quinta-feira, 24 de março de 2011

A Colônia Japonesa em Indaiatuba

A chegada dos primeiros imigrantes e a formação da primeira Associação

Os primeiros colonos japoneses vieram à Indaiatuba em 1935. Doze anos após, isto é, em 1947, foi organizada uma associação de japoneses, que aqui chamaremos de NIHONJINKAI, cuja existência perdura até o presente momento, com a denominação de Associação Cultural, Esportiva Nipo Brasileira de Indaiatuba.

Desta forma, para se falar inicialmente da trajetória dos 60 anos da associação, é preciso conhecer primeiro um pouco da história dos primeiros colonos que aqui se estabeleceram.

Crise no café

O início de 1930 foi marcado por um período de crise na economia brasileira gerada pela queda na exportação do café, devido a uma grande crise mundial do produto. A região mogiana, que englobava de Campinas a Ribeirão Preto, também foi atingida pela crise, levando à falência grandes fazendas de café. Por outro lado, os imigrantes japoneses dessa região conseguiram sobreviver nesse período, devido às pequenas plantações de arroz e algodão. O imigrante Nakaji Gomassako, que nessa época morava em Campinas (atual Rodovia Anhanguera, km 96, no trevo de Campinas), é um deles.

Em 1935, Gomassako mudou-se para a cidade vizinha, na Fazenda Pimenta de Indaiatuba, trazendo sua família e iniciando sua plantação de algodãoo num terreno arrendado. Por Indaiatuba passava a Estrada de Ferro Ituana, ligando Campinas a São Paulo. Com as péssimas condições das estradas vicinais existentes na época, as boas condições da linha férrea eram contrastes que favoreciam a região Muitos japoneses se utilizavam da linha férrea e também procuravam se estabelecer nas suas imediações (da linha férrea Ituana ou da linha férrea Douradense), no período que antecede a 2ª Guerra Mundial. Os imigrantes da época procuravam produzir produtos que não necessitassem negociar diretamente no mercado, por isso um dos produtos escolhidos foi o algodão.

Algodão e tomate

Em 1941, também vieram, para a mesma Fazenda Pimenta, Teruo Imanishi e Uichi Miyake, arrendando um pedaço de terra para plantio. Em seguida vieram as famílias Takahashi e Miura, aumentando gradativamente o número de imigrantes japoneses na região e posteriormente formando uma pequena colônia japonesa. Esses imigrantes cultivavam principalmente o algodão, mas paralelamente foram introduzindo a plantação de tomate.

Na segunda metade da década de 30, a plantação de tomate nas cercanias de São Paulo (principalmente nas regiões de Suzano e Mogi das Cruzes) aumentava consideravelmente, e posteriormente, na década de 40, espalhou-se para regiões mais distantes como Jacareí e Campinas. Crescia o número de japoneses que plantavam e se utilizavam das linhas férreas para o transporte de tomate para o mercado de São Paulo.


Pioneiros na plantação de tomates em Indaiatuba
Imagem cedida por Maria Maçaco Takahara Imanishi

Região privilegiada

Como Indaiatuba se localiza numa região privilegiada, com excelentes condições de transporte, não seria surpreendente que se tornasse uma grande produtora de tomate, mesmo sabendo que na época eram poucas as famílias agrícolas nikkeis, com pouca área de plantio.

Apesar disso, a cidade de Indaiatuba era atraente para os agricultores, pois tinha um solo que propiciava e possibilitava a plantação simultânea de algodão e tomate. A primeira metade da década de 40 (durante a Segunda Guerra Mundial) foi marcada por pouca migração de famílias japonesas. No entanto, após o término da Segunda Guerra Mundial, isto é, após 1946, observou-se um grande aumento da migração dessas famílias.

Japoneses que buscavam por novos pedaços de terras passaram a migrar basicamente para duas regiões. Visando basicamente o cultivo de café, muitos migraram para o norte do Paraná e a outra corrente migrou para a região próxima a São Paulo, visando o cultivo de hortaliças. Dessa segunda corrente, muitos acabaram por migrar na direção de Campinas e Jundiaí.

Japoneses em Indaiatuba

Diante desse cenário, iniciaram-se as migrações para as cercanias de Indaiatuba, tornando-se notória a presença de japoneses na cidade. No início do ano de 1947, Magotaiyu Kuwahara se estabeleceu na região de Valinhos. Em março, Miyoji Takahara mudou-se para Indaiatuba, vindo da cidade de Garça (Alta Paulista). No mesmo período, a Fazenda Pau Preto acolheu as famílias de Yoshiro Hayashi, Takashi Fujiwara, Tamotsu Fujiwara e Etsutaro Tumoto, todas dedicadas ao cultivo de tomate.

Desta forma, os japoneses que vieram para Indaiatuba estabeleceram-se todos em fazendas, empenhados no cultivo da terra, inicialmente, e posteriormente, com o objetivo de formar um pequeno grupo de colonos japoneses, no Bicudo, que ficava dentro da Fazenda Pau Preto.

O único que não foi para a fazenda, instalando-se em um imóvel alugado no centro da cidade, foi Miyoji Takahara. Foi o primeiro japonês a morar no centro da cidade de Indaiatuba.

O maior produtor de tomate



A instalação dessas duas Cooperativas tornou-se um grande estímulo aos agricultores, que deram início a um aumento cada vez maior da produção de tomate. Na segunda metade da década de 50, Indaiatuba já era conhecida como grande produtora de tomate.

Geadas

A produção de tomate dessa época se concentrava basicamente no eixo da linha férrea Central que passava pelas regiões de Suzano, Mogi e Jacareí, onde Campinas e Indaiatuba foram incluídas posteriormente devido à grande quantidade de produção. Porém, nas tradicionais regiões produtoras de tomate ocorreram frequentemente geadas, no período de inverno, prejudicando em grande escala o cultivo. Isto é, no período de inverno, o cultivo do tomate era prejudicado na região de São Paulo, ocasionando queda na produção e aumento no valor de mercado. Portanto, se um produtor conseguisse produzir tomates nesse período, para a cooperativa agrícola seria um fator consideravelmente positivo.

Indaiatuba se localiza a 23º05’ da latitude sul, pertencente ao trópico e altitude de 600 a 650m. Comparada com a cidade de São Paulo (altitude 760m), Indaiatuba se localiza numa altitude um pouco mais abaixo, onde a temperatura média anual é acima de 19º C . Por isso, a cidade tinha uma vantagem, pois raramente geava na região. Mesmo no inverno era possível produzir tomates sem a preocupação de geada e também plantar diversos tipos de verduras, dando à região com características idênticas à da Califórnia dos EUA.

A respeito disso, inicialmente ninguém pensou profundamente. Somente depois que a produção de tomate aumentou consideravelmente, na década de 50, é que se evidenciaram as diferenças, tornando mais claras as vantagens da região.

Cooperativa de Cotia

O grupo pioneiro da Cooperativa Sul Brasil transformou Indaiatuba numa região produtora de destaque, elevando a produção e a venda do tomate no período de inverno. Mais tarde, por volta de 1960, a Cooperativa Agrícola de Cotia tornou-se uma das maiores cooperativas da América Latina. Nesse ano, efetuaram um levantamento estatístico da região produtora de tomate e chegaram à conclusão de que “não haveria local mais propício que o município de Indaiatuba para a produção do tomate no período de inverno”. Assim, em junho de 1961 a Cooperativa Agrícola de Cotia instalou um escritório em Indaiatuba (filial do armazém de depósito de Campinas). O número de cooperados era apenas de cinco pessoas.

Em março de 1962 realizou-se a primeira reunião de cooperados na sucursal Cooperativa Agrícola de Cotia de Indaiatuba, com ampliação de cooperados para 15 membros. Em fevereiro de 1964, a filial desligou-se da sucursal de Campinas, promovendo-se a “Armazém de depósito de Indaiatuba”, contando já com 90 cooperados.

Festa do Tomate

Os índices de produtividade da Cotia foram aumentando cada vez mais, estimulando maiores produções em grande escala. Este fato estimulou tanto a Cooperativa Sul Brasil quanto a Cooperativa Industrial Bandeirantes, de modo a ampliar e intensificar mais ainda a produção. Graças às três cooperativas, que ao invés de competirem entre si, fizeram um esforço em conjunto de cooperação de elevação de produção, é que Indaiatuba tornou-se na década de 60 um dos maiores produtores de tomate do Estado de São Paulo. Indaiatuba era basicamente uma cidade rural, e o desenvolvimento da produção de tomate do município pode ser atribuído por influência direta da Colônia Japonesa.

Entre o final da década de 60 e começo da década de 70, realizou-se a “Festa do Tomate”, organizada pela Associação de Japoneses, graças à força dos produtores nikkeis. Com a renda obtida dessas festas foi possível angariar fundos para a construção do atual clube de campo (Centro Esportivo da ACENBI). Podemos dizer, portanto, que a história da Associação de Japoneses está intimamente ligada com a história da cultura de tomate da cidade.


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A ACENBI (Associação Cultural Esportiva Nipo Brasileira de Indaiatuba), através da iniciativa do professor japonês, voluntário da JICA (Japan International Cooperation Agency) em Indaiatuba, Sr. Go Kuroki - organiza um Encontro de Solidariedade para este domingo, dia 27 de março de 2011 às 11h, em sua sede de campo em Indaiatuba, em apoio às vítimas das catástrofes do Japão.
O encontro tem como objetivo sensibilizar e divulgar a causa, através de mensagens de otimismo e apoio ao povo japonês. Assim como ativar e reforçar a campanha de arrecadação de contribuições que serão destinadas ao Japão através do BUNKYO, SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONESA E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL de São Paulo.



Para a reunião de solidariedade, a organização orienta para que todos tragam uma camiseta branca para que mensagens de apoio, otimismo e esperança - possam ser escritas nelas. No final da troca de energia solidária elas serão recolhidas e enviadas junto com outros itens com o mesmo propósito ao Japão.

O departamento de Beisebol e a Escola Japonesa de Indaiatuba (Nitigo Gakko) estão desenvolvendo cartazes e faixas com mensagens de solidariedade para incluir nesta remessa. Na mesma ocasião, os organizadores pretendem divulgar e fazer arrecadação de contribuições em valor que serão destinadas à reconstrução dos locais afetados do país. Os interessados poderão fazer suas doações desde já, através das contas abaixo. Depósito em qualquer valor serão aceitos e a data limite da arrecadação será até o dia 30 de abril de 2011.

Favorecido:
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONESA E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BUNKYO
Site: http://www.bunkyo.org.br/
e-mail: contato@bunkyo.org.br
Tel.: (11) 3208-1755
Fax: (11) 3208-5519

BANCO BRADESCO
Agência: 0131-7
Conta Corrente: 112959-7
CNPJ: 61.511.127/0001-60

ou

BANCO SANTANDER
Agência: 4551
Conta Corrente: 13090004-4
CNPJ: 61.511.127/0001-60

Através da ACENBI (Associação Cultural Esportiva Nipo Brasileira de Indaiatuba):
A contribuição poderá ser feita também através da Secretaria da ACENBI (falar com Sr. Domingos) o qual será devidamente registrado e igualmente repassado ao BUNKYO.

ACENBI - Centro Esportivo e Secretaria
Rua Chile, 689 - Indaiatuba.SP
CEP 13338-130 Tel (19) 3834.2584
e-mail: secretaria@acenbi.org.br

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Para saber mais sobre a ACENBI, acesse a fonte consultada: http://www.acenbi.org.br/

A partir do ano de 1950, houve um aumento na produção de tomate, devido às condições favoráveis de localização da região. Vislumbrando um sucesso certeiro, ficou acertada a vinda da Cooperativa Sul Brasil (com sede na cidade de São Paulo, e posteriormente reorganizada como Associação Central) como forma de garantir a produção dos cooperativistas. Três anos depois, a Cooperativa Industrial Bandeirantes (com sede na cidade de São Paulo) também instalou um armazém de depósito nessa cidade.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Nome bonito, bonito até demais

texto de Antonio da Cunha Penna,
do livro "Nos Tempos do Bar Rex" (2010)

O Primavera dos anos 40 fazia jus ao apelido “Fantasma da Ituana”, slogan criado por um de seus fundadores e torcedor devoto, Francisco Lanzi Tanclér. Em junho de 1944 um logo foi adotado e trazia a figura de um atleta encapuzado.


O último grande feito da agremiação foi o título de Campeão do Estado da Segunda Divisão no ano de 1977.

É seguramente o time de futebol com o nome mais bonito do mundo desde o remoto ano de 1909, quando surgiu e praticamente desapareceu, enquanto dois outros times tomavam seu lugar: inicialmente o Indaiatubano, (1918) que até 1924 esteve bem das pernas quando, então, desavenças entre os diretores provocaram um racha que resultou no surgimento do Corinthians Futebol Clube. Ambos conviveram de maneira precária até a década de 1920, quando resolveram juntar as forças, fundindo-se numa só equipe.

Segundo Hélio Milani, Francisco Tanclér sugeriu que a nova equipe se chamasse Esporte Clube Primavera, recuperando assim o original e poético nome do time desaparecido. Assim, em 27 de janeiro de 1927, deu-se a fundação do novo Primavera. O antigo campo do Corinthians passou a ser do novo time e ficava na quadra entre a Praça Dom Pedro II e a Rua 24 de maio.

Antonio Zoppi, em suas “Reminiscências Indaiatubanas” remonta ao primitivo Primavera do início do século e ainda sem campo fixo.

“... O jogo praticado era muito brusco, onde a força e a marreta decidiam a partida. Somente fanáticos se locomoviam até lá para presenciarem o jogo. O fim era agitado, pois a briga era iminente e inevitável. De regresso à vila, vinham todos pela empoeirada Cerqueira César, gritando: “Quá quá quá / Primavera foi ganhá”.

Interessante notar que o longínquo lá, onde o Primavera ia jogar, é hoje a central Praça Rui Barbosa, antigo Largo das Caneleiras, portanto, a menos de duas quadras da vila.

Outro espaço utilizado para jogos foi o “rapadão”, atual Praça Dom Pedro II, vizinha de onde até o ano de 1961 ficava o primeiro campo oficial do Primavera. Em 29 de junho daquele ano o Estádio Ítalo Limongi, o “Gigante da Vila Industrial”, seria inaugurado num jogo de triste memória para a torcida primaverina: 7 a 1 para o Jabaquara da cidade de Santos que, a partir daí, ficou sendo meu time de coração. Hoje, em meio aos mais de 180 mil habitantes de Indaiatuba, sou o único jabaquarense (ou seria jabaquarano?) que conheço. Nunca sei se o meu time ganhou ou perdeu, em compensação, não fica ninguém me azucrinando com as gozações de praxe, comuns a quem torce por times conhecidos. Brincadeiras à parte, sou primaverino sim. Comprovo destacando aqui a letra que fiz para o samba-enredo com o qual a escola de samba Unidos de Indaiá ganhou o carnaval de 1978; primeiro ano com obrigatoriedade de desfilar com ala de baianas e samba-enredo. Como sambista compus oito sambas para a Unidos, sendo cinco deles (modéstia às favas) campeões. Primavera Alegria do Povo foi o primeiro. Eis a letra:


“Nasceu uma flor de Indaiá
No meio da avenida
É Primavera o ano inteiro
Colorindo a vida
No Gigante da Vila Industrial
Um fantasma ressurgiu
Voou tão alto que assustou o meu Brasil

É Primavera no coração
Do nosso povo que garante o campeão
Falou mais alto nossa vontade
E esse refrão já alegrou toda a cidade:

Olha a rapaziada
Que bonito que é
Mata a bola no peito
E entrega no pé”.



Entre 1946 e 48, padre Antônio Jannoni foi o Presidente do Primavera e de 1949 à 50, o Dr. Adib Pedro.

A Rádio Convenção de Itu, posta no ar em 1948, era uma opção a mais para a nossa região. A revolução radiofônica iniciada na década de 30 estava no auge e novas emissoras pipocavam por todo o país. Indaiatuba, atrasada como era, só teria sua própria rádio 32 anos depois, com o surgimento da Rádio Jornal (1981). A Convenção mantinha um programa esportivo que ia ao ar diariamente das 11 às 12 horas. Um locutor ituano adorava descer a lenha no Primavera para o ódio e indignação dos ouvintes indaiatubanos. Sinézio Martini, além de jogador, fazia as vezes de cronista esportivo. Depois de ouvir os caluniosos comentários do radialista ituano após cada atuação do nosso adorado escrete, via-se com direito à resposta que era enviada para Itu pelo motorista Joaquim de Almeida (Hamburgo) de um dos ônibus do Brunetti. Esse vai e vem de insultos alimentava sobremaneira a rivalidade entre nosso time e o Ituano.

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Mascote publicado no site Futebol Paulista



Segundo o site Futebol Paulista, "de tanto assustar seus adversários na época em que foi criado, o Esporte Clube Primavera, da cidade de Indaiatuba, tornou-se um verdadeiro pavor, ou melhor, um fantasma para seus adversários. Antes de se tornar Esporte Clube, o Primavera passou por uma fusão de clubes entre Indaiatubano Futebol Clube e Corinthians F.C. Como o primeiro tinha a cor preta e o segundo, a vermelha, e o clube mais antigo da cidade o nome de S.C. Primavera (1908), decidiu-se criar, em 1927, o Esporte Clube Primavera."

sábado, 19 de março de 2011

Mapas

texto de Rafael Henrique Wolf*

Na primavera de 1993 eu estudava na EEPSG Joaquim Pedroso de Alvarenga, como era chamada na época. Era um aluno da sétima série e tinha treze anos de idade. Lembro-me com saudade desse tempo onde a minha vida era simples e objetiva, sem grandes felicidades, mas principalmente sem grandes tristezas.

Vivia nessa escola, já que duas manhãs por semana eram reservadas para as aulas de Educação Física, enquanto nas tardes estudava as outras matérias. Era uma correria nesses dias de Educação Física, pois, morando nas Chácaras do Trevo, tinha de pegar um ônibus às seis e meia da manhã (o primeiro e único), praticar as atividades estipuladas pela professora e voltar para casa correndo, literalmente, sempre na subida, como deve saber que ainda passa por lá rumo ao centro da cidade. Não sei como não me tornei um marotonista. Chegando em casa era banho, almoço e de volta ao ponto de ônibus, com uma colega que me chamava em casa e um colega a quem chamávamos em sua casa. Cinqüenta minutos antes do início das aulas, já estava na escola de novo.

Costumava passar o tempo com os colegas ou então ia até à biblioteca, onde sempre havia algo interessante. Posso dizer que minha ambição intelectual era quase insaciável. Queria saber de tudo, e num mundo sem internet e TV a cabo era lá a minha base de informações. Naquele dia específico a grande novidade era a chegada de um novo mapa-múndi, contendo as nova nações surgidas após a derrocada do comunismo russo. Letônia, Estônia, Arzebaijão, Geórgia, Tadjiquistão e Turcomenistão eram nomes novos e fascinantes, e como desde a mais tenra infância tinha obsessão por saber em que lugar do mundo eu estava (certa vez pedi de presente de aniversário um simples globo terrestre), o que eu mais queria era ver a exata localização das novas nações. O inspetor e bibliotecário Antônio Carlos, a quem chamo ainda hoje quando o vejo nos jogos do Primavera de “Inspetor”, foi quem me mostrou o novo mapa, que e eu fui logo estendendo na mesa para analisar. Chamo essa época de “Era Romântica da Informação”. Puxa, foi ontem!

Já estava começando a decorar o nome de algumas capitais quando senti a fragrância de um perfume delicioso, e ao levantar os olhos vi a dona desse perfume, na porta, olhando diretamente a mim. Quando cruzamos o olhar, ela sorriu e veio até onde eu estava, e foi logo perguntando:

- Oi! O quê que você tá fazendo?

Érica. Conheci várias. Acho que um daí ainda me caso com uma. Mas nenhuma jamais foi ou será taaaão linda quanto aquela. A mais bela de uma classe com várias meninas belas, por quem nós meninos babávamos e nos humilhávamos por um pouco de atenção. Como você já percebeu, elas vinham até mim, mas é deprimente dizer que havia uma diferença entre o interesse delas por mim e pelo garotos “bonitos e atléticos”, como diziam. Eu era o inteligente. Isso diz tudo, certo? E se estou pintando a Érica para vocês como a “Bela”, é natural que a mim coubesse a alcunha de “Fera”, sem nenhuma fada no meio. Peraí! Não me imaginem como vocês vêem nos filmes! Eu não usava óculos, não era gordinho e adorava futebol! Acho que esse comentário é meio estereotipante e tem certa dose de preconceito, mas acredito que devo ser perdoado, pois ou apenas um rapaz latino-americano (cadê o sentido disso?).

- Oi! Eu tô olhando esse mapa novo que chegou. Ele tem as novas nações européias.

- Me deixa ver. Mostra pra mim.

A Érica não falava comigo exclusivamente para me pedir cola ou ajuda com questionários e trabalhos escolares. Era uma das poucas com quem falava sobre variados assuntos. Por isso é claro que minha fascinação por ela era dez vezes maior. E, como disse acima, eu era o inteligente, e por conta disso sabia o meu lugar. Se apenas eu e ela sobrássemos vivos, a raça humana seria extinta, com certeza. Penso que ela também me achava fascinante, como quando a gente vai no zoológico e vê algum animal esquisito. Diferentemente da maioria dos outros aluno da 7ª A, eu a conhecia a menos de um ano, e acho que ela nunca conheceu um menino inteligente até então, daí o fascínio (que convencido eu pareço quando escrevo “menino inteligente”, não?, mas pessoalmente eu não era nem sou assim, apenas digo a verdade: eu só tirava “A”, só “A”... Vai dizer que uma pessoa assim não é inteligente?).

Ela deu a volta e se abaixou para olhar os lugares que eu apontava. Uma força sobrenatural impelia meus olhos para seus seios, mas a respeitava demais e me controlei. Depois disso ela se sentou na minha frente e me perguntou:

- Queria saber uma coisa. Por que você é assim?

- Assim como?

- Você fica aí olhando mapas! Ninguém faz isso!

“Eu quero ser seu cachorro”, canta Iggy Pop. O rostinho dela nessa hora era algo indescritível. No entanto, aquelas palavras tocaram-me profundamente. Onde quer que fosse, eu me considerava parte do “grupo”. Apenas um átomo entre átomos semelhantes. Mas ninguém fica olhando mapas, só eu. De repente percebi que não fazia parte de “grupo” nenhum. Estava fora, deslocado. O mundo desejava que eu me conformasse às suas ordens. O sistema havia enviado uma de suas melhores agentes para me dar o aviso. Meu corpo estava mudando. O corpo da Érica estava mudando, e como! Era preciso que minha mente também mudasse. Era preciso jogar o jogo. Uma simples tarde de um dia comum. Uma simples biblioteca, um simples aluno e uma simples estonteante aluna. A verdade da vida se revelou para mim. Depois de mudado, talvez até tivesse uma mínima chance de namorar com a Érica, algo como uma em um milhão. Mas seria uma chance, e é o que basta para alimentar anos de ilusão. Começaria respondendo a pergunta:

- Sou apenas curioso.

- Ah, tá. Vamos subir para a sala? Já vai bater o sinal.

Fomos caminhando lado a lado. Quisera eu que fosse de mãos dadas. Imagine que está tocando ao fundo a música “All I have to do is dream”, do grupo Everly Brothers. Mas, tudo bem. Minha personalidade dali para frente iria mudar. Entraria no “grupo” nem que fosse a fórceps. Garotas como a Érica passariam a me olhar como um igual. Inferior, mas igual.

Quase uma década depois eu a vi no shopping. Seria bom se fosse algo como “ela estava descendo pela escada rolante e eu subindo para ir ao cinema, e ao passar um pelo outro nos reconhecemos e sorrimos, cheios de alegria”. Não foi. Estava no último ano de faculdade e havia feito provas duríssimas ao longo da semana. Deixei a Unicamp aliviado e só pensava em relaxar assistindo ao filme do peixinho fujão. A fila para entrar estava gigantesca, e o dono estava quase tendo um ataque de nervos tentando organizá-la. Na minha frente havia uma mulher com uma criança pequena, de uns seis anos de idade. Não tinha um perfume marcante nem o cabelo era tão bonito. Era um pouco mais baixa que eu e já tinha uma certa barriguinha. A calça jeans não moldava tão bem o bumbum. Era ela. Descobri isso quando já estávamos entrando na sala e a menina deixou o ingresso cair e se abaixou para pegá-lo. A mulher se virou e cruzamos o olhar, como naquele dia. Só que dessa vez não houve sorriso. Ela pegou a menina e entrou apressadamente. Eu fiquei tão chocado que não consegui dizer nada. Entrei devagar e sequer tentei localizá-la. Não aproveitei o filme como gostaria, e voltei para casa tão logo a sessão terminou.

Bem sei que as pessoas mudam. Não tem jeito, é um fato. A Érica mudou. Estava acabada. Eu diria que também “mudei”. Ainda leio mapas.


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* Originalmente publicado no Livro "Um Olhar sobre Indaiatuba" (1) em 2006.

quinta-feira, 10 de março de 2011

A Praça dos meus Encantos

texto de Amires Candello de Oliveira*


Gosto de passar os olhos por essa cidade plana, de ruas e calçadas largas, com muito verde, cheia de sol, alegria e gente bonita.

Tomo consciência de seu progresso, com as indústrias e comércio. Mas prefiro passear no meu olhar por seus encantos: O Cristo, o prédio azul e branco do Hospital, a estação de trens, o Casarão, a calma Igreja Matriz, o velho chafariz e também as suas praças. Mas, quando esse olhar passa pela Praça Rui Barbosa, ele teima em voltar no tempo, para vê-la com o olhar de minha meninice.

Com era linda essa Praça Rui Barbosa! Toda ladeada por majestosos fícus, ávores frondosas, cujos frutinhos ao caírem, deixavam um tapete confeitado de bolinhas, espesso e macio.

Crianças brincavam despreocupadas. Meninos com figurinhas, bolinhas de gude e um pega-pega sem fim. Meninas comportadas contavam estórias, brincavam de ciranda ou passa-anel.

Era tranqüila essa praça... Ciprestes e manacás davam-lhe um toque romântico e perfumado. Bancos de pedra se espalhavam por todo o lugar e neles jovens e namorados se encontravam.

Ao entardecer, amigos e compadres se sentavam num bate-papo gostoso e relaxante, pois com certeza, essas prosas nada tinham à ver com violências, seqüestros e corrupção.

Era apenas a hora de espairecer.

Mas, o tempo foi passando, e com ele, o abandono chegou.

Ali vieram os circos, parques de diversão, quermesses e Festa das Nações... E a praça foi se acabando, as árvores envelhecendo, o chão com terra batida e só o cheiro da poeira no ar.

Assim morreu aquela praça, com suas árvores, arrancadas pela raiz. Outras árvores foram plantadas, novos canteiros foram feitos, crianças voltaram nela a brincar, mesmo que seja num cercado da escolinha; e o comércio ali se instalou. Tudo mudou....

O meu olhar, já não vê nessa praça, o mesmo encanto e poesia dos meus tempos de criança.

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Praça Rui Barbosa no final da década de 1960.
 
 
* Originalmente publicado no livro "Um Olhar sobre Indaiatuba" (1) - 2006

quarta-feira, 2 de março de 2011

Esta terra bendita e suas mulheres maravilhosas: Maria Inês Milani Domingues

O cotidiano de nossa cidade é cenário para batalhadoras mulheres, que no dia-a-dia fizeram e fazem a história da cidade, da sua família e sua própria. É o conjunto de pessoas anônimas que constroem uma cidade como a nossa, tão querida por muita gente. Tal como formiguinhas ou abelhinhas, cada uma cumpre seu papel dignamente no todo, e por fazerem a opção pelo BEM, pela EDUCAÇÃO, pelo CORRETO não só na conduta de suas vidas, mas na continuidade de suas famílias, muitas delas merecem sair desse anonimato para serem registradas como verdadeiros alicerces na construção de nossa sociedade. Maria Inês Milani Domingues é uma delas.

Maria Inês nasceu em Indaiatuba em 21 de Janeiro de 1928.

A caçula das mulheres, sétima filha de Cleophas Mosca Milani, a dona Cléofe, como era chamada pelos amigos e de Humberto Milani, barbeiro conhecido na cidade. Seus irmãos: Isolina Milani Cordeiro, Antonietta Milani Amaral Gurgel, Adele Milani Puccinelli, Marcos Milani, Hélio Milani, Maria Walda Milani Ibrahin, e Laércio José Milani.

A FILHA e a IRMÃ Maria Inês: imagem com as irmãs e os pais: Humberto Milani, Cléophas Mosca Milani,  Antonieta, Adele, Maria Ines e Maria Walda e Isolina (sentadas com os pais).

Passou sua infância e adolescência em Indaiatuba e estudou no Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes.

Por ser menina viva e inteligente, chamou a atenção da família Nicolau que tinha uma loja tradicional na Rua Bernardino de Campos, esquina com a XV de Novembro. Seu Julio, Dona Catarina e Dona Sara pediram à sua mãe que a deixasse trabalhar na loja. Aos dez anos de idade fazia contas de somar enormes em poucos minutos e encantava o seu Júlio com sua facilidade. Lá permaneceu até os dezoito anos quando se casou com Nelson de Almeida Domingues, e nos anos 80 voltou à mesma loja, desta vez na condição de gerente, dando todo apoio aos irmãos Nicolau, já idosos, que a queriam como a uma filha.

Ela conta que a primeira vez que viu o seu marido Nelson, ele estava chegando à cidade em cima da jardineira, vindo de São Paulo, coberto de pó da estrada de terra, e se interessou de imediato. Casaram-se em 07 de setembro de 1946 e foram morar em São Paulo por alguns anos. Em 1952 voltaram para Indaiatuba e aqui permaneceram.

Nos anos 50 apoiou seu marido na fundação do Rotary Clube de Indaiatuba, sendo ao seu lado a primeira presidente do Clube de Serviços, e logo em seguida, a do Indaiatuba Clube. Organizou inúmeros eventos para promover os dois clubes como bazares, desfiles de modas, almoços, bingos entre outros, sempre acompanhada de inúmeras amigas e companheiras que a ajudavam com admiração.

A ESPOSA Maria Inês, no evento de Fundação do Rotary de Indaiatuba

Trabalhou ativamente no Rotary Clube por mais de cinquenta anos, mesmo depois de ter perdido seu amado marido em 1988. Inspirou as novas companheiras com seu comportamento exemplar, seu dinamismo e espírito de liderança.

Foi primeira dama rotária por diversas vezes, convidada por companheiros solteiros que assumiam a presidência e contavam com sua experiência e dinamismo.

A ROTARIANA Maria Inês, evento no Indaiatuba Clube, acompanhada de sua irmã, Adele,
seu cunhado Athaide Puccinelli e sua mãe D Cléophas.

Dentre as atividades das quais participou, uma das que se destacou foi a concepção e direção do Clube de mães por vários anos, cujo objetivo era o de proporcionar às mãe grávidas carentes aulas sobre o parto, cuidados com o bebê, alimentação, higiene, saúde, além de ensiná-las a confeccionar um enxovalzinho para seus filhos, oferecendo assim um trabalho educativo básico e melhorando a qualidade de vida dessas mães e suas famílias.

Foi a primeira mulher do Rotary Clube de Indaiatuba a ser homenageada com o título de Companheiro Paul Harris, com posterior Safira, pelo conjunto de suas atividades meritórias. Foi homenageada no livro “Mulheres que compartilham” publicado em 2008 e organizado pela companheira Neusa Maria do Amaral S Albertini.

Sempre trabalhou formal ou informalmente para ajudar no orçamento doméstico.

Abriu a primeira Mercearia de Indaiatuba, “Mercearia S”, na Rua 9 de Julho que vendia vários produtos diferenciados como queijos e frios finos, frango fresco limpo (que eram limpos por sua mãe no quintal da casa) e frutos do mar congelados. Seus clientes eram as famílias mais tradicionais da cidade.

Cozinheira de mão cheia encantou sua família e amigos com suas receitas deliciosas, hoje repetidas por filhas (os) e netas (os).

Talentosa nas atividades manuais e artísticas fazia tricô na mão e na máquina de forma primorosa. Deu aulas de tricô na máquina e fez roupas, blusas, mantas e roupinhas de bebê maravilhosos.

Destacou-se como pintora, tendo retratado a nossa querida Indaiatuba antiga com inúmeros quadros, que nos remetem aos bons tempos e às lembranças de uma cidade pequena e pacata. Sua coleção já foi apreciada em uma exposição no Indaiatuba Clube e hoje enfeita toda uma parede de sua sala de estar para a apreciação e admiração de seus familiares e amigos.

A PINTORA Maria Inês, com tela do antigo prédio da cadeia/prefeitura (demolido)

Maria Inês é mãe de quatro filhos: Sônia Maria Domingues Barnabé, Sérgio Domingues, Selma Maria Domingues El Hage e Silvio Domingues; e avó de oito netos: Juliano Barnabé, Ana Flávia Barnabé Peres, Amir El Hage, Yasmin El Hage, Rafael Barnabé Domingues, Sérgio Humberto Domingues, Mariana Ávila Domingues e Marcelo Ávila Domingues.

A MÃE Maria Inês, com seus quatro filhos no 80. aniversário

Hoje aos 83 anos, viúva há 23 anos pode se orgulhar por ter criado seus filhos em tempos difíceis, dando a cada um aquilo que nunca pode ter e para ela um bem precioso para a vida: um diploma universitário.

A cidade de Indaiatuba também deve se orgulhar dessa Indaiatubana de origem simples, que superou os seus limites e que deu tanto de si contribuindo de forma marcante e significativa por tantos anos principalmente no Rotary Clube de Indaiatuba, liderando e trabalhando baseando-se no seu valioso lema de “Dar de si, antes de pensar em si”.




com a colaboração de Selma Domingues El Hage

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Créditos das imagens:
Álbum de família (divulgação autorizada) onde a indaiatubana Maria Inês é retratada cumprindo seus diferentes papéis: de filha, irmã, esposa, mãe, artista, rotariana, voluntária, benemérita e muito mais que em apenas palavras, por mais que tentemos, não conseguiremos nunca  - jamais - registrar.


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