quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Velha Igreja da Matriz


texto de Ejotaele


A velha igreja matriz, via de regra, também moldou nossos senhos e lembranças de meninice (ou autor se refere a primeira década do século XX). 

Ali floresceram os princípios de nossa formação religiosa.

Aquele vetusto altar-mór, legítima relíquia de arte gótica, é testemunha disso.

Como é grato ocorrer à nossa memória, aquele vulto bondoso que foi Esteliana, dona de requintada devoção, a nos ensinar o Catecismo e cada um de nós a querer saber melhor do que os outros, a fim de ganhar santinhos.

Ganhar um santinho significava um imperativo.

A paciência com que a Esteliana suportava aquela chusma de travessos, era de molde a desafiar qualquer chinês.

O pároco era, por esse tempo, o Padre Teófilo, muito amigo das crianças, sacerdote probo, inclinado ao terno sentimento da benevolência.

Com o seu falecimento, ocorrido em Indaiatuba mesmo e sepultado, ao que parece, na igreja matriz, substituiu-o aquele vigário bonachão e de gênio alegre que foi o Padre Oscar. Removido desta para outra paróquia, assumiu, mais tarde, o vigário local, o Padre Francisco Moreira, um dos vigários mais operosos que a paróquia de Indaiatuba já possuiu, embora português de origem, com um linguajar provinciano difícil de ser compreendido.

Faleceu o bom Padre Moreira, em alto mar, quando em viagem para a "santa terrinha".

Outros sacerdotes passaram pela nossa paróquia, entre um e outro interregno, entre os quais citaremos o Padre Molke.

Padre Ortega, grande amigo do esporte, Padre Soriano e Padre Rizzo, alguns já falecidos.

Neste capítulo cabe revelar uma nota curiosa. A igreja possuía três sinos que a petizada batizou com os nomes dos quais recordo apenas dois: de "Guarani" de som mais agudo; de "Duque" o de som mais grave. Havia porfia entre os meninos para repicá-los e quem escalava o repique era o José do Padre, sacristão do Padre Teófilo.

Era de ver o que acontecia nessas ocasiões!

Não era de bom vezo, todavia, naquela época repicar os sinos da igreja. Repicar? Ora, isso é moleques da rua da Palha, admoestavam nossos pais, não por hábito do descrédito da rua famosa, cujos moradores outros não eram aqueles que viviam a vida dura dos humildes e dos desprotegidos.

Não podemos imitir este capítulo curioso da pequena história de Indaiatuba primitiva.

Como não podia deixar de ser, a nossa velha terra nos deu igualmente seu culto a certas tradições religiosas que desapareceram e pertencem ao patrimônio do passado.

Queremos citar entre muitas, a que talvez está mais viva na cabeça dos velhos indaiatubanos, a Festa do Divino, que se revestia de um colorido tipicamente regional.

Com efeito, aqueles carros de bois, de comovedora evocatividade, ornamentados e cobertos de flores a chiar tristemente pelas ruas da cidade, com a sua carga de lenha tostada pelas queimadas das matas, lenha que representava a prenda destinada à festa; davam uma nota expressiva de graça e belo espetáculo coreográfico, atestando bem o pitoresco do tríduo do Divino.

Recordamo-nos também, de quando chegava o mês de maio, havia alvoroço nos corações dos devotos na expectativa das concorridas festas com que comemorava o tradicional evento na capelinha da Santa Cruz no Largo das Caneleiras.















terça-feira, 25 de novembro de 2014

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Chico de Itaici [e outros comerciantes e negócios de Indaiatuba antiga]

texto de Ejotaele*

Em Itaici, havia o botequim do rotundo "Chico de Itaici", contíguo à estação ferroviária, onde, além de outras petisqueiras servidas com gosto e arte, os viajantes reclamavam como quitute dos deuses, os monumentais pastelões, que ainda hoje os lembrarão com estalos na língua. E custavam apenas 1 tostão.

De açougues havia dois retalhistas, o Humberto Lira e o Felipe Naufel. 

Uma pequena quitanda era do velho Cartoti que supria bem toda Indaiatuba. Por um tostão comprava-se ali quase um cacho de bananas e por vintém enchia-se os bolsos de pés de moloque e canudos...

No ramo da barbearia, havia o salão do Andó, do Ettore Mosca e do João Cominatto, o conhecido e boníssimo "João Barbeiro", pessoa engenhosa e de espírito investigador que conseguiu formar em sua casa um pequeno museu de coisas antigas e originais, que hoje valeriam uma fortuna.

Os sapateiro de Indaiatuba, dessa época, eram todos italianos, entre os quais lmbramos Frederico Borguiu, Pavanelli, Cardinali, Otranto o"Ratão", Canata e o velho Pínfari.

No setor dos construtores, figuravam o velho Zoppi, italiano muiot patriota, "della punta di Ancona dove si vede il maré", que deixou numerosa descendência. Davi Dutra, Nho Nito de Campos, Luiz Laurenciano, todos antigos moradores da cidade. A estes, deve Indaiatuba, grande parte de suas construções civis.

Havia ainda o Juca Romão, construtor de fossas e poços e o "João Bezouro", que eram os pedreiros dos nobres. O comércio hoteleiro era modesto, existindo apenas dois hotéis naquela época recuada de 1909 até 1915: o Hotel União, da viúva Bortolotti e o famoso "Hotel Bela Vista" do conhecidíssimo  baiano Hemetério Rodrigues.

Mais tarde surgia o "Hotel Bela Jardineira", dotado de instalações mais modernas, cujo proprietário era Francisco Boselli.

Todas as mercadorias destinadas ao comércio de Indaiatuba desse tempo, vinha exclusivamente via Estrada de Ferro Sorocabana, porquanto não havia outro meio de transporte e locomoção. Invariavelmente, a Sorocabana tinha seus atrasos... Imagine-se com que dificuldades lutavam aqueles negociantes, muito embora, o Chefe da Estação, Elpídio Medeiros, funcionário correto e cônscio dessas vicissitudes do comércio, em parte as superasse com a boa vontade que o caracterizava.

Para os transportes das mercadorias, da estação às casas comerciais, os negociantes utilizavam-se do único meio de condução: a tradicional carrocinha do Antônio Laurenciano, ou mais apropriadamente, do velho "Canivete" como era conhecido, que fez do seu mister, o que se poderia dizer a "mística do batente", tal era a boa vontade de bem servir e "salvar" os negociantes dos atrasos ocasionais pela Sorocabana.

Falecendo o velho "Canivete", passou a ocupar o mesmo trabalho árduo, mas honroso, seu filho Ernesto Laurenciano, que seguiu as pegadas de seu progenitor, até que os primeiros veículos à tração moderna começassem a aparecer em concorrência inevitável do progresso.

Indústria na cidade, não havia e nem sequer laivos que favorecessem a industrialização mesmo que remota.

Falar em indústria, naquele tempo, era o mesmo que falar em calor na Sibéria.

No entanto, ninguém poderia imaginar do atual surto industrial de Indaiatuba e a sua facilidade de assimilação às conquistas do progresso.

E aí estão as chaminés fumegantes das fábricas, a exortar o avanço civilizador e a arrancar daquele marasmo que se supunha peculiar a Indaiatuba.


Ejotaele escreveu sobre o final do século XIX e início do século XX.


Estação Ferroviária de Itaici

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

As Tropas de Muares

(texto de Ejotaele)*

Não faltavam, de quando em vez, a passagem pela cidade, das famosas tropas de muares, que constituíam sempre um espetáculo novo para a população.

Essas tropas faziam comumente o seu "pouso" a uns cem metros da Praça Prudente de Moraes, hoje parte central da cidade.

Os proprietários de tais tropas aqui faziam boas vendas e barganhas com os habitantes do município.

Os burros e os cavalos eram vendidos alguns até Cz$ 100,00 (na época, cem mil réis), o que era uma fortuna para aquele tempo!

Existia àquela época, pouco mais de uma dúzia de negociantes: os Lisoni, o Tomasi, o Filetti, o Nicola Ferrari, o Juquinha Balduino, o Dominguinho Gazignatto, o Luiz Bertolotti, o Vicente Gandini, o Ernesto Gunther, Batista Araújo, Miguel João e o Tanclér, que exploravam o ramo de "fazendas e armarinhos".

A loja do Nicolau denominava-se "Loja do Queima".

"Sempre Avanti Savóia" era o lema da loja do velho Tanclér.

Sempre Avanti Savóia - Loja dos Tanclér


Singular costume usavam os comerciantes desse tempo: era o de colocar a porta de seus estabelecimentos comerciais, preso a uma haste, um pano branco à guisa de bandeira, para indicar quando havia carne de porco à venda. Isto acontecia semanalmente ou quinzenalmente, conforme exigiam a necessidade, a oportunidade, os reclamos da população. A carne, sempre saborosa, fresca e sã, porque era exposta à venda no mesmo dia do abate; dia do abate do suíno vendia-se ao preço de variava entre dois a três cruzeiros o quilo!

No ramo dos bares ou melhor chamados "botequins" havia apenas dois, o do Elia Pioli e do Ripabelo, para onde convergiam os amantes do jogo carteado.

Apenas três padarias existiam, que davam bem para o abastecimento da cidade: a do Pedro Pioli, do Adolfo Boari e do Nicoloni.

Farmácia, por muito tempo houve uma apenas: do Chiquinho Boticário. Muitos anos após 1906 instalou-se outra farmácia, o proprietário era José Siano, passando após o farmacêutico Luiz de Beneditis.

Apesar de não existir comércio compensador, Indaiatuba teve uma cervejaria e seu proprietário era Luiz Petri, que vendia a 40 réis uma garrafa, embora o povo subestimasse o produto que no seu dizer era "marca barbante". Esta cervejaria passou mais tarde por diversos donos: Major Alfredo de Camargo Fonseca, que a batizou com o nome "Condor"; Alfieri Martini, que a transformou em uma fábrica de bebidas e por fim Alexandre Prandini, que criou os saborosos refrescos "Ná-Ná" e "Abacaxi",que ficaram famosos.

O bilhar do Tabarana, situado defronte à loja do Tanclér, na confluência da rua 15 com a 7 de setembro era o único estabelecimento de comestíveis e ponto de diversão e reunião dos ociosos ricaços da época: Quinzó Bicudo, Nho Teço Barrinho, Nhobin, os Galvões, os Tebas, João Pires e outros.


* Eltemiro José Lisoni foi um dos primeiros cronistas de Indaiatuba, ele escreve memórias do final do século XIX e início do século XX.



segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Bairro Santa Cruz: Origem do Nome


Texto de Sylvia Teixeira de Camargo Sannazzaro

Lá do outro lado do leito ferroviário situavam-se as terras do Belchior, nome dado também ao córrego da Estação, por estar na propriedade desta família. Contudo, era muito comum as pessoas antigas, os moradores dali, ao se referirem a esse lugar, dizerem: lá da outra banda, ou lá do outro lado [da linha do trem]. 

Acontece, porém, que esta denominação, tão constante em nosso antigo vocabulário regional, foi mudada em virtude de um acidente alí ocorrido.

Nesse tempo, parte destas terras do Belchior passou a pertencer ao coronel Teófilo de Oliveira Camargo, que ali formou uma chácara de residências e, além de alguma plantação, mantinha sempre umas vacas leiteiras.

Devido à proximidade com a cidade e ar puro que se respirava nas manhãs frescas, era um hábito salutar, muito cultivado pela nossa gente, fazer um passeio matinal à chácara do coronel e saborear o delicioso leite gordo e puro, tirado na hora, aos copos com açúcar ou conhaque.

Certa feita, aconteceu que uma dessas rezes, um tanto historienta, desapareceu da chácara, do pastinho. Foi então iniciada a sua busca pelos arredores, o que deu muito trabalho, e após dias seguidos de procura foi ela encontrada pelo Martinho, um [menino] preto, empregado do coronel.

Não sabemos como explicar o porquê da raiva do animal. Sabe-se apenas, que a vaca quando vinha sendo trazida de volta para a chácara, já bem nas proximidades, investiu contra o homem, enterrando o chifre em seu ventre.

O coitado do Martinho morreu!

O acontecimento teve grande repercussão, devido à escassez de novidades na época.

No cemitério velho, aquele da capela [de muro de taipa], ao entrar a terceira sepultura da segunda ala, à esquerda, uma inscrição sobre a lápide do seu túmulo diz o seguinte: Martinho Camargo - Saudade do seu patrão.

E lá do "outro lado" foi erguida uma cruz, no local exato do acidente, evocando uma prece por intenção da sua alma.

O coronel depois fez uma ermida no mesmo lugar, ali na confluência da antiga estrada de Itu com a entrada da fazenda Barnabé. Daí em diante o povo passou a chamar o lugar de [que antes era do outro lado] de bairro Santa Cruz.

Hoje não existe mais vestígios da capelinha, que mais tarde tornou-se refúgio de leprosos andantes que armavam barraquinhas brancas nas suas imediações e aí permaneciam dias seguidos, vindo sempre à cidade, a cavalo, para pedir esmolas numa canequinha.

A permanência frequente desses doentes afugentava o povo, receado do contágio de tão terrível doença.
Por esse motivo, a Capela Santa Cruz não foi conservada. Derrubaram-na como medida sanitária, e quem por ali passasse poderia observar a existência de vestígios dessa construção, que deu origem ao nome do bairro: Santa Cruz.




A imagem mostra o Hospital Augusto de Oliveira Camargo, na ocasião de sua inauguração. A linha amarela é onde (aproximadamente) passava o leito ferroviário. A parte "de baixo" do leito (linha) passou a ser chamada "Do Outro Lado".


Imagem do Bairro Santa Cruz para a Matriz Nossa Senhora da Candelária, parte do local
onde esta história aconteceu.



.....oooooOooooo.....

Consta na história oral que Martinho ficava sempre nas proximidades da porteira no final da tarde, aguardando o coronel e seu pai chegarem de empreitadas. 
Os dois acharam falta dele em certa feita, e foram saber que ele havia sido morto pela vaca. Ou boi?
É a história do "menino da porteira" de Indaiatuba.

Sabe mais sobre essa memória local?


CONTE!

Tribuna de Indaiá de 13 de agosto de 1961


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