quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

ROMEU DOS BONECOS

Por Arnaldo Forti Battagin, janeiro de 2019



Estimulado pela curiosidade de minha amiga Euzemira Magda Pinto Villares, a quem trato carinhosamente como Magda Ferrari pela sua ascendência materna dos Ferrari , de Rafard -SP, decidi investigar sobre o Romeu dos Bonecos , que com nostalgia, me lembro ainda criança de suas apresentações em Capivari no final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado.

Descubro que seu nome era Romeu Rodrigues Pedroso, nascido em Indaiatuba -SP em 1.3.1923 , filho de Simão Rodrigues Pedroso e Benedita Rodrigues e se radicou em Capivari ainda jovem.

Casou -se em 1950 com moça capivariana, Odete Aparecida Rodrigues, filha de Benedito Rodrigues, o Dito Borges e de Ida Bego, de ascendência italiana. Dito Borges, de grata lembrança, zeloso jardineiro das praças centrais capivarianas era o terror da criançada dos anos 60 que insistia em pisar na grama e nos canteiros bem cuidados e fazia isso só para atormentar o jardineiro.

O casal teve os filhos Rosivaldo, Rogerio, Roberto, Romeu Junior e Rita e viveram em Capivari por muitos anos e alguns de seus filhos retornaram à Indaiatuba e o Roberto se radicou, depois no Rio de Janeiro.

Romeu dos Bonecos era artista nato, ventríloquo notável, sempre acompanhado de seus bonecos Justo e Sonera. O Justo era branco e palmeirense e o Sonera, negro e corintiano. Ambos faziam a alegria da criançada e também dos adultos. Os bonecos “faziam a alegria” pois Romeu dava vida e personalidade a eles.

Em 1939, Cornélio Pires, conhece Romeu, por ocasião de uma visita à Capivari. Cornélio, natural da vizinha Tietê, já era famoso por seu passado de escritor, jornalista, folclorista, poeta e cantor paulista. Conhecido como o "Bandeirante da música caipira", seu trabalho de pesquisa e promoção da cultura "caipira", ocupa um lugar de destaque pelo seu pioneirismo e desenvoltura na abordagem desse tema Cornélio tinha fundado a Cia de Teatro Ambulante de Cornélio Pires e convidou Romeu , então com 16 anos , a participar da trupe, que percorria não somente o interior paulista mas todo o Brasil.

Em seu livro “Tipos Notáveis de Popularidade”, Antonio da Cunha Penna, de onde extrai essa foto que ilustra o texto, relata que Cornélio ficou impressionado com a habilidade de Romeu em beber água e fazer o boneco falar . No próprio livro de Cornelio Pires, Coisas d’Outro Mundo, há uma referência a Romeu. A sociedade durou vários anos, com o patrocínio exclusivo da Cia Antártica Paulista, tendo se apresentado desde o Carandiru até no Teatro Municipal de São Paulo.

A Companhia seguiu realizando espetáculos por todo o interior do Estado de São Paulo, até o falecimento de Cornélio em 1958. Romeu dos Bonecos volta então a se apresentar sozinho.

Anos antes , em 1945 esteve na Itália no final da Guerra ,trabalhando no setor administrativo de FEB. Foi depois de sua volta ao Brasil e da morte de Cornélio que foi acometido pelo alcoolismo, mas fazia suas apresentações em seus momentos de abstinência.

Luciano Rodrigues, seu sobrinho e afilhado conta que que ele ia à feira e pegava uma sardinha da banca e perguntava a ela há quanto tempo estava lá e se estava ainda boa ao que a sardinha respondia coisas que o feirante não apreciava e isso e gerava alguns transtornos e muitas risadas.

Em 1988, como relata Antonio Penna, Romeu dos Bonecos fez uma apresentação para Moraes Sarmento no Programa A Cidade Faz o Show .

Sarmento se impressionou com a competência do artista e no saguão do Hotel Alvorada, divertiu a equipe de gravação com seus bonecos. Numa oportunidade o boneco Sonera começou a se dirigir a um espectador boquiaberto que assistia à exibição e quando o boneco põe em dúvida a masculinidade dele, o espectador vai a ignorância e por pouco o boneco e seu dono não saem ilesos do episódio.

Geraldo de Almeida informa que ele saia em caravanas com o Romeu quando Luiz Quagliato Filho era candidato a prefeito. Essas caravanas percorriam os sítios e as fazendas das redondezas e Romeu fazia a alegria das crianças da época.

Um outro episódio atribuído a Romeu dos Bonecos mas não confirmado diz respeito a um homem que trazia a carroça com muito peso ,puxada por um boi O Romeu na voz do boi diz :"eu estou cansado, com fome, com sede, trabalho muito".

O dono do animal se espanta e o ventríloquo repete a brincadeira . O dono do animal fica com a consciência pesada Quando entrega o suprimento diz que não trabalharia mais e conta o ocorrido Daí, surge a famosa frase . ! A terra em que o boi falô"!

Contam também que Romeu chegou a atingir um grau elevado na maçonaria.

Com o declínio de suas apresentações tentou de tudo para sobreviver, tendo sido pedreiro, encanador, mecânico, dono de bar em Capivari e Indaituba. Mas o vício foi se tornando expressivo, ficou internado na Clíinica de Repousos Indaiá . Em 1993, numa entrevista para a Tribuna de Indaiá assim se expressa “Eu sou alegre, sou humorista, mas minha vida foi se tornando um inferno, fui perdendo o sono , sentindo profundo tédio, um vazio que nem a bebida preenche . Se eu não acreditasse em Deus, já tinha dado um tiro na cabeça”

Faleceu no ano de 2000 em Indaiatuba ao 77 anos e deixou um sucessor, seu filho Romeuzinho, o novo Romeu dos Bonecos .

Romeuzinho era servente de pedreiro e trabalhava para meu irmão Eduardo Battagin. Morava nas obras em que ajudava a construir até que meu irmão fez construir uma casinha com quarto e banheiro para ele morar, próximo do Estádio Ronaldão. Romeuzinho herdou a habilidade do pai como ventríloquo e nas horas vagas começou a fazer suas apresentações. Numa delas meu irmão convidou o prefeito da época, o Borsari , que se impressionou com seu talento, assim como Cornélio Pires tinha se impressionado com o pai de Romeuzinho.

Foi contratado pela prefeitura de Capivari para fazer apresentações nas escolas e também como auxiliar de eletricista. Contudo herdou não apenas o talento do pai como ventríloquo, mas também a afeição pela bebida. S

ua carreira foi curta, tragicamente interrompida por ter sido atropelado e morto na Avenida Enio de Camargo, com sua bicicleta quando retornava do Restaurante Formigão, na Rodovia do Açúcar.

Quando ele morreu sua mãe e um irmão procuraram meu irmão, procurando as chaves da casinha em que morava mas como ele não tinha orientou a procurar um chaveiro e assim os bonecos Justo e Sonera foram resgatados.

Atualmente os bonecos estão de posse do filho Roberto, no Rio de Janeiro. Eles contudo não tem o sotaque carioca pois estão mudos.

Em Capivari ambos os artistas nunca foram homenageados, mas em Indaiatuba, existe uma praça com o nome Praça Romeu dos Bonecos, criada com a Lei Municipal 4814 de 19.1.2005

Nada mais Justo: o nome de um dos seus bonecos

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Il Tragico Naufragio Della Nave Sirio

A música "Il tragico naufragio della nave sirio" foi composta em alusão ao naufrágio do navio que vitimou Dom José de Camargo Barros (leia abaixo).

Com sugestão de Eduardo Mano, publico a letra da melodia, que você pode ouvir aqui:


E da Genova 
In Sirio partivano 
Per l'America varcare 
Varcare i confin

Ed a bordo 
Cantar si sentivano 
Tutti allegri 
Del suo destin

Urtò il Sirio 
Un orribile scoglio 
Di tanta gente 
La misera fin

Padri e madri 
Bracciava i suoi figli 
Che si sparivano 
Tra le onde del mar

E fra loro 
Un vescovo c'era 
Dando a tutti 
La sua benedizion

Em 4 de agosto de 1906, um navio de passageiros, o Sírio, naufragou nas costas da Espanha, próximo às Ilhas Formiga, junto ao Cabo Palos, em viagem regular na linha de Gênova (de onde saíra dois dias antes) para o Brasil e países da Bacia do Prata. Eram 16 horas, e o capitão José Piconne (de 68 anos e 46 de experiência na profissão) estava descansando, ficando o comando da embarcação sob a responsabilidade do terceiro oficial, quando se ouviu um ruído ensurdecedor e um grande impacto fez o navio inteiro sacudir. O comandante, além de não controlar o pânico resultante, foi um dos primeiros a abandonar o navio.

Construído em 1883 em Glasgow, na Escócia, o Sírio era um moderno transatlântico na época, com 129 metros de comprimento e 4.141 toneladas, com motor de 5.323 cavalos-vapor, tendo feito sua primeira viagem em 15/6/1883. A embarcação transportava cerca de 1.700 passageiros (embora só pudesse levar 1.300, e 127 tripulantes), entre eles cerca de 700 imigrantes italianos, dos quais 300 morreram no ato e 200 ficaram desaparecidos. Os que conseguiram se salvar, perdendo todos os seus pertences, foram abrigados pelas populações do Cabo Palos, de Cartagena e de Alicante.

A embarcação espanhola Jovem Miguel recolheu cerca de 300 náufragos, mas foi obrigada a se afastar, deixando ainda centenas de pessoas no mar, já que a explosão das caldeiras do Sírio e seu rápido afundamento colocaram essa embarcação em perigo. Já o navio francês Marie Louise, mais distante, ao chegar ao local da tragédia só encontrou destroços.

O comandante do Sírio foi preso em Cartagena, como culpado pelo sinistro, pois costumava aumentar seus rendimentos embarcando clandestinos no litoral espanhol e teria para isso se aproximado demais dos arrecifes. Além disso, como havia uma espécie de competição entre os navios quando à rapidez nas viagens, o Sírio viajava em velocidade elevada (17 nós, ou 31,5 km/h), incompatível com o local (o Bajo de Fuera, que se transformaria num cemitério de embarcações) e mais perto da costa do que deveria. O naufrágio foi presenciado por outros navios mercantes, por ser região de intenso tráfego marítimo.

Entre os passageiros, estavam também inúmeras autoridades religiosas que voltavam de Roma. Assim, morreu nessa tragédia o monsenhor José Camargo de Barros, bispo de São Paulo, com 48 anos de idade, além do prior da Ordem dos Beneditinos de Londres, oito missionários que vinham para o Brasil, salvando-se entretanto o arcebispo do Pará, Homem de Melo.

Testemunhas afirmam que dom José Camargo de Barros morreu devido à agressão de um tripulante que lhe tirou o salva-vidas, quando ele abençoava aqueles que iam se atirando nas águas. Também morreu o cônsul da Áustria no Rio de Janeiro, Leopoldo Poltzer.

Esse naufrágio ficou marcado profundamente na memória da colônia italiana no Brasil, que - três gerações depois - ainda canta, com muita tristeza: "Sírio, Sírio, la misera squadra; per molta gente la misera fin...". Nessas famílias, há um dito ritmado, transmitido de pai para filho: "quem não souber por quem rezar, reze por aqueles que estão no mar".

Cerca de um ano após essa tragédia, Benedito Calixto produziu em 1907 este óleo sobre tela, com 160 x 222 cm, denominado Naufrágio do Sírio, e que é preservado no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, na capital paulista:


Imagem in CD-ROM Benedito Calixto - 150 anos,
editado em 2003 pela Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos/SP

domingo, 6 de janeiro de 2019

Hermenegildo Pinto



GILDO PINTO

Hermenegildo Pinto, mais conhecido como Gildo Pinto foi um indaiatubano da noite. Exímio trombonista e saxofonista e admirável músico, foi regente por muitos anos do Bando da Lua, grupo musical que tocava jazz nas noites indaiatubanas, formado também por Benedito na flauta, Anacleto no saxofone e Ariovaldo na bateria, que depois cedeu o lugar para o sobrinho Gilberto quando resolveu tornar-se vocalista.


Praça Prudente de Moraes, Corporação musical 7 de setembro - 01/05/23. 

1° fila, da esquerda p/ direita: Maestro Pasqual, Pascoalino Boffa,________, José João de Campos, Hermenegildo Pinto e as crianças Pedrinho Boffa e José Dias (Zé Grilo). 

2° fila: Augusto Coppini, Gino Coppini, Edwino Banwart, Teodoro Araújo Campos (de chapéu e gravata borboleta), Casemiro Banwart. 3° fila: Lino Banwart, Calvino Hass (terno branco, gravata e chapéu), Rafael Tancler,___________, Alberto Candelo, Francisco Emanueli, Alfredo Coppini e Juvenal Fonseca. 

Dados fornecidos por Antonio Reginaldo Geiss, a partir de identificação feita por Maria José Tanclér.







Escola Municipal - 1909/10 (identificado por Sr. Geiss).
3° José Martins,
8° Benedito Teixeira de Camargo,
9° José Maria Antunes,
10° Francisco Lourenciano,
11° João Baptista Nunes Beccari,
13° Pedro Lopes de Almeida, 1
4° Antonio Martins,
15° Alfredo Furgeri,
16° Severiano Gonçalves,
17° Alcides Silva,
20° Hermenegildo Pinto,
 23° Carlos Tancler,
24° Alfio Bortolotti,
25° Acrisio Camargo.



1° José Maria de Almeida,
2°________,
3° Boneco,
4° Hermenegildo Pinto.



Carnaval de Rua Sr. Hermenegildo Pinto, década de 1940


MULTI TALENTOSO

Gildo Pinto ganhava a vida como pedreiro, marceneiro e carpinteiro, mas gostava mesmo de arte, tendo sido chamado, por muitos, de Walt Disney indaiatubano. Também era pintor, muitas casas de Indaiatuba “antiga” possuem um quadro seu na parede. Foi ele quem pintou o quadro em alusão ao primeiro sistema de tratamento de água em Indaiatuba e chegou a presentear o genial Nabor Pires Camargo com um de seus quadros. 


Outros privilegiados com suas pinturas foram a Professora Tachinardi e o Dr. Pedro Maschietto. Ele chegou a reproduzir quadros de Almeida Júnior, inclusive reproduzindo o "Picando Fumo". Pouco antes de falecer, dedicou-se também à escultura, tendo feito uma banda inteira de massa e de barro.

Em um de seus textos, Archimedes Prandini narra que quando o prefeito de Indaiatuba era o Major Alfredo Camargo Fonseca, este quis levá-lo a São Paulo a fim de estudar, mas quem faria o Gildo ir? Ele iria abandonar sua querida Indaiá? “ _E assim por este recanto que o viu nascer, perdeu grande oportunidade”.


Além de músico, pintor, compositor e escultor, Gildo foi, quando jovem, jogador de futebol primeiramente no antigo time Corinthians local, que acabou por fazer uma fusão com o time do Indaiatubano, formando o atual Esporte Clube Primavera, sendo um dos primeiros jogadores do fantasma da Ituana. Se irmão Silvio também fazia parte de uma das primeiras composições do time.


Em 1970, o convite da Prefeitura Municipal de Campinas, participou da Semana do Folclore, expondo suas peças de artesanato e pinturas a óleo.


A pedido da Prefeitura de Indaiatuba desenhou o chafariz, que hoje acha-se exposto na entrada do prédio da Caixa D’Água, na Vila Havaí.



PRESÉPIO

Indaiatuba tinha um hábito bastante singelo, narrado por cronistas desde o início do século passado: montar presépios privados que na verdade recebiam visita pública como o mais famoso deles, montado por Silvio Ferreira do Amaral que o fazia em sua casa na esquina do Largo da Matriz Nossa Senhora da Candelária, em frente da casa número 1, onde hoje tem um prédio de apartamentos. 

Gildo Pinto fazia o seu com miniaturas elaboradas com esmero, em movimento: tinha procissão saindo da igreja, bandinha, homem tirando água do poço, animais em movimento, pastores, homem lendo jornal, casalzinho de namorados, tudo formando um cotidiano moderno na cena onde os personagens principais eram o Menino Deus no berço, Nossa Senhora e São José, ladeados pelos Reis Magos.


FESTA POPULAR

No Carnaval ele organizava a festejada Banda do Boi, com boizinhos e outros bichos artesanalmente produzidos com os cabeções que era a festa da petizada. Tinha girafa, urso, macaco, avestruz, galo, elefante e cavalo, todos em desfile, animados com as músicas de sua autoria abrilhantando essa festa popular. Ele dizia que era uma homenagem para a Arca de Noé.

Gildo Pinto foi um agitador cultural de sua época. 

Quando faleceu, deixou viúva a senhora Angela Gemim Pinto e os filhos Gilberto, casado com dona Rosalina C. Nascimento, Luiz Adalberto, casado com dona Irene Benedetti e Edite, casada com Olavo Ribeiro Soares.



Trabalho de Hermenegildo Pinto








Foto do Centro Cultural Hermenegildo Pinto, conhecido como "Piano" no Jardim Morada do Sol em Indaiatuba, reinaugurado no dia 21 de setembro de 2018 pelo prefeito Nilson Alcides Gaspar.

sábado, 5 de janeiro de 2019

TRABALHADORES NEGROS ESCRAVIZADOS - A HISTÓRIA DE MANOEL

Os trabalhadores negros escravizados, que vieram para o Brasil sequestrados da África ou os que nasceram aqui eram considerados uma coisa e não uma pessoa. Eram capturados de acordo com o ‘volume’ que cabia no navio tumbeiro, eram vendidos por peça, metro ou por quilo e valiam pela quantidade de material que produzisse em seu ciclo de vida. Mesmo após o avanço de protestos humanitários a favor da abolição, eles continuavam a ser referenciados por métricas terríveis: liberdade só para os sexagenários (quem conseguia chegar nessa idade?) ou para os ventres livres (quem iria cuidar da criança sem pais)?



Como coisa, não possuíam nenhum direito, muito menos o trabalhista, podendo o dono da propriedade vender, dispor, trocar, utilizar como bem achasse que deveria e até matar. Como mercadoria, podia ser objeto de compra, empréstimo, doação, penhor, sequestro, transmissão por herança, embargo, depósito, arremate e adjudicação. Era uma relação jurídica rasa, entre proprietário e coisa possuída, onde um tinha direito de domínio absoluto e outro, dever de submissão legal e irrestrita. O correto é afirmar que o escravo não era sujeito de direito e a mulher escravizada transmitia essa condição aos seus descendentes.



QUANDO O ESCRAVO VIRAVA GENTE

       Mas... quando cometia um crime, virava gente.

Deixava de ser uma coisa para ser réu passível de punição com os rigores do Código Penal. O historiador Jacob Gorender, afirmou sobre isso que “o primeiro ato humano do escravo é o crime”.

Na história de Indaiatuba, foi Nilson Cardoso de Carvalho quem primeiro contou uma história dessa realidade. O episódio aconteceu na Fazenda Sertão, quando ainda éramos um Distrito da cidade de Itu. Vejamos.

No dia 25 de julho de 1856, uma sexta feira, por volta das onze horas da manhã, na citada fazenda a pouca distância da casa grande, estava uma turma de escravos roçando um capoeirão, isto é, roçando um local onde havia uma vegetação densa, comandados pelo feitor Vicente do Amaral Campos.

Iam todos roçando em linha no eito, mais ou menos juntos, menos o escravo Manoel que ficou para trás por levar mais tempo cortando um pau, mais grosso, difícil de ser abatido. Por estar demorando, o feitor dirigiu-se ao seu encontro esbravejando e, empunhando um relho deu-lhe uma relhada da qual ele desvencilhou-se levantando a foice como anteparo. O feitor retirou a foice das mãos dele, atirou-a ao chão e começou a surrá-lo. Depois de dar-lhe a última relhada, pegou a foice do chão e deu-a na mão do escravo para que continuasse o serviço. Quando o feitor virou as costas o escravo deu-lhe uma foiçada na cabeça que o derrubou, e quando tentou levantar-se deu outra foiçada com a qual acabou de matá-lo.

Seus companheiros de eito só perceberam o que ocorrera, quando se estabeleceu um silêncio após o esbravejar do feitor.

Matias, africano de 40 anos de idade, chegou ao local primeiro e vendo que o feitor estava morto e o assassino ao lado, amarrou o escravo Manoel e, quando chegaram os demais companheiros, o conduziram para o quadrado da casa grande. No caminho encontraram o proprietário da fazenda acompanhado de várias pessoas, seus companheiros, os quais no momento em que aconteceu a tragédia estavam caçando numa mata próxima.

Levado para o pequenino centro urbano de Indaiatuba, o corpo do feitor foi encaminhado à casa do subdelegado José Manoel da Fonseca, onde foi feito o exame de corpo de delito, constatando-se que havia “um golpe de foice da nuca até o alto da cabeça com cinco polegadas e meia de comprido e um outro golpe atravessando a cabeça de uma orelha a outra com sete polegadas de comprido e profundidade que não se pode saber por estar vazando muito miolo”.

A 16 de agosto de 1856, o escravo Manoel foi submetido a um tribunal de júri em Itu, composto de 11 jurados, a maioria deles senhores de engenho. Não foi condenado à forca, como era o esperado, mas condenado a galés perpétuas, isto é, prisão perpétua com trabalhos forçados, com os pés acorrentados.
  
Manoel era filho de pais africanos, brasileiro, natural de Ouro Fino, Minas Gerais e tinha apenas 16 anos de idade.




VEJA ABAIXO O QUE TEMOS PUBLICADO EM NOSSA CIDADE SOBRE A QUESTÃO DA ESCRAVIZAÇÃO E DA NEGRITUDE:

Alguns posts neste blog:


  • Da Fundação Pró Memória: Escravos e Escravidão em Indaiatuba.
  • A cartilha " Vovô Dito e Aristeu em Nunticuntô Voticuntá! – Histórias de Indaiá”, escrita por Aparecido Messias Paula Leite de Barros –  o Cido -,  e ilustrada por Edgar Paulino dos Santos  é composta por três personagens (avô, neto e o oriental Akira) que debatem a falta de registro sobre a escravidão em Indaiatuba e a necessidade do assunto ser pesquisado, debatido e divulgado entre todos os cidadãos do Município. 

A cartilha foi distribuída gratuitamente pelo mandato do vereador Derci de Lima e foi publicada com o apoio dos Sindicatos dos Metalúrgicos, dos Servidores Públicos, Sindiquinze e Sintconf. 

O material também conta com texto reflexivo sobre a história da escravidão no Brasil de Thiago de Souza, que atua no gabinete do vereador Derci, que luta pela instituição do feriado de 20 de novembro.

Leitura indicada para crianças e jovens.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

ELZIRA, ARTISTA E MEMORIALISTA

Considero que Indaiatuba carece de registros de sua História, mesmo com algumas pessoas (poucas) gostando e estudando o assunto, sempre ávidos por “novidades do passado”e com pouquíssimas que pesquisam, escrevem e divulgam sobre isso.

Uma das obras que diminui essa ânsia pela busca de nossa história, memória e identidade é o livro escrito por Elzira Ferrarezi Carotti publicado pela Fundação Pró-Memória de Indaiatuba chamado “Elzira... Na Ribalta da Vida”.

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA


Memória não é História.

A História como ciência, possui métodos de análise específicos, que busca em fontes diversas o material para ser estudado, analisado, contextualizado, publicado e novamente re-estudado, formando um ciclo de produção científica que não termina nunca com verdades absolutas, mas sim, em um esforço de narrativas com maior objetividade e representatividade possível.

Nessa perspectiva, a memória é uma das diversas fontes que o historiador utiliza para alimentar esse ciclo de produção do conhecimento; e em Indaiatuba temos a prazerosa fonte produzida por Dona Elzira, com suas memórias que testemunham, acima de tudo, sua vida como artista.

E através de suas memórias pessoais, o funcionamento das relações de nossa Indaiatuba se desvenda, expondo a identidade social, econômica, religiosa, artística e de outras esferas, principalmente do trabalho.

LEMBRANÇAS E IDENTIDADE SOCIAL


Entre outras memórias, Elzira conta que, ainda menina, trabalhou em uma Olaria produzindo tijolos e, mais tarde “quando completou 10 anos” foi trabalhar como cozinheira da família Sannazzaro, período em que ia buscar água nas torneiras públicas de Indaiatuba, tanto para a família que a empregava, como para sua própria casa, quando terminava sua jornada. Fazia os afazeres sempre cantando, talento que era admirado por todos. “A música e o canto sempre foram as maiores motivações da minha vida”

Pobre e sem condições de ter uma boa roupa, certa vez Elzira foi convidada pela professora do Grupo Escolar que frequentava a cantar em um dia de festa. Só que com uma condição: ela ficaria escondida atrás do palco, e uma menina com condições financeiras para apresentar-se “adequadamente” a dublaria, dançando suavemente com seu lindo vestido rodado. Essa memória acompanhou Elzira por toda sua vida, e foi uma das poucas que ela levou da escola, uma vez que saiu do Grupo assim que aprendeu a ler, ao terminar o primeiro ano, exclusivamente para continuar na rotina de seu trabalho infantil.

Além da pobreza extrema, Elzira narra uma meninice com doenças, típicas de uma época em que não tínhamos acesso rápido à remédios contra infecções e inflamações típicas da infância e que levavam muitas crianças à óbito.

Após chegar em casa da rotina como empregada doméstica na residência dos Sannazzaro, Elzira e a irmã tinham, ainda, que passar a roupa de muitas famílias, roupa essa que a mãe pegava para lavar na lavanderia pública do Córrego do Belchior (ou Córrego Municipal), onde o Major Alfredo Camargo Fonseca havia construído um puxadão para proteger as mulheres do sol e da chuva.

Nos dias de folga, Elzira ou um de seus irmãos (seus pais tiveram doze filhos e três das meninas faleceram pequenininhas, com pneumonia) tinham mais tarefas domésticas: ajudar a mãe e levar a marmita do pai na Olaria que ele empreitava. Com 15 anos, Elzira mudou-se para uma casa em Itu, onde exercia a função de babá, rotina que lhe tomava todo o tempo e possibilitava que visitasse a família apenas quinzenalmente.

Cantar no coral da matriz foi uma das maiores alegrias de Elzira, que nasceu em 08 de março de 1920 e passou a vida cantando, com a ilusão de que sua vida era uma ribalta, até quanto faleceu em 15 de outubro de 2008.


POR ELVIRA E PELAS MÚLTIPLAS INTELIGENCIAS

No dia 2 de maio de 2016, foi publicada uma lei que inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro obrigatoriamente nos currículos dos diversos níveis da educação básica. A nova estabelece o prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino promovam a formação de professores para implantar esses componentes curriculares no ensino infantil, fundamental e médio.

Em homenagem póstuma à menina que Elvira foi um dia e por tantas outras crianças, que nunca percamos a esperança de viabilizar as diferentes formas em que a inteligência se manifesta em cada pessoa.



PARA QUEM AINDA NÃO CONHECE

Elzira... Na Ribalta da Vida
Edição: Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.
Data de publicação: 2002
Autor: Elzira Ferrarezzi Carotti
Relata a história de sua família, desde a chegada de seus pais vindos da Itália, e suas memórias pessoais.
Formato: 21.5 x15,5cm - Páginas: 129


HOMENAGEM PÓSTUMA

Em 01/04/2016 foi publicada na Imprensa Oficial do Município a LEI N° 6.551 DE 31 DE MARÇO DE 2016, de autoria do vereador Carlos Alberto Rezende Lopes que denominada "Elzira Ferrarezi Carotti", a Rua Projetada 08 do loteamento "Vila Verde".


Da esquerda para direita: Felício, Miguel Carotti, Archimedes Prandini, Octacíllio Groff, Francisco Borghezani, Arthur Soares Siqueira, Moacyr Ghimarães, Moacir Martins (garoto), Fortunato José Deltreggia, Elzira Ferrarezzi, Geraldo Minioli, Glória Ferrarezzi, Geny Ferrarezzi, Walfrido Miguel Carotti.
A Elzira com bebe no colo; sentados - os bonecos do Sr. Archimedes ''Juca e Tião''.




quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Indaiatubanos presentes no Congresso Republicano em São Paulo

No dia 29 de maio de 1887, aconteceu, na cidade de São Paulo, capital da então província de São Paulo, uma das reuniões do chamado “Congresso Republicado Paulista”.

Os Congressos Republicanos Paulistas foram reuniões executadas durante o período do Império nas quais participavam personalidades comprometidos com a causa republicana, principalmente membros da maçonaria. O que pouca gente sabe é a participação dos indaiatubanos nesses episódios.

A decisão sobre a execução periódica desses congressos foi feita na famosa “Convenção de Itu”, que foi o primeiro desses congressos republicanos do Brasil, muito citado em livros didáticos, ocorrida em 1873 na vizinha cidade de Itu, que teve grande influência para o fim do período Imperial e a proclamação da República em nosso país e que teve como presidente, um ilustre indaiatubano, o João Tibiriçá Pitatininga, que era dono da fazenda onde hoje é a Vila Kostka (Itaici). Na Convenção de Itu, entre os 133 presentes 76 eram fazendeiros cafeicultores da região ou do oeste paulista e os demais eram profissionais liberais e comerciantes das camadas médias urbanas. Ainda do total de presentes nesta primeira convenção, 8 eram indaiatubanos.

Indaiatubanos estes que, como os demais, eram pertencentes ou relacionados à uma aristocracia agrária vinculada aos cafeicultores, que buscavam cada vez mais  modernizar suas lavouras com técnicas agrícolas diferenciadas e mão de obra assalariada, deixando para trás as lavouras de cana de açúcar com base na mão de obra de trabalhadores escravizados. Era uma “burguesia agrária paulista” com ideias progressistas, que não queria mais o poder nas mãos de D. Pedro II, um monarca centralizador que personificava, na visão dela, um entrave para o que queriam: a expansão cafeeira, a promoção da vinda de mais imigrantes, o financiamento de ferrovias para escoar o café e financiamento rural, ou seja, interesses bem próprios, diga-se de passagem.

Voltemos ao dia 29 de maio de 1887. Essa emergente burguesia agrária paulista era pacifista, queria tomar o poder do Imperador através do voto. Articulava-se em clubes, jornais e reuniões em mansões e casarões. Neste dia, o representante indaiatubano foi o Dr. Alonso da Fonseca e o principal assunto abordado foi o fim da escravidão. Dr. Alonso havia sido escolhido como representante da nossa cidade – que até então tinha seus campos repletos de indaiás -  para esse congresso em reunião realizada há poucos dias antes,  no dia 7 de maio, na casa de José Tanclér, data na qual também foi fundado o Partido Republicano em Indaiatuba. A reunião aconteceu na esquina da rua Sete de Setembro com a Quinze de Novembro (veja foto) na presença de 22 pessoas que elegeram como presidente do PRI o Sr. Luiz Augusto da Fonseca e como secretário Joaquim Emigdio de Campos Bicudo, dona da Fazenda onde atualmente fica o Casarão do Pau-Preto.

O principal fator da queda do regime imperial não foi a execução dessas reuniões, embora elas tenham tido influência. Entre outros fatores, o determinante foi o fato de o Brasil deixar de ser uma sociedade escravista para ser uma sociedade capitalista.

A decisão sobre o advento definitivo da República e o fim da Monarquia aconteceu no dia 9 de novembro, no Clube Militar. O Marechal Deodoro, figura respeitadíssima pelo exército e amigo pessoal do imperador, relutou, quase amarelou. Foi o presidente republicando mais monarquista que houve. Por sua vez, o Imperador D. Pedro II, o monarca mais republicano que também houve, foi protagonista de uma transição sem violência. Até tentou organizar um novo Ministério, mas não adiantou; esse sim, amarelou de vez. E o nosso país passou a se chamar Estados Unidos do Brasil com uma República Federativa.

E o povo?

No Rio de Janeiro e no Brasil como um todo, consta que ficou alheio. Historiadores narram em anais que foi um Golpe Militar.


Em Indaiatuba, consta que, até que fosse eleita uma nova Câmara no novo regime republicano, os mesmos membros continuaram a responder pelo governo municipal. De prático, retirou-se o brasão de armas do Império da fachada do prédio da Câmara e os guardas tiraram as insígnias imperiais de seus quépis.

Casa e loja de José Tanclér, onde eram feitas as reuniões
do Partido Republicano Paulista (PRP) em Indaiatuba

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