Eliana Belo Silva
Introdução
A cidade de Indaiatuba comemora oficialmente seu aniversário no dia 9 de dezembro com base na ação do curador da capela da Capela de Nossa Senhora da Candelária, o senhor Pedro Gonçalves Meira, ação feita em 1830. No entanto — e importa dizer —, essa data institucional não capta a totalidade da história da nossa terra, que remonta muito além dos marcos religiosos ou administrativos.
Este artigo busca resgatar essa trajetória mais longa, visibilizar as camadas indígenas, rurais, coloniais e urbanas que a antecederam, e oferecer aos indaiatubanos uma compreensão mais rica sobre o que se comemora quando se celebra Indaiatuba.
As origens indígenas e o topônimo
O próprio nome “Indaiatuba” indica um passado anterior à colonização: deriva do tupi-guarani inaîá-tyba, ou “ajuntamento de indaiás” (uma palmeira). Essa etimologia COMPROVA que o lugar, coberto originalmente de palmeiras indaiás, era já reconhecido e habitado por povos indígenas.
Estudos e registros locais apontam que, às margens do Rio Capivari‑Mirim, entre Monte Mor e Indaiatuba, havia ocupações indígenas com mais de oito séculos — ou seja, bem antes da formalização colonial. Essa antiguidade reforça que a história da cidade não começa com a capela, mas sim com “quem aqui já vivia”. Aqueles que batizaram a terra.
Povoado colonial e período rural
Antes da fundação oficial, sabe-se que o povoado já existia formalmente desde pelo menos 1768, quando Indaiatuba figurava como uma das esquadras rurais de Itu. A presença de fazendas de açúcar, engenhos rurais e assentamentos dispersos marca o período colonial. A fazenda denominada Engenho d’Água, por exemplo, datada de meados do século XVIII, é um desses vestígios.
Esse contexto rural antecede a fundação institucional e mostra que a ocupação se deu por meio de agricultura, laços comunitários, relações de trabalho e paisagens que hoje talvez já não vemos com clareza.
Fundação oficial e marco católico
O ato de Pedro Gonçalves Meira — doação de terras para a capela de Nossa Senhora da Candelária — torna-se o marco oficial da cidade. Essa fundação institucional traz consigo o recado da igreja, da colonização organizada e de uma nova ordem de ocupação. A partir desse momento, o povoado passa a ter traço de vila/cidade, câmara municipal, paróquia e outros instrumentos de poder colonial.
Entretanto, ao celebrarmos esse ato como “aniversário da cidade”, corremos o risco de invisibilizar a longa vida que lhe precedeu — o que esse artigo quer corrigir.
Memória, arqueologia e invisibilização
É importante afirmar que muitos dos sítios arqueológicos — pelo menos cinco identificados no município — permanecem pouco divulgados e estudados. Esses locais são testemunhas das populações indígenas, seus modos de vida, seus assentamentos e sua permanência na terra. Quando a comemoração se centra apenas na fundação oficial, esses capítulos ficam apagados.
Ao afirmarmos que Indaiatuba “tem 195 anos” — para fins de aniversário oficial — também deveríamos lembrar que as populações originárias estiveram aqui por pelo menos mais de 800 anos. Essa invisibilização não é mero detalhe: é parte significativa da memória da terra e da comunidade local.
Cultura, identidade e território
A cidade contemporânea herda esse acréscimo de temporalidades: o indígena, o rural, o colonial, o urbano. A palavra “Indaiatuba” carrega consigo a paisagem das palmeiras, mas a paisagem real mudou — por ocupação, transformação, urbanização. Reler a origem é ler-se como comunidade que está em permanente construção: somos herdeiros, somos responsáveis, somos continuadores.
As celebrações de aniversário podem e devem se tornar momentos de reflexão — não somente sobre o que se fez nos últimos 195 anos, mas sobre quem esteve aqui muito antes, quais memórias faltam ser contadas e os motivos do apagamento, que não é neutro.
Considerações finais
Comemorar o aniversário oficial de Indaiatuba é legítimo e importante — marca uma institucionalização, uma identidade, uma convivência coletiva. Mas, se celebrarmos apenas esse marco, deixaremos de reconhecer o “antes”, que é igualmente constitutivo da nossa existência. A cidade que conhecemos hoje foi preparada por gerações indígenas, por trabalhadores rurais, por comunidades que não deixaram registro em pedra — mas deixaram pegadas.
Que ao celebrarmos, possamos olhar para o solo que pisamos, reconhecer os sulcos mais antigos, e afirmar que nossa história não começa com uma capela, mas com os povos que aqui viveram em meio a muitas palmeiras hoje quase extintas.
A data do aniversário oficial pode, assim, ser uma efeméride de reconhecimento, de memória ampliada e de compromisso com todos os capítulos da nossa terra, sem excluir ninguém.
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