segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O povoamento da região de Indaiatuba em tempos remotos: perguntas e pistas

texto de Adriana Carvalho Koyama


Imagina-se que grupos Tupi-Guarani tenham ocupado nossa região em tempos remotos, especialmente por descobertas feitas em locais próximos a Indaiatuba, como Monte Mor e Salto. O texto* seguinte traz uma das poucas pistas que temos sobre a população local em períodos anteriores à colonização portuguesa da nossa região.


Ponta de Flecha, 5000 AP.

Povos de cultura Tupi-Guarani

O antropólogo Professor Desidério Aytai da Universidade Católica de Campinas e a Doutora Nobue Myazaki (1974), pesquisadora do Instituto de Pré-história da USP, em escavações realizadas em 1972 no sítio arqueológico denominado Tapajós, com mais de um quilômetro de comprimento, situado do lado esquerdo do rio Capivari-Mirim, região próxima de Indaiatuba, encontraram numerosos cacos de cerâmica, urnas e outros objetos com características tupi-guarani com idade de 800 anos determinada pelo método da termoluminescência.

O engenheiro José Luiz Bicudo do Valle, colecionador de antiguidades e conservacionista, cujos ancestrais se fixaram em Indaiatuba há mais de 200 anos, possui um machado de pedra polida de origem indígena, encontrado nos campos da fazenda Pau Preto, hoje área urbana de Indaiatuba 1.(CARVALHO: 2003)



Urna funerária de tradição Guarani, 800 AP, encontrada em Monte Mor


De fato, grupos Guarani habitam São Paulo há muito tempo, talvez 2000 anos. E antes dos Guarani outros povos passaram por aqui. No sítio arqueológico “Alice Böer”, na região de Rio Claro, foram encontrados vestígios de ocupações com 14.000 anos, aparentemente.

Os Guarani cultivam palmeiras, batata-doce, abóbora, vários tipos de milho, mandioca, amendoim e feijão. Plantam roças em áreas próximas às habitações e, antes da colonização portuguesa, também plantavam árvores e arbustos às margens das estradas que mantinham para seu deslocamento periódico. Segundo informação do Governo de São Paulo,

A história de São Paulo tem seus primórdios calcados nas trilhas dos índios [...]. A interiorização remonta ao Caminho do Peabiru, importante rota dos indígenas sul-americanos, ligando
 São Vicente – SP ao Peru. Essa trilha passava pelo Vale do Anhangabaú, em São Paulo,
e seguia em direção a Sorocaba e aos rios Paranapanema, Ivinhema e Corrientes,
onde o caminho passa a ser fluvial, chegando ao rio Paraguai e cruzando o território guarani. Daí, incorporava-se às rotas dos Incas, atingindo o Peru.2


As estradas mantidas pelos Guarani ficavam plenas de alimentos, plantas medicinais e árvores frutíferas. Esses alimentos atraíam animais pequenos e grandes, como antas, veados, catetos e capivaras, que eram caçados com diversas técnicas: armadilhas engenhosas, lanças, etc. Entre as frutas estão o abacaxi, o caju, abacate, mamão, maracujá, jabuticaba, pitanga e goiaba. O araticum, antes abundante em Indaiatuba, também fazia parte dos pomares indígenas.

Entre as árvores cultivadas pelos povos indígenas as palmeiras se destacam em todo o país: suas folhas servem para a cobertura das casas, para fazer cestos, esteiras e tecidos, os frutos servem para alimentação ou para fazer óleos comestíveis, para iluminação ou para repelir insetos, e finalmente, a madeira serve para inúmeros fins. O nosso Indaiá tem uso conhecido para a cobertura de casas.




Indaiá
Imagens da Coleção Antonio da Cunha Penna
Acervo FPMI

Até recentemente acreditava-se que aos povos indígenas faltasse conhecimento para a exploração intensiva do solo, que levaria a uma produção suficiente para o estabelecimento de comércio, para a criação da vida urbana e para o enriquecimento da sociedade. As pesquisas têm mostrado que essa visão tem muito de preconceito e pouco ou nada de compreensão do conhecimento indígena, e ultimamente os antropólogos têm ressaltado que o manejo das matas e demais recursos naturais pelos povos indígenas é sofisticado e cria uma economia auto-sustentável, garantindo a sobrevivência de várias gerações consecutivas.

Quebra-coquinho guarani


Hoje sabemos que existe uma opção desses povos em relação à riqueza, no sentido de não acumularem bens e de trabalharem apenas parte do dia para sobreviver, dedicando-se a outros afazeres no seu “tempo livre”. Nos tempos em que suas terras ainda não haviam sido invadidas, quando as plantações davam excedentes, era comum fazerem festas que duravam semanas ou até meses, para que esses bens fossem consumidos, e não comercializados ou acumulados, gerando riqueza e disputas por sua propriedade.3

Outra afirmação preconceituosa sobre sociedades indígenas é que os índios não teriam organização política e leis. Estudos recentes apontam para o fato de que sua organização política baseia-se em um delicado equilíbrio para manter uma relação de igualdade entre a chefia política e a sociedade. Segundo Pierre Clastres, entre os Guarani o chefe político não tem poder, mas sim autoridade intelectual e moral:


...o chefe não possui nenhum poder de coerção, nenhum meio de dar uma ordem. (...). Essencialmente encarregado de resolver os conflitos que podem surgir entre os indivíduos, famílias, linhagens, etc., ele só dispõe, para restabelecer a ordem e a concórdia, do prestígio que lhe reconhece a sociedade. [Ele deve] tentar persuadir as pessoas da necessidade de se apaziguar, de renunciar às injúrias, de imitar os ancestrais que sempre viveram no bom entendimento. (...) Se o esforço de persuasão fracassa, então o conflito pode muito bem se resolver pela violência e o prestígio do chefe pode muito bem não sobreviver a isso, uma vez que ele deu provas
de sua impotência em realizar o que se espera dele.4

Podemos imaginar grupos pertencentes a essa sociedade povoando os campos de Indaiatuba desde oitocentos anos atrás? Essa imagem parece contradizer a visão de “atraso” que normalmente acompanha nossas suposições sobre as sociedades indígenas. Essas descobertas foram possíveis depois que aprendemos a estudar sociedades diferentes da nossa a partir de uma visão não etnocêntrica, ou seja, numa tentativa de conhecer o outro, o diferente de nós, com os olhos do outro, a partir dos valores da cultura estudada, e não a partir dos valores culturais da nossa própria sociedade.

É possível também exercitar essa forma de olhar “antropológica” para compreender as diferenças culturais internas da nossa sociedade, e contribuir para uma convivência pluralista e para o respeito aos “outros”, aos que têm valores, conhecimentos, religiões, formas de vida e de organização familiar diferentes dos nossos. Em uma cidade formada por migrantes e imigrantes de regiões e países tão diversos, como é Indaiatuba, essa é uma grande aprendizagem. Para olhar para o passado e também para o presente.


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1- CARVALHO, Nilson Cardoso de Cronologia Indaiatubana. Indaiatuba: mimeo, 2003.
2- http://www.transportes.sp.gov.br/historiatransportes.htm
3- CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. RJ: Francisco Alves, 1982
4- CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. RJ: Francisco Alves, 1982.


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* Texto originalmente publicado no livro "Um Olhar Sobre Indaiatuba" - 2006

2 comentários:

  1. Nossos campos eram floridos, nossas matas preservadas, o povo era feliz. O indio tinha apito.

    Hoje, pasmem, o coronelismo anda de rédeas soltas.

    Parabéns por nos brindar com mais este relato histórico sobre nosso passado

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  2. Profi, não fomos apenas etnocêntricos, fomos bioétnocêntricos (cunho meu).
    Por isso Indaiatuba hoje não tem mais Guarani, rio limpo, araticum nem fruta de lobo. Tem apenas esses condomínios tristes, essas praças vazias e esses jovens confusos.

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