Indaiatuba 191
anos – Origem, Fundação e Futuro
EPIDEMIAS E PANDEMIAS
Eliana Belo Silva
Neste nove de dezembro de 2021 completou 191 anos que nossa Indaiatuba deixou de ser um bairro rural de Itu chamado
Cocaes – nome dado por causa da grande quantidade da palmeira indaiá - e passou a ser uma freguesia, ou seja, um local com uma capela curada e um padre fixo,
com um juiz de paz e com o direito de fazer uma eleição para eleger vereadores
para compor a Câmara de Itu. Ter se tornado uma freguesia é uma condição
de elevação religiosa - e não política – uma Câmara Municipal com eleições e
vereadores locais só teríamos a partir de 24 de março de 1859, quando uma lei
elevou a freguesia para vila (sinônimo de cidade).
Embora o nove de dezembro tenha
sido determinado formalmente como a "data de fundação de Indaiatuba", sua origem
aconteceu bem antes. Esclarecer a origem do povoamento da cidade é um desafio
para historiadores, pois atualmente há carência de mais fontes documentadas e
arqueológicas.
Na tentativa de esclarecer essa
origem, temos dois contrapontos, o lendário e o histórico - que ainda carece de mais dados.
O primeiro é um texto belíssimo, que pode ser considerado uma crônica benevolente e suave para a época em que foi escrito, inclusive apresentando uma estória que é repetida em muitas outras localidades, quando se narra a origem delas, o que nos permite categorizá-la como, em grande parte, lendária. Trata-se da narrativa feita pelo memorialista Francisco Nardy Filho, que conta que certo José da Costa, no século XVIII, saiu para procurar uma novilha perdida e, esgotado, teria resolvido matar a sede no Ribeirão Votura (atual Córrego do Barnabé), em cujas margens havia um pequeno povoado com o mesmo nome. Para sua surpresa, ele encontrou uma imagem de Nossa Senhora da Candelária e, com ela não mão e orando fervorosamente, encontrou a novilha perdida. Em gratidão, ergueu uma capelinha em homenagem a ela, onde, segundo o historiador Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, os moradores de Votura se reuniam todas as sextas-feiras para orarem.
No Livro “Indaiatuba, sua História” Scyllas e Caio da Costa Sampaio, além de fazerem certas correções nos apontamentos de Azevedo Marques, também afirmam que, em 1924, quando houve um desmatamento no local onde teria existido Votura, “observou-se vestígios de diversas casas, fragmentos de louças, pedaços de potes” e outros testemunhos, inclusive “nabos de esteios apodrecidos que apontam para um arraial regularmente construído.” Os autores apontam que o local estaria à esquerda do Ribeirão Caldeira - que desaguava no Ribeirão Votura - e nasce na frente da Toyota.
Nilson Cardoso de Carvalho levanta a hipótese sobre Votura (que você pode ler aqui), afirmando que o povoado estaria nas proximidades do Rio Jundiai e essa hipótese é corroborada pelo fato de que o Ribeirão Votura também foi chamado, por alguns, por "Ribeirão Caldeira".
Já fazendo um exercício de levantar possibilidades de acordo com o que conhecemos hoje sobre o Ribeirão Caldeira, podemos inferir que o povoado de Votura estaria hoje nos arredores do Parque Corolla. (Veja estudo fotográfico abaixo).
De acordo com a tradição oral, que carece de confirmação documentada, os habitantes de Votura saíram de lá e mudaram-se para o pico de uma colina próxima, fugindo de uma epidemia de varíola e ali construíram outra capela exatamente onde hoje é a Matriz Nossa Senhora da Candelária, capela esta que foi curada (recebeu bens) por Pedro Gonçalves Meira, que é considerado o “fundador” de Indaiatuba. Nas proximidades da capela (hoje Matriz) havia uma nascente - onde hoje é a “Praça da Nascente” - local relevante de pouso para tropeiros, atividade que impulsionou o crescimento de nossa cidade.
Deixando a parte lendária de lado,
por mais que seja bacana pensar que nossa cidade nasceu de um mito tão singelo,
encontra-se, em pelo menos três testamentos antigos - a menção a certo José da
Costa Homem, o que nos permite avançar na descrição da origem do povoado de Votura,
mais tarde Cocais e finalmente, Indaiatuba. Esse José da Costa Homem é, nada
mais, nada menos, do que herdeiro comprovado do bandeirante paulista Domingos
Fernandes (1577 - 24 de janeiro de 1652) que, em 1610,
juntamente com seu genro, Cristóvão Diniz, fundou o povoado de Itu, erguendo
no local para devoção a Nossa Senhora da Candelária, que mais tarde se tornaria
padroeira daquele (e do nosso) município. Ou seja: há, sim, comprovação
histórica comprovada que certo José da Costa existiu e que recebeu em inventário partes
das terras, justamente onde hoje está Indaiatuba.
Considerando tudo o que já temos
sobre a origem da cidade e tudo o que está por ser ainda pesquisado, comprovado
e divulgado, chama-nos a atenção o impacto que uma epidemia deu no citado
arraial de Votura. Previsível em uma época em que grande parte das crianças
morriam na primeira infância e pouquíssimos e privilegiados adultos viviam mais
do que sessenta anos, a debandada de uma população inteira para outro local
fugindo de uma doença é chocante. Podemos fazer o exercício de imaginar o
trabalho e esforço dos sobreviventes, em uma época que não tínhamos nada:
hospitais, médicos, enfermeiros, rede, antibióticos, penicilina e nem vacina,
sendo esta última uma das principais responsáveis por elevar a expectativa de
vida daquela época em cerca de 30 anos, uma vez que doenças até então graves
reduziram seus impactos, como – além da varíola – o sarampo, tétano,
poliomielite, rubéola, catapora, diarreia por rotavírus, caxumba, coqueluche,
difteria, tuberculose, febre amarela, gripe, hepatite A e B, HPV, HiB,
meningite e agora, uma nova peste: a Covid19, que devastou o mundo até os
resultados das primeiras levas de vacinação, quando então, a esperança
ressurgiu.
Do Votura citado neste texto e seu provável local,
passando por Cocaes e em seguida Indaiatuba, a varíola e outras doenças
infecciosas sempre provocaram medo e reações de confronto, sendo essas de
cuidado ou tentativas de prevenção. De transferir toda uma comunidade para a
outro local até o advento da primeira vacina, justamente a de varíola, não se
passou muito tempo; inclusive a história da imunização ativa confunde-se com a
história da varíola, doença que não só dizimou Votura, mas flagelou a
humanidade por milênios e ceifou a vida de centenas de milhões de pessoas ao
longo da sua convivência com o ser humano.
As tentativas de evitar as formas
graves dessa doença remontam os primeiros séculos. Ao notar-se que os
sobreviventes de surtos de varíola não voltavam a desenvolver a doença, foram
inúmeras as tentativas de tentar provocar uma forma mais branda dessa moléstia
– a chamada variolização. Povos, como hindus, egípcios, persas e árabes,
desenvolveram técnicas que incluíam inocular conteúdo derivado das cascas das
feridas (pústulas) da varíola, as quais eram moídas e colocadas na pele ou
introduzidas nas narinas. Mesmo com a comprovação que apenas 2% dos inoculados
morriam e que alguns poucos desenvolviam as formas graves da doença, a
variolização enfrentou oposição ferrenha e mesmo após o médico inglês Edward
Jenner ter criado – em 1796 - o que seria a primeira vacina contra essa doença,
ainda assim havia opositores – principalmente religiosos e dos variolizadores.
Passados 225 anos da invenção da
primeira vacina, o método de produção é basicamente o mesmo: a vacina é
produzida com parte atenuada do agente transmissor; isso aconteceu com a
varíola e com a Covid 19. E mesmo já tendo salvado bilhões de vidas desde as
primeiras doses, ainda há oposição e resistência ao método, por mais incrível que isso possa parecer.
A indistinção entre opinião/(des)informação
e argumentos fundamentados e numéricos de autoridades científicas, levam a
algumas pessoas há construir e divulgar pseudo-saberes que fomentam o
discurso negacionista influenciando decisões individuais que atrapalham o pacto
coletivo que é a vacinação em massa. Mesmo quando os óbitos diminuíram com o
avanço do processo de vacinação e com as evidências incontestáveis de que os
não-vacinados produzem cepas mais perigosas, ainda assim a resistência pueril
continua, passados mais de dois séculos. Na esfera do indivíduo, recusar a
vacina é defendido [SIC!] como
resistência ao que se entende como uma “violação” do Estado à inalienável
liberdade individual. No entanto, o que
se vê é mais amplo do que isso: é uma biopolítica (ou necropolítica?)
claramente advinda do governo federal e seus apoiadores.
E neste cenário todo, interligado
por epidemias e pandemias, do ponto de vista micro, não é só a história de
Indaiatuba que carece de políticas públicas do Departamento de Preservação e
Memória para que possamos esclarecer nossas origens com mais acurácia; mas do ponto de vista
macro, carecemos de bom senso para romper, de uma vez por todas, o desrespeito
à Ciência motivado por fanatismo político que transformou a vacina em um
elemento ideológico.
O que José da Costa Homem diria sobre isso, se pudesse?
Com base na possibilidade levantada neste texto, o arquiteto Charles Fernandes fez um estudo fotográfico do local onde teria existido o povoado de Votura, caso consideremos (1) que foi na margem esquerda do atual Ribeirão Caldeira* e que (2) o local escolhido por José da Costa Homem foi o de maior altitude - como era feito no início das povoações coloniais e imperiais no Brasil - para construir as capelinhas católicas.
Com base nesses dados, provavelmente a capela do povoado de Votura estaria onde hoje é a Rua Orlando Barnabé, entre as ruas Silvio Candello e Serafim Gilberto Candello. Esta afirmação carece de mais estudos. Com base nessa hipótese, esta seria a vista da capelinha em direção ao Ribeirão Caldeira.
O local indicado é o de maior altitude possível de ser avistada do ponto de união entre o Córrego do Caldeira e o Córrego do Barnabé (Ribeirão Votura) junto à várzea do Jundiaí que se estende até o Piraí conforme hipótese aqui apresentada.
NOTA: Conforme está escrito no texto, há informações que carecem de mais fontes, embora hajam pistas relevantes.
* Corroborou com a confirmação da localização o Engo. Alexandre Carlos Peres (SAAE).
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