Eliana Belo Silva
O termo “quilombo”, de origem no idioma quimbundo, significa “união” e era utilizado pelos africanos escravizados para designar os espaços comunitários de resistência constituídos por aqueles que logravam escapar da condição cativa.
No território que em parte integrou o município de Indaiatuba localizavam-se a Fazenda Quilombo e a Estação Ferroviária do Quilombo, ambas estabelecidas em área anteriormente pertencente a uma sesmaria. Instituída no período colonial, a sesmaria consistia em uma concessão de terras realizada pela Coroa portuguesa no âmbito das Capitanias Hereditárias, sob a exigência de que fosse efetivamente ocupada e explorada de modo produtivo. O beneficiário, denominado sesmeiro, assumia a obrigação de cultivar e dar função econômica à área recebida.
Veja a cronologia conhecida de proprietários da Sesmaria do Quilombo aqui.
Em 1795, este vasto território — atualmente compreendido entre os municípios de Indaiatuba e Itupeva — foi objeto de partilha judicial, processo a partir do qual se constituiu a Fazenda Quilombo. A denominação remete, segundo registros da tradição oral e referências históricas, a existência de um quilombo na região.
A menção ao “auto de divisão de 1795” é feita pelo pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho e aparece em texto disponível no Scribd, que é uma fonte secundária/online. Trata-se de um documento intitulado Revela Quilombo: Os Caminhos Às Margens do Rio Jundiaí, que cita pesquisas orais e arquivos que teriam identificado o auto e até um nome de proprietária (Anna Maria Xavier Pinto da Silva). Essa, porém, repito: é uma fonte secundária.
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Nilson Cardoso de Carvalho também é citado pela periodista Ana Lygia Scachetti (Jornal Tribuna de Indaiá):
Neste tópico, Nilson destaca um auto de divisão da Fazenda Quilombo, datado de 1795. “A fazenda Quilombo era formada por mais de mil alqueires de floresta com mato trancado”, conta o pesquisador. “Alguns escravos fugiram e se estabeleceram no meio desta floresta às margens de um rio, por isso chama Quilombo.” O documento mostra que as terras eram de propriedade de Anna Maria Xavier Pinto da Silva. Quando ela faleceu, em 1795, a área foi adquirida por alguns outros proprietários e, algumas décadas depois, pelo menino Agostinho Rodrigues de Camargo, por meio de seu tutor, João Tibiriçá Piratininga. Com o tempo, Agostinho se firmou como senhor de engenho e depois como produtor de café. “Ele teve uma descendência muito grande”, relata Nilson. “Entre seus filhos estava Augusto de Oliveira Camargo, dono da Fazenda Itaoca. A fazenda foi vendida e o dinheiro aplicado na construção do hospital (HAOC).”
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Há forte indicação na bibliografia local e em notas institucionais de que um documento datado de 1795 (auto de divisão) referente à Fazenda Quilombo foi identificado por pesquisadores, e que esse material está ligado ao acervo do AESP.
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Também é Nilson Cardoso de Carvalho que registra que, através da Lei de 27 de março de 1885 a Fazenda Quilombo e a Fazenda Rio das Pedras foram transferidas de Indaiatuba para Jundiaí (e depois, para Itupeva).
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Esse quilombo teria sido abandonado pelos negros moradores, seus fundadores, quando tropas vindas da Vila de Jundiaí para prendê-los, começaram a penetrar na mata. Ela era tão fechada, que os soldados levaram dois meses para chegar ao local do quilombo, encontrando-o já abandonado.
MEMÓRIA ORAL
A Fazenda Quilombo — formada pela junção das Fazendas Capim Fino e Santa Tereza do Alto —, após o período em que teria abrigado um quilombo, passou a pertencer ao senhor José Estanislau do Amaral, avô da artista plástica Tarsila do Amaral.
Segundo relatos preservados na memória oral, a fazenda possuía uma paragem conhecida como Venda do Quilombo, ponto de parada de tropeiros e mercadores. Esses viajantes afirmavam que ali viviam escravos libertos e, por essa razão, o local “parecia um quilombo”. Assim, o nome teria se consolidado a partir dessa tradição oral. Contudo, é importante observar que José Estanislau do Amaral nasceu em 1817 e faleceu em 1899, período posterior à existência do quilombo.
Outra versão, também transmitida de geração em geração, aponta que nas imediações onde hoje se encontra a antiga Estação Ferroviária de Quilombo existiu, de fato, um refúgio de quilombolas. O local, situado às margens do Rio Jundiaí, era protegido por uma densa mata e abundante em frutas, o que lhes garantia sobrevivência. Ali permaneceram até serem surpreendidos pela investida de soldados vindos de Jundiaí.
DEMANDAS
Há, portanto, lacunas significativas quanto à real existência desse Quilombo. Até o momento, não foram encontrados documentos historiográficos ou acadêmicos que atestem formalmente sua configuração como tal. As referências disponíveis provêm, em grande parte, de tradições orais, blogs, sites locais e vídeos, ou seja, de fontes que, embora relevantes para a preservação da memória coletiva, não constituem registros oficiais ou comprovadamente respaldados por arquivos históricos.
COMO CONFIRMAR
Minha avó materna, Alzira Estevam de Araújo Quinteiro, nasceu na Fazenda Quilombo, em uma época em que parte de seu território ainda pertencia a Indaiatuba, no início do século XX. Seus pais, imigrantes que trabalhavam como colonos na fazenda desde o século XIX, transmitiram à nossa família a memória de que ali teria existido um quilombo. Registro este testemunho para que futuras pesquisas possam ter como referência essa tradição oral.
Para confirmar ou refutar essa memória, torna-se necessária uma investigação histórica mais ampla, fundamentada em documentação rastreável, como:
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Arquivos paroquiais da região: registros de batismos, óbitos e matrículas de escravos.
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Documentos de sesmarias, mapas e cadastros antigos relacionados às áreas de Itupeva, Indaiatuba, Jundiaí e/ou Itu — em especial os que tratam da Sesmaria Quilombo, pertencente a Agostinho Rodrigues Camargo.
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Registros de propriedades e inventários antigos das famílias de Agostinho Rodrigues Camargo e de José Estanislau do Amaral, que possam indicar a formação e a transmissão da fazenda.
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Publicações acadêmicas sobre escravidão em Jundiaí e Itupeva ou estudos dedicados aos quilombos na região.
“Os quilombos de Jundiahy” (por Vivaldo José Breternitz)
Relata que, em 1885, “o Sr. Bueno” (administrador da estação de Itupeva) organizou uma força de 15 paisanos para atacar um quilombo na Fazenda São Simão, no distrito de Jundiahy (Itupeva). Houve confronto, morte de um dos paisanos, e depois ele comunicou o ocorrido ao delegado de polícia de Jundiahy pedindo reforço para desalojar os quilombolas. Jundiaqui-
Arquivo Histórico de Jundiaí – Notícia “Arquivo Histórico preserva documentos sobre período escravista em Jundiaí”
Nesta notícia, o diretor do Departamento de Museus de Jundiaí menciona que há documentos do acervo sobre quilombos em regiões que pertenciam a Jundiaí, e que “quilombolas de Itatiba seriam duramente atacados por tropas oriundas de Campinas”. Também há citação de “pagamento de quatro mil réis para um Capitão do Mato de São Paulo capturar e degolar um quilombola de Itupeva em 1759”. Serviços e Informações do Brasil -
“Jundiahy usou ‘exterminadores de quilombo’” – artigo de José Arnaldo de Oliveira no site Jundiaqui relata que, em meados dos anos 1700, tropas da capital foram contratadas pela Câmara Municipal de Jundiaí para “exterminar (literalmente) um quilombo” em área da atual Itupeva. Jundiaqui
Arquivo Histórico / Prefeitura de Jundiaí — a própria Prefeitura / Arquivo Histórico de Jundiaí publica notas sobre documentação relacionada ao período escravista na região (incluindo menção ao quilombo de Itupeva e a episódios de repressão), o que corrobora que há documentação no acervo regional/estatal, embora o registro primário não esteja publicado integralmente online. Prefeitura de Jundiaí
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