quarta-feira, 8 de julho de 2020

A LENDA DO INDAIATUBANO QUE GUARDA A CONSTITUIÇÃO





“Viveram pouco para morrer bem, morreram jovens para viver sempre”, é a inscrição que marca a entrada principal de uma edificação que se assemelha a guarnição de uma espada, cuja lâmina se levanta em direção ao céu da cidade de São Paulo. 

Arcos sombrios marcam a entrada desse mausoléu, e poemas do exilado Guilherme de Almeida estão encrustados por todo o ambiente. 



Interior do Mausoléu do Soldado Constitucionalista


A lâmina da espada, feita de pedra, com 72 metros de altura é oca; ao se apreciar pelo interior do prédio, transforma-se em um canhão, cuja culatra é guardada pela estátua de um herói, deitado imóvel sobre os restos mortais de quatro jovens estudantes, mártires de uma luta a favor da constituição e contra a intervenção de Getúlio Vargas, que tirou a autonomia do Estado de São Paulo.


Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932 ...
Crédito: Itaú Cultural


Há uma lenda, e ela diz que o Herói Jacente não está dormindo, nem morto, está de guarda, em suas botas e municiado, deitado de olhos abertos na direção do canhão que vai usar para proclamar seu exército de combatentes a defender a Constituição sob qualquer ameaça, ao lado do povo paulista.  E junto a ele estão sepultados 713 heróis ex-combatentes. 

Essa lenda paira sobre o Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932, o maior monumento da Cidade de São Paulo com 72 metros de altura e simbólicos 1932 metros quadrados, local onde repousam os restos mortais de heróis paulistas, entre eles um indaiatubano.






Túmulo dos mártires  MMDC encimado pelo Herói Jacente.



O embate de 1932  deveria ser uma rápida vitória, com 60.000 paulistas destinados a rumar em direção ao Rio de Janeiro, até o Vale do Paraíba, com a certeza que os estados do Sul e do Oeste não iriam tomar partido, mas Getúlio, que já possuía interventores militares no comando de cada Estado da federação, lançou frentes em todas as direções contra São Paulo, que cercado, passou a ser alvo também de ataques aéreos, inclusive contra civis.  A luta ficou muito difícil para o paulista. Sob a liderança de Pedro de Toledo, o governo constitucionalista de São Paulo durou apenas 03 meses, mas a derrota militar decorreu em uma vitória política que levou à promulgação de uma nova Constituição e com o fim dos interventores.

O saldo oficial foi de 934 mortos, mas estima-se que, entre combatentes e civis, houve mais que o dobro disso. 

Entre estas baixas estava um ilustre indaiatubano, o voluntário João Pereira dos Santos, que no dia 10 de Setembro de 1932, mantinha sua posição enfrentando as tropas que invadiam São Paulo pelo setor sul, em local próximo a Itararé, enquanto garantia a retirada estratégica de 150 colegas combatentes, quando foi alvejado e morto. 

Por bravura além do dever, seu comandante ordenou que seu corpo fosse escoltado a Indaiatuba com honras e homenagens de um Oficial.

No ano de 1955, foi criado o mausoléu para homenagear os heróis paulistas, e o túmulo central encimado pelo herói jacente, recebe, Euclydes Bueno Miragaia, Mário Martins de Almeida, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade, conhecidos como MMDC, quatro estudantes mortos entre os cinco que foram alvejados no confronto do dia 23 de maio de 1932.  E a cada dia 9 de Julho outros heróis são trazidos para  a companhia do Guardião Jacente.

Em 1956 são traslados para o monumento os restos mortais de mais cinco combatentes: General Isidoro Dias Lopes, o soldado José Benedito Salinas, o sargento Álvaro dos Santos Mattos e os  voluntários Fernão Morais Salles e César Pena Ramos que vieram da Capital, do Interior do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro.

Para completar os 25 anos da revolução, em 1957 a ...

”comemoração tomou um caráter especial. Desta vez, no dia 7 de julho, onze urnas, novamente vindas da Capital e do Interior do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, foram reunidas na Praça da República. Aí receberam homenagens o embaixador Pedro de Toledo que foi governador de São Paulo ao tempo da Revolução Constitucionalista, o major aviador Aderbal de Oliveira, o guarda-civil Natal Martinetto, Carlos de Souza Nazareth, presidente da Associação Comercial em 1932, o general Júlio Marcondes Salgado, comandante da Força Pública em 1932, o general Palmério de Rezende, o capitão Antônio Ribeiro Júnior, o capitão de fragata Nélson de Mello e os voluntários Hermes de Moura Borges, Delmiro Filgueiras Sampaio e o indaiatubano João Pereira dos Santos. Da Praça da República as urnas seguiram para o Largo São Francisco, ficando expostas publicamente à visitação na Faculdade de Direito. No dia 9 de julho de 1957, ao primeiro minuto do dia, no Parque do Ibirapuera, foram disparados tiros de canhão e houve toque de clarim. Horas depois, na Assembleia Legislativa houve hasteamento solene da bandeira e, em seguida, os deputados rumaram para a Praça da Sé. Às oito horas iniciou-se missa solene no altarmor da Catedral da Sé. Logo em seguida, em viaturas do Corpo de Bombeiros, os restos mortais seguiram em cortejo pelas ruas paulistanas até o monumento mausoléu. Aí, além das cerimônias de encerramento das urnas no jazigo, houve um desfile em frente ao monumento-mausoléu, no qual, além de autoridades civis e militares e personalidades, tomaram parte a Guarda Civil, a Força Pública, a Polícia Feminina, diversas bandas e os Dragões da Independência. Mais tarde, em comemoração ao Jubileu de Prata da Revolução de 1932, realizou-se uma sessão solene na Assembleia Legislativa, na qual também foram rememorados os dez anos da promulgação da Constituição Paulista de 1947. A esta sessão, mostrando claramente a importância dos eventos ali comemorados, esteve presente, em visita oficial, o presidente da República Juscelino Kubistchek de Oliveira.”...



Imagens: Cortejo de traslado da urna com os restos mortais de João Pereira dos Santos para o Memorial em 1957, que contou com a presença do então Presidente Juscelino Kubitschek



Muitos outros combatentes se juntaram ao Voluntário João dos Santos desde então, somando 713 em 2020, entre eles:

Paulo Virgílio que foi torturado na intenção de revelar a posição das tropas revolucionárias, foi obrigado a cavar  sua própria cova e antes de sua execução proclamou: “Um Paulista morre, mas não se rende! “ avançando sobre um sargento, e sendo alvejado.

O jornalista Casper Líbero, cujo espólio criou uma fundação.

O menino herói, Aldo Chioratto, de 9 anos, escoteiro de Campinas, morto em ataque aéreo. Aldo morreu após ser atingido por 13 estilhaços de uma bomba lançada por um avião da tropa federalista, após entregar uma correspondência para o comando revolucionário de Campinas na estação ferroviária, que fica no centro da cidade. Durante o levante, os escoteiros da região foram selecionados para fazer este tipo de serviço.


Cripta do menino herói Aldo Chioratto


Orlando de Oliveira Alvarenga, o quinto mártir estudante alvejado com os MMDC no dia 23 de maio de 1932 e que morreu dias depois de seus colegas.

Em 1957 o indaiatubano Voluntário João Pereira dos Santos  que estava sepultado em Indaiatuba, teve seu corpo transladado para o Mausoléu, onde jaz, para sempre lembrado. Nesse ano o herói-soldado foi homenageado em nossa cidade com um busto de bronze, colocado defronte a antiga prefeitura, na praça Prudente de Morais.




Hoje, ele descansa com seus pares, abaixo do obelisco do Ibirapuera, sob a guarda e no auxílio do Herói Jacente, até que seja solicitado a defender a Constituição contra qualquer ameaça, quando então, segundo a lenda, despertará a serviço de São Paulo.





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No dia 25 de setembro de 2018, na Sessão da Câmara Municipal de Indaiatuba, o vereador Alexandre Carlos Peres indicou que o busto do Voluntário João dos Santos que está na Praça Prudente de Morais, seja tombado pela Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.

Passados dois anos da Indicação, o "herói soldado" ainda não teve seu monumento tombado.

Para saber mais, leia aqui.


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Para entender o que foi a chamada Revolução de 1932

 

Paulo Pizzigatti Diniz de Almeida
Historiador e Professor.


A História é algo que pode ser facilmente manipulada se analisada de forma  leviana. No caso da História do Brasil, os fatos devem ser estudados com muita calma e a maioria dos episódios que ocorreram no país estão carentes de uma revisão ampla, competente e isenta de idealizações marcadas por atos de heroísmos individuais ou de grupos elitistas. Vários episódios da História do Brasil foram indiscriminadamente manipulados pelos ideólogos das elites.

Fatos foram distorcidos ou relatados de forma unilateral. Um desses episódios foi a chamada Revolução Constitucionalista de 1932. Para entendê-la, é necessário nos reportarmos para os episódios anteriores a ela. Neste caso, é preciso entender as primeiras décadas que precedem a imposição do novo regime político que foi imposto para o Brasil, o regime republicano. Quem foram os atores que controlavam a política brasileira durante a República Velha – 1894 – 1930 ? Que episódio quebrou com o domínio das oligarquias que estavam no poder ? Qual era a real intenção do movimento de 1932 aqui em São Paulo?

Creio que é preciso serem respondidas estas perguntas para se ter um mínimo de entendimento sobre este episódio. Para tanto e de forma breve, vamos a elas.

Em primeiro lugar, durante a segunda metade do século XIX em diante, o Brasil teve sua economia baseada na produção cafeeira. O café se espalhou pelo território paulista, formando uma nova elite, a Elite Cafeeira que a partir deste período começou a expandir seu poder político como expandiram seus cafezais. Nos últimos anos da década de 1880, esta elite já estava vigorosa o suficiente para, junto com o Exército, executar o golpe que culminou com a instalação do regime republicano no Brasil. Após o novo regime se consolidar, a elite paulista e seus colaboradores monopolizavam o poder político no Brasil por um período de 36 anos. Impondo suas vontades e ditando o ritmo da vida brasileira, baseado num conservadorismo mórbido.

Durante a Primeira Guerra Mundial – 1914 –1918, o Brasil sentiu alguns ventos de mudanças. Por necessidade, ocorreram a fundação de diversas indústrias, criadas para abastecer o carente mercado interno, que antes era suprido por importações. Estas indústrias foram criadas em São Paulo, onde parte do capital necessário para sua implantação veio da cafeicultura. A industrialização foi responsável pela formação de novas classes sociais além de criar uma nova mentalidade política.

Por outro lado, a partir da segunda metade da década de 1920, o mundo capitalista começou a ser chacoalhado pela iminência de uma grande crise econômica. A crise veio com o famoso episódio que ocorreu em Nova York, o “crack” da Bolsa de Valores em 1929. Este fato atingiu em cheio a economia brasileira baseado na produção cafeeira. É agora que as coisas começam a ficar mais claras para se entender os fatos que sucederam até atingir o Movimento de 1932.

A crise econômica ocorreu justamente em ano de eleição presidencial no Brasil. Na época o Presidente era o paulista e cafeicultor Washington Luís, representante do Partido Republicano Paulista. Na época vigorava a famigerada “Política do Café-com-Leite", onde havia um acordo firmado entre dois grupos políticos compostos pelo Partido Republicano Paulista – PRP, e o Partido Republicano Mineiro – PRM. Este acordo estabelecia um rodízio de domínio de poder entre eles, porém, quem mais usufruiu deste acordo foram os paulistas.

Em meados de 1929, durante o início das campanhas presidenciais, a direção do PRP, com medo que os mineiros não tivessem o cuidado necessário para tratar da questão da crise do café, quebrou o acordo estabelecido. Como estabelecia o acordo, o próximo presidente do Brasil teria que ser um mineiro, e estava na fila, o então Presidente de Minas Gerais Antônio Carlos de Andrada. Mas o PRP indicou como candidato oficial para presidência o cafeicultor, paulista e então Presidente de São Paulo, Júlio Prestes. Este episódio desencadeou o rompimento da Política do “Café-com-Leite”.

A partir desse momento, o clima político no Brasil ficou muito tenso. O PRM uniu-se com as Oligarquias Dissidentes e formou a Aliança Liberal, com candidatos próprios para disputar a eleição. Neste caso os candidatos eram Getúlio Vargas e João Pessoa.

A eleição ocorreu e foram, como todas as outras eleições que ocorreram no Brasil, fraudadas. O PRP, que contava com a força da máquina do Estado em suas mãos, ganhou a eleição e Júlio Prestes foi eleito. Mas não chegou a assumir o cargo. Antes de ocorrer a transferência do poder, Washington Luís foi deposto pelo movimento denominado “Revolução de 1930”. Junto com Washington Luís caiu também a arcaica oligarquia paulista do poder. Uma nova elite se colocou como dirigente do Brasil.

Esta nova elite foi encabeçada por Getúlio Vargas e pela chamada oligarquia dissidente. Neste novo empreendimento de Estado, os paulistas ficaram de fora.

Vargas e sua equipe nomearam interventores para governar os estados brasileiros. Para São Paulo, foi designado um interventor não paulista, o que enfureceu a elite derrotada pelo movimento de 1930.

Após dois anos de governo Vargas, a economia brasileira estava se recuperando do choque causado na economia pela crise de 1929. A Elite paulista deposta em 1930, sentindo-se reabilitada, começou a fazer uma série de exigências encaminhadas para o Governo, onde pediam a nomeação de um interventor paulista, além de mostrar a necessidade de elaborar uma nova Constituição para o Brasil. O movimento de 1932 ocorrido em São Paulo, em primeira instância, foi uma tentativa da velha oligarquia de reaver o poder perdido. Este empreendimento levou centenas de pessoas de boa índole a acreditar nas força das propagandas de cunho civilistas, carregadas de ideologias nacionalistas.

O Rádio, os jornais escritos e diversos outros meios de comunicação foram utilizados pelos ideólogos e propagandistas desse movimento para seduzir e induzir o povo a abraçar uma causa que visava reconduzir ao plano do poder a antiga elite derrotada pelo movimento de 1930. Nestes anos ainda haviam paixões e envolvimentos populares nos setores políticos. Lembrar que durante esses anos os conflitos políticos eram intensos. O mundo estava se preparando para se envolver num dos seus últimos grandes conflitos, a Segunda Guerra Mundial. A força dos movimentos de massa estava no ar. Neste período o povo levado pelas paixões se envolveram nas mais diversas aventuras políticas levado por bandos de alucinados, vingativos e gangues mal intencionadas. Como esquecer da Itália de Mussolini, a Alemanha dos Nazistas e até o Brasil de Getúlio Vargas.

O Movimento de 1932 lutava pelos direitos ou por vontades populares? 

Duvido. 

O Povo Brasileiro nunca passou de uma simples ficção ou apenas coadjuvante e sustentador das vontades do Estado. Tristes tempos aqueles onde centenas de pessoas deram suas vidas levadas por intenções particulares de grupos sedentos de poder. Hoje nós temos a obrigação de aprender com os erros do passado e não deixarmos sermos seduzidos por falsos discursos e propagandas de grupos e pessoas mefistotélicas.

Estação Ferroviária de Indaiatuba
Embarque dos Voluntários da Revolução de 1932


Abaixo, bilhetes postais da época da Revolução de 1932:
cid:000701ca009d$f7ec3b80$ddcefea9@principal


cid:AE902E2BCEC44B3389E96F65923D0EC5@desktopralph

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