cultivadas e produtivas; quem recebia a terra — chamado sesmeiro — tinha a obrigação de ocupar e produzir. Essa sesmaria tinha mais de mil alqueires cobertos pela Mata Atlântica. Essa sesmaria chamava "Sesmaria Quilombo" e pertenceu à Agostinho Rodrigues Camargo, filho de Maria Antonia Camargo e do Capitão Agostinho Rodrigues de Almeida.

Esse extenso território (que atualmente parte é de Indaiatuba e parte é de Itupeva) coberto por essa extensa mata virgem foi dividida judicialmente em 1795, formando a Fazenda Quilombo, nome dado em alusão à um quilombo que teria existido ali.


A menção ao “auto de divisão de 1795” é feita pelo pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho e aparece em texto disponível no Scribd, que é uma fonte secundária/online. Trata-se de um documento intitulado Revela Quilombo: Os Caminhos Às Margens do Rio Jundiaí, que cita pesquisas orais e arquivos que teriam identificado o auto e até um nome de proprietária (Anna Maria Xavier Pinto da Silva). Essa, porém, repito: é uma fonte secundária.

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Nilson Cardoso de Carvalho também é citado pela periodista Ana Lygia Scachetti (Jornal Tribuna de Indaiá):

 Neste tópico, Nilson destaca um auto de divisão da Fazenda Quilombo, datado de 1795. “A fazenda Quilombo era formada por mais de mil alqueires de floresta com mato trancado”, conta o pesquisador. “Alguns escravos fugiram e se estabeleceram no meio desta floresta às margens de um rio, por isso chama Quilombo.” O documento mostra que as terras eram de propriedade de Anna Maria Xavier Pinto da Silva. Quando ela faleceu, em 1795, a área foi adquirida por alguns outros proprietários e, algumas décadas depois, pelo menino Agostinho Rodrigues de Camargo, por meio de seu tutor, João Tibiriçá Piratininga. Com o tempo, Agostinho se firmou como senhor de engenho e depois como produtor de café. “Ele teve uma descendência muito grande”, relata Nilson. “Entre seus filhos estava Augusto de Oliveira Camargo, dono da Fazenda Itaoca. A fazenda foi vendida e o dinheiro aplicado na construção do hospital (HAOC).”

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forte indicação na bibliografia local e em notas institucionais de que um documento datado de 1795 (auto de divisão) referente à Fazenda Quilombo foi identificado por pesquisadores, e que esse material está ligado ao acervo do AESP.

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Também é Nilson Cardoso de Carvalho que registra que, através da Lei de 27 de março de 1885 a Fazenda Quilombo e a Fazenda Rio das Pedras foram transferidas de Indaiatuba para Jundiaí (e depois, para Itupeva).

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Esse quilombo teria sido abandonado pelos negros moradores, seus fundadores, quando tropas vindas da Vila de Jundiaí para prendê-los, começaram a penetrar na mata. Ela era tão fechada, que os soldados levaram dois meses para chegar ao local do quilombo, encontrando-o já abandonado.


MEMÓRIA ORAL

A Fazenda Quilombo (junção também das Fazendas Capim Fino e Santa Tereza do Alto) depois desse período em que abrigou um quilombo, pertenceu ao Sr. José Estanislau do Amaral (avô da artista plástica Tarsila do Amaral).  Há relatos advindos da memória oral que essa Fazenda tinha uma paragem - Venda do Quilombo - frequentada por tropeiros e mercadores que teriam afirmado que ali tinha escravos libertos e que, por isso, "parecia um quilombo" - por isso o nome adveio dessa memória. No entanto, temos que considerar que José Estanislau do Amaral nasceu em 1817 e faleceu em 1899, após a existência do Quilombo

As memórias transmitidas de pai para filho também contam a outra versão: que no local onde hoje está a antiga Estação Ferroviária de Quilombo foi, sim, um local às margens do Rio Jundiaí, protegido por mata extensa e fechada, com muitas frutas, onde os quilombolas viveram até saberem da investida dos soldados de Jundiaí.


DEMANDAS

Há, portanto, lacunas importantes a serem resolvidas sobre a existência desse Quilombo. Não há documento historiográfico ou acadêmico que comprove que foi formalmente quilombo. As fontes que tratam do assunto são muitas vezes blogs, sites locais, vídeos ou tradições orais, não necessariamente documentos oficiais ou arquivos históricos verificados.


COMO CONFIRMAR

Minha avó materna - Alzira Estevam de Araújo Quinteiro nasceu na Fazenda Quilombo quando parte dela pertencia à Indaiatuba no início do século XX. Seus pais, que eram imigrantes e trabalhavam como colonos na Fazenda desde o século XIX, transmitiram para nossa família a memória que ali havia sido um quilombo. Registro isso para dar referências futuras para quem for confirmar essa história e precise referenciar uma memória oral.

Por fim, para confirmar ou refutar é necessário ampla pesquisa histórica, com base em documentação rastreável em:

  • Arquivos paroquiais da região: batismos, óbitos, matrículas de escravos.

  • Documentos de sesmarias ou mapas/cadastros antigos referente à região de Itupeva, Indaiatuba, Jundiaí e/ou Itu - notadamente sobre a Sesmaria Quilombo que pertenceu à Agostinho Rodrigues Camargo.

  • Registros de propriedades e inventários antigos da família de Agostinho Rodrigues Camargo e da família Amaral (José Estanislau do Amaral) para ver quando a fazenda foi estabelecida.

  • Publicações acadêmicas focadas na escravidão em Jundiaí/Itupeva ou estudos sobre quilombos na região.


RETALHOS DESSA COLCHA

Ainda considerando fontes para confirmar ou refutar, cito as seguintes:
  • “Os quilombos de Jundiahy” (por Vivaldo José Breternitz)
    Relata que, em 1885, “o Sr. Bueno” (administrador da estação de Itupeva) organizou uma força de 15 paisanos para atacar um quilombo na Fazenda São Simão, no distrito de Jundiahy (Itupeva). Houve confronto, morte de um dos paisanos, e depois ele comunicou o ocorrido ao delegado de polícia de Jundiahy pedindo reforço para desalojar os quilombolas. Jundiaqui

  • Arquivo Histórico de Jundiaí – Notícia “Arquivo Histórico preserva documentos sobre período escravista em Jundiaí”
    Nesta notícia, o diretor do Departamento de Museus de Jundiaí menciona que há documentos do acervo sobre quilombos em regiões que pertenciam a Jundiaí, e que “quilombolas de Itatiba seriam duramente atacados por tropas oriundas de Campinas”. Também há citação de “pagamento de quatro mil réis para um Capitão do Mato de São Paulo capturar e degolar um quilombola de Itupeva em 1759”. Serviços e Informações do Brasil

  • “Jundiahy usou ‘exterminadores de quilombo’” – artigo de José Arnaldo de Oliveira no site Jundiaqui relata que, em meados dos anos 1700, tropas da capital foram contratadas pela Câmara Municipal de Jundiaí para “exterminar (literalmente) um quilombo” em área da atual Itupeva. Jundiaqui

  • Arquivo Histórico / Prefeitura de Jundiaí — a própria Prefeitura / Arquivo Histórico de Jundiaí publica notas sobre documentação relacionada ao período escravista na região (incluindo menção ao quilombo de Itupeva e a episódios de repressão), o que corrobora que há documentação no acervo regional/estatal, embora o registro primário não esteja publicado integralmente online. Prefeitura de Jundiaí





Imagens: ponte sobre o Rio Jundiaí, nas proximidades da Estação Quilombo - 1934

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