terça-feira, 2 de junho de 2020

Fazenda Cachoeira do Jica

Localizada no bairro Tombadouro às margens do Rio Jundiai, a Fazenda Cachoeira do Jica é uma relevante representante dos ciclos da economia açucareira e cafeeira do Estado de São Paulo e do Brasil. 

De acordo com recentes pesquisas feitas em fontes documentais do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba e do Arquivo do Museu Republicano Convenção de Itu, pudemos constatar a importância do bem em três aspectos que se intercruzam: arquitetônico, o histórico-econômico e social e o cultural-religioso. 

O histórico econômico e social está ligado ao fato de ter pertencido a família Almeida Prado e ter sido a sede de uma fazenda de alta produtividade açucareira e depois cafeeira. 

Em 1840, a fazenda Cachoeira do Jica nasceu sob a posse de José de Almeida Prado (mais conhecido como Jica) . Dentre os vinte filhos do Capitão Mor de Itu, João de Almeida Prado, o “coluna de Itu” (1767-1835) se destacaram na região onde hoje é Indaiatuba três irmãos: João Almeida Prado Junior (Tibiriça Piratininga-pai), Francisco de Paula Almeida Prado e José Almeida Prado, o Jica. 

O primeiro foi dono da Fazenda Taipas e Pimenta, o segundo da Fazenda Engenho D Água e terceiro da Fazenda Cachoeira do Jica. 

Ainda em 1871 o Jica fez com que passasse pela sua propriedade um ramal Estrada de Ferro Ituana, o que já denotava o interesse de escoar a nova cultura produzida na Fazenda, o café. 

Entre os nove filhos do Jica pode-se mencionar Ana de Almeida Prado, a Baronesa de Itaim (1826-?), casada com o Bento de Almeida Prado, o Barão de Itaim e a Thereza de Almeida Prado (1837-1865), ramo da família que herdou a Fazenda Cachoeira do Jica. A filha caçula de Thereza, Gertrudes da Fonseca (1842-1894) casou com o Inglês William Mackrell Cotching (que veio a ser chamado no Brasil de Guilherme Coatching), que ganhou do Capitão José Manoel da Fonseca Leite, como dote, a Fazenda Cachoeira. 

William era “imigrante enviado pela coroa ao Brasil para avaliar as possibilidades de aqui estabelecer uma colônia inglesa, aos moldes de Helvetia,” (IBAÑES, 2012, p.16). 

A última herdeira dos Almeida Prado a ser proprietária da fazenda foi Mary Harriet Gertrudes Ignez da Fonseca Cotching Speers (1906- 1982), que mesmo nascida em São Paulo frequentava costumeiramente a Fazenda Cachoeira do Jica. Perto da morte, por não ter herdeiros, Mary Speers decidiu criar uma Fundação de assistência social ligada à Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Até o final do século XX, a Fundação Mary Speers buscou manter a Fazenda ativa na produção de leite. No entanto, a instituição julgou inviável financeiramente a manutenção da Fazenda que foi vendida para o Grupo Oscar Americano. 

Além da Fazenda ter sido uma grande produtora de açúcar e café no Estado de São Paulo há indícios presentes na sua construção que nos possibilitam levantar a hipótese a respeito de sua relevância para a histórica da arquitetura paulista, marcada pela migração (principalmente de mineiros) e a imigração da mão de obra estrangeira para trabalhar nos campos de café. 

Essas, talvez, sejam as justificativas para encontrarmos entre as paredes de taipa de pilão da época do açúcar, a inserção de tijolos, resultado de alguma reforma posterior à construção original, já no ciclo cafeeiro. 

Provavelmente, outra evidência dessa transformação é a adição de um jardim murado que passou a cercar a sede e o trabalho de cantaria presente em sua base. Tais ornamentos segundo os especialistas também fez parte de mais uma das adaptações que o ciclo cafeeiro empreendeu às casas da época do açúcar, buscando, assim, além de valorizá-la esteticamente, lhe dar um ar de modernidade, desvencilhando de um passado não tão distante marcado pelas técnicas de arquitetura de terra que estigmatizam o partido colonial paulista. 

Além disso, a influência da mão de obra imigrante (..) ganha uma maior relevância se levarmos em consideração que as pedras utilizadas no embasamento do casarão são semelhantes às utilizadas em pequenas casas presentes nas cercanias da sede, possivelmente casas de colonos italianos que estiveram presente na região. Feitas em cantaria, as pedras, muito provavelmente granito, foram moldadas em bloco retangulares, regulares, e assentadas com argamassa ou algum outro tipo de liga mais rudimentar. Esse tipo de construção remete às casas construídas na Itália, de muito antes da unificação do país. 

A presença de outra técnica italiana também pode ser notada na própria parede interna do embasamento que apresenta um tipo de técnica construtiva de terra muito rara no Brasil e peculiar na Europa, principalmente Itália, utilizada nos muros defensivos de antigas cidades, a taipa ciclópica, técnica que mistura de taipa de pilão com pedra. 

Além da relevância social, histórica e arquitetônica, a Fazenda Cachoeira do Jica tem preponderância do ponto de vista da memória (...) Nesse sentido, entre tantas iniciativas de memória ligadas à Fazenda, como, por exemplo, atividades ligadas ao mundo do trabalho, acontecimentos sociais e festas, pode-se destacar a procissão de São Benedito. Em tempos de longa estiagem, era costume realizar-se na cidade uma procissão conduzindo a imagem de roca de São Benedito, que ficava na capela da Fazenda do Jica, no bairro Tombadouro, até a Igreja de São Benedito, no centro da cidade. Tal atividade deslocava boa parte da população católica da cidade para a sede da fazenda, relacionando assim, nas memórias de muitos membros da comunidade indaiatubana a Fazenda com essa prática da cultura popular e não a abastança do café, do açúcar ou a refinada arquitetura rural.

Publicação original: página da Fundação Pró-Memória no Facebook.


JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. A Fazenda Cachoeira do Jica: um patrimônio cultural do quadrilátero do açúcar. Indaiatuba: Editora Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 2017. (Coleção Patrimônio Cultural de Indaiatuba, V.2).



Complemento



Imagem 1 - Sede da Fazenda Cocheira do Jica
Arquivo Público Nilson Cardoso de Carvalho (divulgação)


Liberação de recursos para a procissão dos festeiros de São Benedito, publicado pela Câmara Eclesiástica de São Paulo no jornal " O Commercio de São Paulo" na edição do dia 9 de maio de 1895



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