sábado, 31 de agosto de 2013

Indaiatubana descendente de passageira do Kasato Maru herda precioso tesouro da História da Migração Japonesa

A Família Ussui no Kasato Maru.

Todos já ouviram dizer que os primeiros imigrantes japoneses chegaram no Brasil nesse famoso navio, que aportou em 18 de junho de 1908, trazendo as primeiras 165 famílias com seus primeiros 781 integrantes.

Calcula-se que atualmente os descendentes dos japoneses e descendentes que vieram para o Brasil desde então - já na quinta geração - somam mais de 1 milhão e 300 mil pessoas e entre elas está Luciene Ussui, que vai herdar da mãe, Rosa Ussui, um precioso tesouro histórico que esse post vai mostrar parcialmente. Luciene é bisneta de Massayo e Kaito Ussui, passageiros do Kasato Maru.

Imigração de Massayo e Kaito Ussui

Tudo começou no início do século passado, quando a jovem Massayo teve que trocar os seus velhos quimonos por um conjunto novo, feito com tecido japonês, mais ao estilo que as mulheres usavam nas principais cidades da Europa. Era uma exigência da Companhia Imperial de Emigração. Ela tinha 19 anos, tinha nascido em uma vila de Oshikomi e até então trabalhava como criada em casas de famílias bem estabelecidas em cidades vizinhas ao vilarejo. 

Foi em um dia de rotina entre ir e vir para a casa da família onde trabalhava que o pai dela a chamou e disse: _ Você vai se casar.

O pai de Kaito Ussui, seu futuro marido, já havia decidido que iram todos viajar para o Brasil. O casamento era um negócio de família e como o patriarca, entusiasmado com as notícias de enriquecimento rápido e fácil nas promissoras terras da América do Sul decidira, tratou logo de arrumar uma esposa para o filho. E assim foi. Entre a decisão, o namoro, o casamento, os preparativos para a viagem e o embarque no Porto de Kobe passaram-se menos de dois meses.

Acompanhando o casal recém-formado, um outro ente da família: um primo de Kaito, o senhor Kadiama, de cuja reputação Massayo guardou por muitos anos uma péssima lembrança: poucos anos depois de chegar, desiludido com a vida nas fazendas de café, ele foi tentar a sorte na Argentina - não sem antes se apossar dos parcos pertences do Sr. Ussui, um par de sapatos novos e um terno.

Da longa travessia a bordo do Kasato Maru, ficou a lembrança assustadora do oceano, o aroma das refeições que eram preparadas pelos próprios imigrantes, a imagem de baleias realizando acrobacias ao longe, para pânico dos pilotos japoneses, conscientes da fragilidade de sua embarcação. Foram 51 dias de água, céu, água, céu.

Primeiros tempos no Brasil

Depois das primeiras noites na Hospedaria dos Imigrantes, o casal ficou trabalhando por dois meses em uma fazenda de café perto de Ribeirão Preto e de onde sairam por interferência de representantes do próprio governo japonês. Eles não tinham intimidade com os trabalhos agrícolas - ao contrário das levas migratórias seguintes que vieram do Japão e pensaram em retornar para o pais de origem. Só que não tinham dinheiro e assim, com uma mão na frente e outra atrás que voltaram para São Paulo.

Acostumado com serviços burocráticos e com um nível cultural médio, 
o casal Ussui foi obrigado a pegar na enxada sob a mira de capatazes. 
Era uma situação humilhante.
(texto do O Estado do Paraná de 17 de dezembro de 1989)

Das lembranças da fazenda, não ficaram poucas: as dificuldades dos homens tentando colocar os cabos nas enxadas para a capina do cafezal, a surpresa de muitos diante de um inimigo desconhecido que lhes comia os humores de tanto coçar: o bicho-do-pé, desconhecido entre os imigrantes.

Mas boa cozinheira como era, Massayo estranhou acima de tudo os hábitos alimentares da nova terra. Como houve um atraso na chegada das bagagens embarcadas no Kasato Maru, os japoneses chegavam à fazenda sem caldeirões nem panelas, e não podiam cozinhar, pois as economias iam ficando escassas e nenhum deles se arriscaram a comprar utensílios no pequeno comércio das fazendas.

Acostumados a dormir em tatames, os imigrantes da Fazenda Dumont - da família do cientista Santos Dumont - se viram obrigados a rachar coqueiros trazidos da mata, enfileirá-los e estender sobre eles esteiras de tábua. Além disso, como haviam poucas casas, as famílias eram  obrigadas a dividir o espaço exíguo - uma situação pouquíssimo cômoda para o casal de núpcias recentes.

O casal Ussui em São Paulo

Mas em São Paulo não seria muito diferente. Ficaram hospedados por um tempo na Hospedaria dos Imigrantes novamente, até que um dia apareceu um "italiajin" que ofereceu um barracão que ele possuía no fundo da sua casa. A vida no barracão também não foi fácil, todos que aceitaram a cortesia do italiano dormiam ali enfileirados, "igual peixe na lata". Era um barracão perto do Jockey Club de São Paulo.

Foi quando Kaito arrumou emprego de ferreiro e Massayo como faxineira na residência dos proprietários da Companhia Paulista de Cervejas Antártica. Logo os dois largaram os empregos e foram trabalhar juntos na residência de Gabriel Ribeiro dos Santos, futuro ministro da Agricultura no governo Arthur Bernardes. Ali o copeiro Kaito e a faxineira Massayo conheceram o luxo das residências finas dos barões do café. Foi ali que nasceu o primeiro dos treze filhos, Roberto, que faleceu mais tarde em um trágico acidente de automóvel. Dos treze filhos, cinco morreram muito pequenos, apenas oito "vingaram". Quando fez cem anos e deu entrevista para um jornal, Massayo orgulhou-se de contar que amamentou todos (1).
Roberto foi o primeiro japonesinho a nascer em terras brasileiras. _ Ele despertava muita curiosidade, muita senhora chique queria olhar, era bonitinho, cabelinho pretinho.

Dalí a família foi trabalhar, por intermediação dos Ribeiro dos Santos, na Estrada de Ferro Sorocabana, em Sorocaba, onde Kaito foi guarda-freios, tornando-se o primeiro japonês a tornar-se funcionário público no Brasil. Kaito veio para o Brasil falando inglês, espanhol e com noções de contabilidade. Por temer se envolver nos inúmeros acidentes ferroviários, ele foi transferido para os serviços de escritório, o que mudou a vida dos Ussui, depois de algumas passagens ainda por outras fazendas. Agora Massayo era uma dona de casa em tempo integral e o marido dado aos serviços de gerência. Nunca mais pensaram em voltar para o Japão, nem para passear.

Quando puderam ter dinheiro para voltar para o Japão, não quis mais, "_ Nem mamãe, nem papai estavam mais lá", disse Massayo, quando foi entrevistada, em 1988, aos 80 anos da Imigração Japonesa no Brasil. (2). Kaito morreu em 1966.

Massayo foi a última remanescente do Kasatu Maru no Brasil, a última que ficou viva para contar a história da viagem.




Dizem que, depois que Massayo partiu do Japão para o Brasil, sua mãe Kayo Obata gritava o nome da filha do alto de um morro. Pelas cartas da irmã, sabe-se que da antiga Vila de Oshikomi não resta mais nada. Agora, os campos estão tomados por pistas de um aeroporto. (3)

O segundo filho do casal Massayo e Kaito foi Augusto, que casou-se com uma imigrante e teve cinco filhos, um deles, Mário Ussui, nasceu em Bandeirantes no Paraná e veio para Indaiatuba.

Mário fez parte da história de nossa cidade com um dos representantes dos bravos migrantes paranaenses, que aqui vieram em busca de oportunidades de estudo e de trabalho. E quem veio trazer sua força de trabalho, encontrou uma Indaiatuba ávida de mão de obra: assim foi com ele. Aqui casou-se com Rosa Ussui, estabeleceu-se e tiveram dois indaiatubaninhos: Luciene Ussui e Carlos Eduardo Ussui.

E foi trabalhando em nossa terra, laborando em uma das empresas que aqui geram emprego e renda, que, infelizmente, no dia 3 de novembro de 2010, Carlos Eduardo faleceu, vítima de um choque anafilático provocado por uma picada de abelha. Ele deixou as trinetinhas de Massayo e Kayato Ussui, que também nasceram na terra dos indaiás, as pequenas Carolina Leão Ussui, atualmente com 10 anos e Sayuri Leão Ussui.

Rosa Ussui guarda muitos recortes (4), fotos e lembranças da história de Massayo e Kayato Ussui. Rosa Ussui conta que, após pouco tempo da chegada dos viajantes do Kasatu Maru, o governo do imperador japonês enviou uma comissão de fotógrafos para registrar em imagens TODAS as famílias que viajaram nessa primeira epopéia. Muitas famílias estavam na cidade de São Paulo, outras no interior e outras tantas espalhadas por toda a América Latina, por vários países. Abaixo, neste post, você poderá conhecer parte deste precioso tesouro, guardas por Rosa, que ela deixará de herança para a filha Luciene.

Sua filha e netas terão, para o futuro, todos os registros guardados pela avó Massayo, os registros da coragem daquela que que com o marido saiu do Japão sem saber direito que vinha para o Brasil, que veio com um marido que não escolheu, mas com quem viveu, fez uma grande e honrada família, que viveu suas dores e amores, que trabalhou e construiu, com seus descendentes, uma parte da História do Brasil, da História do Paraná, da História de Indaiatuba.

Na saga dos Ussui reconhecemos em uma frase ou outra, em uma história aqui tão resumidamente contada, as vitórias e as perdas, as alegrias e as lágrimas de cada família japonesa que construiu e constrói essa nossa Indaiatuba, tão grandiosa que é, pelo que tem de mais valioso - a História de sua Gente!

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(1) Jornal Líder de 17 de março de 1990
(2) Folha de Londrina de 18 de junho de 1986
(3) O Estado do Paraná - 17 de dezembro de 1989
(4) Rosa Ussui cedeu gentilmente parte das imagens para serem publicadas neste post. São fotos fantásticas do início do século por todo o Estado de São Paulo.































quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Fazenda Paraizo - ITU





A antiga Casa Sede da Fazenda Paraizo - (o Sobradão) é um casarão semelhante ao que, hoje, abriga o Museu Paulista/Republicano “Convenção de Itu”, porém modificado, arquitetonicamente, após 1910.
O mais antigo dono de que se tem registro foi o Padre João Leite Ferraz, o edificador da Igreja Matriz Nossa Senhora da Candelária, Itu/SP.
Pertenceu, depois, ao Barão de Itu: o registro histórico mostra o nome da Baronesa de Itu (viúva) D.ª Leonarda de Aguiar Paes de Barros. O nome do sítio era Tietê.
Em 1868, o Capitão Bento Dias de Almeida Prado e a mulher passam a ser proprietários desse sobrado. O Capitão Bento recebe o título de Barão de Itaim em 1885. O sítio, após 1868, passa a ser denominado Paraizo.
Por volta de 1870, o Sr. Antonio Franklin de Toledo, casado com uma prima do Capitão Bento, supervisor do plantio de cana-de-açúcar do sítio Paraizo, montou a primeira moenda do engenho e se tornou o principal auxiliar e gerente dessa propriedade.
Entre 1878 e 1889, Bento dias se tornou o maior produtor de açúcar de Itu.
Em 1890, o Barão de Itaim vendeu a Paraizo para um primo. Já produzia café e, dez meses depois, o comprador a revendeu.

No ano de 1910, a Fazenda Paraizo pertencia ao Coronel Carlos Augusto de Vasconcelos Tavares, que a vendeu ao Sr. Joaquim da Fonseca Bicudo. Desde então, pertence à família Bicudo, mediante sucessão, e o atual proprietário da sede é um neto do Sr.Joaquim da Fonseca Bicudo, Joaquim Emídio Nogueira Bicudo.
Dos 300 alqueires que chegou a ser o seu tamanho, após sucessivas vendas, por meio de glebas destacadas junto ao Registro de Imóveis, restam ao atual proprietário, 9 alqueires, nos quais se incluem o Sobradão - antiga Casa Sede da Fazenda Paraizo – e outros marcos dessa Fazenda histórica .
Joaquim Emídio tem interesse em arrendar a antiga Casa Sede – o Sobradão – e, eventualmente, a casa de beneficiamento de café, em troca da restauração e conservação dos referidos imóveis.

Casarão - Sede da Fazenda
O antigo Sobradão-Sede da Fazenda foi construído em fins do século passado [XIX] e a seu lado existiram antigas senzalas que abrigavam os escravos.  
O “quadrado”, delimitado parcialmente por moradias dos empregados, tem, nos fundos, a “taipa” da época como parede.



Vista aérea de fazenda em 1982

A data exata da fundação da Fazenda Paraizo, situada no [antigo] Bairro do Pedregulho, no município de Itu/SP, não consta da documentação histórica, pois se perde nos primórdios do Brasil-Colonia e deve ter tido origem, como todas as grandes propriedades agrícolas da região, na divisão das sesmarias doadas pelos donatários das Capitanias Hereditárias no período da povoação.
Os registros sobre a mesma começam a aparecer a partir do século XIX, quando foi adquirida, em 1868, mediante permuta com a Fazenda Floresta, pelo Capitão Bento de Almeida Prado (o Barão de Itaim), notabilizando-se como pioneira na produção de açúcar da região (por um período de mais de dez anos), sendo de se notar que, por um século, no período de 1750 a 1850, o plantio da cana se constituiu na principal atividade agrícola de Itu. Consta que, em tempos remotos, a Fazenda pertenceu ao Padre João Leite Ferraz, que construiu a Igreja Matriz Nossa Senhora da Candelária de Itu.

Do período em que predominou a produção de açúcar, restou a construção que abrigou o Engenho (moenda) e o restante das instalações industriais rudimentares (cochos de fermentação da garapa, fornos de preparo do melaço e outros). O mesmo prédio foi utilizado durante o período da lavoura do algodão, depois adaptado para o beneficiamento do café, que foi a última atividade principal da Fazenda, com extensas plantações do produto.

A instalação destinada ao benefício do café foi  a mais moderna para a época, sendo acionada por roda d’água importada da Inglaterra e que ainda permanece no seu primitivo abrigo, embora prejudicada pelo tempo, mas com sua estrutura em bom estado, dada a excelente qualidade do material empregado. 

Cocho de mais de 100 anos, petrificado.


Da senzala, restaram duas grades.


Sino da antiga casa do Administrador.



Tulha (vista) – restaurada em 2005 – Fazenda Paraizo, Itu/SP – a ponte branca, “Ponte Nova”, que foi construída por volta de 1940/1941, atualmente, dá acesso à Estrada Parque, Fazenda do Chocolate [Fazenda da Serra], a  Cabreúva,  a Pirapora do Bom Jesus e outras cidades até São Paulo/SP.

Muro antigo, que foi preservado.


Antigas casas dos colonos,  restauradas, transformadas em escritório de Joaquim Emídio, depósito, lavanderia.  Uma das casas está completa: sala, cozinha, banheiro... Ao fundo: antiga casa do administrador e o Sobradão.


Interior da Tulha da Fazenda Paraizo (1).


Interior da Tulha da Fazenda Paraizo (2).



Aqueduto preservado.


O proprietário acredita que os 9 alqueires possuem grande potencial para que esse monumento histórico de Itu se torne autossustentável. Em setembro próximo ele vai inaugurar um restaurante no lugar onde era o antigo curral (prédio antigo do ano de 1.929).  "É um lugar com uma vista para a Rodovia Marechal Rondon e também com uma bela vista para rio Tietê (apesar da poluição) e para uma parte onde reflorestei com  mata atlântica. É uma paisagem muito bonita", afirma Joaquim, que acredita que parcerias futuras de caráter público ou privado podem fazer dela "um centro turístico, com restaurante, salão de eventos e uma escola de artesões para crianças carentes da região. P
Para isto está em busca de  empresa que queira restaurar a casa sede, utilizando seu nome, em troca da restauração e criação de um projeto social.

Atualmente, além do restaurante que será inaugurado, a atividade na Fazenda Paraizo se restringe, à criação de gado leiteiro e à lavoura de hortaliças, ambas terceirizadas.
A família Bicudo preserva o acervo de documentos, que incluem as fotos antigas, da Fazenda Paraizo – Itu/SP.


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Crédito do texto: Maria Lúcia Bernardini.
Crédito de imagens: Calendário 2010 – Fazenda Paraizo – 100 anos em Família e fotos do acervo de Joaquim Emídio Nogueira Bicudo.
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À sombra do casarão

(Por Wanda Bernardini Caricati – de 1999, Itu/SP)

A notícia atingiu-me como uma bomba: o casarão estava morrendo.

Dei-me conta, nesse momento, que há mais de quarenta anos deixara aquele recanto, onde vivera os primeiros vinte e cinco anos de minha vida.

Como fora possível afastar-me por tanto tempo, engolfar-me em uma nova vida, apagar da minha memória, arrancar do meu coração pedaços da minha existência que, agora, estavam ali, nítidos, perfeitos, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior?

 Vivi, literalmente, à sombra do casarão.

 Nas minhas primeiras lembranças, vejo-me na casa onde morava, ao lado do casarão, contemplando toda aquela grandeza que me assombrava. Austero, magnífico, contemplava, desde o começo do século, um cenário maravilhoso.

 À pouca distância, no seu leito milenar, rolava o caudaloso Tietê, de águas límpidas, que, nesse trecho, avançava tranquilamente, mas cujas entranhas encerravam mistérios que me assustavam.

 o longe, os cafezais estendiam-se a perder de vista e, para o seu cultivo, a grande colônia que rodeava o casarão tinha, sempre, uma população renovada.

 Primeiro, vieram os escravos que habitaram as senzalas, cujas construções ainda ali estavam. No começo do século [XX], vieram as famílias italianas, depois as espanholas e, na década de trinta, os japoneses trouxeram a sua cultura e,  com seus hábitos, mudaram a paisagem ao redor.

Quanto movimento! Quanta alegria!

 Na época da colheita do café, nas frias madrugadas, o sino badalava, acordando os trabalhadores para a lida.

Quando o sol começava a iluminar as encostas dos morros, as famílias partiam para o trabalho, num alegre burburinho, colorindo os caminhos que levavam ao cafezal.

Toda essa movimentação acordava o casarão, cujas janelas começavam, vagarosamente, a abrir-se para usufruir daquela sinfonia maravilhosa de vida e de sons.
Logo, as grandes carroças chegavam carregadas  de sacas de café que, rapidamente, eram derramadas nos lavadores. Os terreiros enchiam-se do café lavado, posto a secar e sempre revirado pelos trabalhadores atentos.
O sol, batendo sobre o café molhado, enchia o ar de um cheiro acre e adocicado.
A roda d'água movimentava a grande máquina que beneficiava o café e, por muitos dias, esse trabalho que começava de madrugada ia até altas horas da noite.
No campo, o rebanho pastava tranquilamente.
Pelas grandes janelas, o sol enchia de luz e de vida o interior do casarão, que ostentava uma decoração sóbria e refinada, com seu soalho de tábuas largas e muito brancas. Uma escada sólida, revestida das mesmas tábuas, dava acesso ao primeiro andar.
Nesse interior harmonioso, a vida corria feliz e refletia-se no seu exterior, numa troca perfeita de energias que se derramavam ao redor, como a envolvê-la numa aura.
E o tempo passou... décadas e décadas se sucederam.
O interior do casarão foi se esvaziando, raramente as suas janelas eram abertas e a paisagem, antes contemplada, foi mudando gradativamente.
O velho Tietê já não era o mesmo. Suas águas escuras já não permitiam a vida em seu interior e ele fenecia.
Desapareceram os cafezais e a roda d'água silenciou, quedando-se imóvel, como uma carcaça inútil.
 A alegre e heterogênea população da colônia foi, aos poucos, desaparecendo, em busca de outros lugares para sobreviver.
O velho sino silenciou e do seu toque alegre, nas madrugadas frias, ficou apenas uma lembrança, uma saudade.
 E, agora, quando amanhece e o sol ilumina as grandes janelas, elas permanecem fechadas, insensíveis ao carinho do velho amigo que vem saudá-las. Como guardiãs do silêncio e da penumbra, elas não permitem que ele penetre no interior do casarão e vá perturbar a agonia daquele que está definhando de saudade.


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