quarta-feira, 1 de maio de 2013

Lembranças da minha infância

Selma Maria Domingues El Hage
Passei toda a minha infância na casa da Rua Bernardino de Campos, esquina com a Rua 9 de Julho, palco de muitas diversões, brincadeiras, brigas, rivalidade, enfim tudo o que fazia parte do desenvolvimento das crianças saudáveis dos anos 60.  Hoje, ao remexer alguns papéis amarelados na casa de minha mãe, essas lembranças invadiram meus pensamentos. Revivi os antigos amigos, quintais, brincadeiras, cores, cheiros. Que saudade!

Ao lado esquerdo de minha casa morava a família do Dr. Pedro Maschietto. O seu consultório ficava em sua casa e por isso ele atendia as pessoas a qualquer hora do dia ou da noite. Em seguida tinha a casa da Dona Nica onde no quintal ela e seu marido cultivavam verduras e ervas como poejo, levante, guaco, hortelã, quebra-pedra... Quando alguma criança ficava doente minha mãe nos mandava à horta para buscar um macinho das ervas que se transformavam  num xarope  poderoso que levava mel. Até os meus filhos tomaram esse elixir milagroso.

Na esquina da frente morava a família da Candelarinha e lá num quintal imenso (pelo menos foi assim que ficou gravado na minha memória de menina de 6 anos), ela e suas tias  matavam os frangos  para o  almoço de domingo cortando os pescoços e soltando  os bichos pela terra . Traumático? Sabe que não? Esse era o costume, já que os frangos eram criados soltos e ciscando milho e bichinhos ou eram comprados vivos na feira do Randolfo.  Nessa casa também morava a Zabé,  figura folclórica da cidade que não usava sapato de jeito nenhum, andava com pequenos passinhos  e adorava tomar uma branquinha, derramando um pouco pro Santo!

Já do lado direito, no meio da quadra havia a Igreja Presbiteriana com seu enorme pátio, local preferido para as brincadeiras das crianças da vizinhança, e, atravessando a rua, a casa do Sr Waldemar Giomi  onde hoje é a residência do Sr Reginaldo Geiss. Lá, a jabuticabeira de mais de 50 anos do quintal tinha galhos tão grandes que cada menina se alojava confortavelmente com sua boneca fazendo uma casinha. Parecíamos andorinhas nos seus ninhos.

Na esquina da Rua Bernardino com a Pedro de Toledo havia o Bar do Álvaro onde comprávamos tabletes de diamante negro, bombons sonho de valsa e cigarrinhos de chocolate Pan.  Na outra esquina o famoso Bar da Pina que nos finais de semana promovia na varanda da casa, rodadas de tômbola. Minha tia Adele Milani Pucinelli adorava jogar e me levava com ela. Eu brincava com as sementes de Birí que eram usadas para marcar as cartelas e com as latinhas que serviam de fichas. Aliás, o quintal da minha tia na Rua Pedro de Toledo era um dos meus lugares preferidos, com árvores frutíferas e seus famosos quitutes com sabor e cheiro indescritíveis, como por exemplo, o suco de frutas com pitanga. Meu tio, Athaíde Pucinelli era um contador de histórias nato e me encantava ouvi-las. Admirava-me também as simpatias que ele fazia com folhas de cactos. Desenhava o contorno dos pés do doente na folha de cactos, fazia uma reza e colocava as folhas penduradas para secar. Não sei para que servia, mas acho que curava...
A menina Selma com o tio Athaíde Pucinelli, o "contador de histórias".
Acervo da família.


As meninas da rua eram na maioria mais velhas do que eu: minha irmã Sonia, Maria Edith Giomi e sua irmã Márcia, minha prima Waldinha Stocco, a Beth Cardeal, entre outras. Eu adorava ficar atrás delas que me chamavam de rabicho. Mas havia também as pequeninas como a Maria Cecília Civelli que era a vizinha da Rua 9 de Julho.
As meninas Selma e Maria Cecília, no quintal da casa de Maria Cecília
Acervo da família.

As brincadeiras eram na rua e variavam durante o ano: Havia, por exemplo, campeonato de bambolê na frente na igreja. Ficava uma porção de crianças com os bambolês coloridos demonstrando suas habilidades “rebolativas”, era sensacional. Outra vez era a onda dos patins, brinquedo que nunca dominei e nunca tive. As tentativas eram sempre com patins alheios e claro que o número nunca era o meu. Pensando bem, talvez fosse esse o problema...

As pernas de pau eram outra sensação!  Fazíamos com caibros de madeira com um suporte para colocar os pés. Os mais destemidos faziam os suportes mais altos.  Claro que  os joelhos ralados faziam parte do nosso dia a dia, assim como os dedões com a tampa levantada. Só de pensar sinto a dor. O pior era chegar em casa e aguentar o algodão embebido em guaçatonga, uma infusão de folhas com álcool de cor verde escura que meu pai preparava e passava em tudo: arranhões, picadas de vespa, galo na testa  e joelhos em carne viva. Só de lembrar sinto o cheiro inconfundível e a dor ardida de chorar.

Os carrinhos de rolimã também faziam parte da sequência de brincadeiras e as descidas da Rua Nove de Julho em direção ao Pontilhão e a da Rua 13 de Maio eram as mais requisitadas para os campeonatos de velocidade e manobras radicais. Disso eu tinha muito medo e nunca participei, pois essas brincadeiras eram de muito perigo. Só ficava na apreciação e na torcida.

Também me recordo das fases de pular corda. Valia desde a “salada saladinha”, “foguinho” até pular com duas cordas batidas ao mesmo tempo. Ótimo exercício para a coordenação motora.

Passar barbante era muito gostoso, passar anel, lencinho atrás, bolinha de gude, bater bafinho, telefone sem fio...quem se lembra  de mais?

Subíamos em árvores, escalávamos muros, subíamos nos telhados, jogávamos bola, queimada, brincávamos de tudo, com todos e fazíamos os nossos próprios brinquedos, pois não havia dinheiro sobrando para comprar e nem a variedade que temos hoje. 

Como brincávamos na rua e nos quintais alheios, de vez em quando uma mãe saía no portão e gritava: - Fulano! Já pra casa tomar banho!  E o menininho suado e encardido de tanto deitar e rolar obedecia na hora, porque naquele tempo os pais mandavam e as crianças obedeciam...


Selma e as amiguinhas, na Rua Bernardino de Campos, na década de 1960.
Acervo da família

Saudosista, eu? Claro que não! Gosto do meu presente e da maneira como criei e eduquei meus filhos. 

Só sinto pelas crianças de hoje em dia que recebem tudo pronto e mastigado. O lazer, o esporte e as brincadeiras são realizados em lugares específicos, fechados, com hora marcada e programada e a criatividade, as habilidades naturais e a experiência de compartilhar e conviver com crianças de qualquer nível social e cultural ficaram praticamente impossíveis. E os quintais? Ah, que pena....esses quase não existem mais...

Sorte minha que vivi essas experiências incríveis e ainda posso recordar!

2 comentários:

  1. Que saudades Selma,que fidelidade de relatos,de nossas vidas,bateu-me uma saudade de nossa infancia sou mais velha mais vivemos muitos dos fatos ora relatados juntas,pois vc era o meu rabicho,aminha sombra,sempre juntas,onde eu ia vc ia comigo,as vezes metiamos em algumas confusões como a de VIRACOPOS lembra????,Lembreime das fisionomias das pessoas,dos lugares ,dos cheiros,dos gritos,remetendo-me a um lindo e feliz passado,que feliz infancia tivemos.Obrigada Selma pelas doces lembranças bjs .Indaiatuba01/05/13

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  2. Maria Edith Giomi Barnabé8 de maio de 2013 às 10:47

    Selma, adorei !
    Você esqueceu da Rita, do Geraldo e do Antônio que a mãe fazia pirulito de açúcar queimado para eles venderem na rua, e eram também nossos amigos de brincadeira.
    Precisamos nos encontrar para relembramos mais.
    Beijos, Maria Edith.

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