sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Vila Suiça

A MEMÓRIA GRAVADA EM UM PEDAÇO DE TERRA


Chegar à origem da Vila Suíça exige mais que consultas a livros e arquivos. Para chegar à genuína origem do que hoje têm-se como um empreendimento imobiliário de sucesso é preciso mergulhar na memória de pessoas que tem a cultura e a tradição na Europa e encontrar os detalhes singelamente escondidos na lembrança os motivos que fazem do nome mais que um acaso, a eternização da família Ambiel.


Imagem atual da Vila Suiça
O Bairro é hoje um dos mais procurados por que procura tranquilidade.
( foto de Ana Carolina Lahr)



Tudo começou em 1854, quando famílias do Cantão de Obwalden, na Suíça, chegaram ao Brasil para trabalhar em Jundiaí. Alguns anos mais tarde, em 1888, alguns descendentes compraram o Sítio Capivari Mirim e derem início à colônia Suíça na região. A princípio, a propriedade não tinha nome, mas respeitando as origens étnicas e a experiência histórica e cultural dos fundadores Ambiel, Amstalden, Bannwart e Wolf começaram a chamá-la espontaneamente pelo nome até hoje adotado: Helvetia.

Em pouco tempo, o lugar passou a ser o polo em torno do qual os imigrantes de Obwalden começam a se aglutinar. Cem anos mais tarde – 1988 - uma pesquisa revelava que a descendência dos fundadores já estava na quinta geração e totalizava 8.199 pessoas. Destas, metade residia em Indaiatuba e Campinas. Dentre eles, a terceira geração dos fundadores da colônia Helvetia Ignácio Ambiel e Maria Ambiel Gut.

Maria Gut Ambiel
(Arquivo Bernardete Ambiel)

A migração da família para a cidade de Indaiatuba teve início nas primeiras décadas de 1900. “A vovó tinha uma propriedade em Helvetia e em 1927, viúva e com 11 filhos, comprou o Sítio São Miguel. Meu pai, depois de casado, foi o primeiro Ambiel a morar aqui. Ele veio trabalhar na lavoura de café já existente. Mamãe veio grávida de minha irmã, Terezinha, hoje com 82 anos. Em 1934, quando se casou, meu tio Ignácio também se mudou para cá e aqui viveram até a morte”, relata Bernardete Ambiel, reproduzindo a história passada de geração para geração.

Móveis acompanham Bernardete desde que nasceu e ajudam a eternizar a história da família
( foto de Ana Carolina Lahr)



Assim, em meio às escassas fotografias e vivas lembranças representante da terceira geração descendente suíça da família Ambiel, a visita ao sítio transforma-se em uma viagem no tempo repleta de detalhes dentre os quais encontra-se a origem do bairro Vila Suíça. “A gente sempre chamou carinhosamente de Sítio São Miguel e assim ainda o chamamos, mas pela extensão era uma fazenda”, avisa Bernardete antes de prosseguir .

Placa colocada nas paredes do Sítio São Miguel em comemoração aos 80 anos da família Ambiel no local.
( foto de Ana Carolina Lahr)



Situada no Bairro Bentoca de Indaiatuba, Comarca de Itu e freguesia de Nossa Senhora da Candelária, de acordo com a escritura passada à Maria Gut, avó da historiadora, as terras adquiridas de Izacco Forti somavam de 80 a 100 alqueires de terra, em uma extensão que ia do cemitério velho da Rua Candelária ao Jardim Morumbi, no sentido sul/norte, respectivamente. “Até a mata do Parque Ecológico era parte do sítio. A porteira com um mata burro ficava onde hoje existe a rotatória do Pastel da Feira”, lembra Sérgio Ambiel, primo de Bernardete.

Escritura de venda do Sítio São Miguel para Maria Ambiel Gut, em 1927
( foto de Ana Carolina Lahr)

Embora nem tão atendo aos detalhes quanto a prima, Sérgio encontra no passado um detalhe essencial na construção da história do bairro. Embora tenha sido a família Forti que passou as terras para sua avó, até fevereiro de 1926, elas pertenceram a João Ifanger Júnior, quem construiu a primeira casa daquelas terras. Em 1912, no imóvel recém construído, nascia Paulo Ifanger, que até hoje em visitas ao sítio sente-se feliz por retornar à casa onde nasceu. “Ela foi reformada em 1926 e existe até hoje, é onde hoje mora minha prima”, revela Sérgio.


Sérgio Ambiel, assim como inúmeros descendentes da região, preocupa-se em manter os costumes suíços.
( foto de Ana Carolina Lahr)


É dessa forma que fica estabelecido o ponto e partida na história do bairro: a casa hoje habitada por Bernardete e aquela que pertenceu ao pai do Sérgio – desabitada, porém conservada - foram as primeiras residências das terras que hoje dão espaço à Vila Suíça e adjacências.


Casa que pertenceu  a Eduardo Ambiel mas foi construída por João Ifanger Júnior,
também descendente de suíços, na década de 1910
(Arquivo Sérgio Ambiel)




 A CHEGADA DO PROGRESSO


Na década de 1930, a industrialização chegava ao país para alterar o perfil agro-exportador da economia nacional e se concentrava no Estado de São Paulo. Nessa mesma época é vendido o primeiro pedaço de terra do Sítio São Miguel. O motivo, porém, estava longe de ser o avanço industrial.

Entrada atual do Sítio São Miguel
( foto de Ana Carolina Lahr)


O comprador foi Fernando Stahl, um homem lembrado pelo carro de boi. “Era um vizinho que soltava vacas na região perto do cemitério até que um dia quis comprar a terra. Da primeira vez ele não tinha dinheiro, mas passado um tempo, voltou e comprou toda aquela parte onde hoje é o Parque Ecológico, a Vila de Todos os Santos e o bairro Aparecidinha”, conta Sérgio.

Vinte anos mais tarde - mais precisamente 1953 - Maria Gut Ambiel doa suas propriedades aos filhos, que como eram 11, tiveram os bens alternados entre Helvetia e o sítio na cidade. Assim, além dos dois que já residiam no local - Eduardo, pai de Bernardete, e Ignácio, pai de Sérgio - as terras do São Miguel passaram a pertencer também aos irmãos Maria Emília, Josepha Maria, Constantino, Lina Catarina, Cristina, Walter José, Maria, Rosa e José Arnaldo.

Com o avanço da industrialização na capital paulista, a população se multiplica e os perímetros urbanos passam a se expandir em ritmo acelerado. Logo, a industrialização chega ao interior, transformando Campinas e as cidades vizinhas em um grande parque industrial.


Em 1970, o progresso finalmente chega ao Sítio São Miguel e dá-se início às vendas das terras e aos loteamentos. Gradativamente, grande parte dele se transforma no que hoje muitos chamam “genericamente” de Vila Suíça, mas que consiste, na verdade, em: Jardim São Luiz, Jardim Dom Bosco, Vila Suíça, Jardim dos Alpes, Condomínio Residencial Solar dos Girassóis, Condomínio Portal das Acácias e Residencial Vila Suíça (nascidos na ordem citada).

Sítio São Miguel fazendo divisa com o recém loteado bairro Vila Suíça, na década de 1980
(arquivo Sérgio Ambiel)



O bairro Vila Suíça, precisamente, compreende o espaço de terra que pertenceu à Maria e seu esposo, Léo Ming. As terras foram vendidas à Bela Vista Empreendimentos Imobiliários Ltda. em parceria com outras empreendedoras da região, que teviram o projeto do loteamento aprovado em agosto de 1980.

No loteamento só foi permitida a construção de casas residenciais, o que fez com que ele se tornasse um dos primeiros e ainda desejados, loteamentos residenciais da cidade. “Indaiatuba estava carente desse tipo de empreendimento e como logo de início foram construídas casas de médio e alto padrão, isso estimulou as outras construções. Hoje ele é um bairro formado e com poucos lotes à venda”, explica José Narezzi. “Eu acho um pouquinho sem movimento. As pessoas gostam porque é bem tranquilo, mas você sai nas ruas e não vê ninguém. É um bairro bom, mas solitário”, conclui Sérgio, olhando para as ruas naturalmente quietas.


SAUDADE DÓI


Quem já frequentou alguma festa na Colonia Suíça ou teve a oportunidade de adentrar às terras sabe que os helvetianos têm particular respeito ao seu patrimônio histórico, cultural e religioso e procuram preservar e ampliar a memória disponibilizando a muitos sua história e suas tradições. Para a família Ambiel, a escolha do nome “Vila Suíça” é mais uma explícita homenagem aos antepassados e o sinal de que ali existiu mais que um imenso verde.

Mas apesar de receber um nome de significado explícito, com o passar dos anos a palavra “Suíça” deixou de remeter ao país europeu para se tornar mais uma parte da história da cidade. “Acho que a maioria dos moradores daqui não sabem o porquê do bairro receber esse nome, mas o motivo foi minha avó: Maria Ambiel Gut, que veio da Suíça”, reforça Bernardete.

Em meio ao esforço para preservar a história que há muito se mantém intacta nos móveis e paredes da casa preservados por toda a sua vida, ela admite que isso é tudo o que resta. “Inicialmente era dolorido ver nossa terra se desfazendo, muito mesmo”, diz com uma lágrima rolando dos olhos e mostrando que a ferida ainda não cicatrizou. “A gente gosta muito de Helvetia, temos nossas raízes lá, mas o sítio São Miguel é onde a gente morou, onde a gente trabalhou e hoje ainda usufruímos disso. Eu sou a terceira geração e tudo o que tem aqui é fruto do trabalho de muita gente. A gente não pode esquecer. Não dá”, diz.

A sensação é a mesma para o primo, “deu uma certa tristeza em ver a cidade encostando, mas a gente tem que aceitar o progresso, não é? Hoje estamos cercados e não sei até quando a gente vai conseguir segurar. A vontade é manter o máximo que a gente pode, mas quando passar para os filhos, já não depende de nós”. Depois de uma pausa, continua: “hoje parece que não tem mais aquilo de querer preservar as coisas pela memória. Você tira foto e pronto”, observa com ar quase indignado ao especular sobre a possível venda da casa que era do pai.


A casa que pertenceu ao pai de Sérgio Ambiel (acima) e a casa onde hoje reside Bernardete (abaixo) foram as primeiras casas das terras onde hoje existe o bairro Vila Suíça e após algumas reformas, preservam a memória do passado.
(Ana Carolina Lahr)


“Hoje a gente olha para tudo aquilo que existia com outros olhos, mas quando a gente é criança não entende muito, não é? A gente sempre achou e foi visto por muitos na escola, como o caipira, porque morava no sítio. Tinha receio das coisas da cidade. Quando eu fazia ginásio tinha um menino que brincava com a gente porque morávamos no sítio e chamava-nos de jacu de cemitério. Hoje ele mora aqui, e eu falo: tá vendo o Jacu de Cemitério? Você também veio morar aqui em cima”, recorda o homem de profundos olhos azuis, bem-humorado.

Mas se aceitar o progresso significa se “desapegar” do passado, resta ainda o orgulho em saber que o Sítio São Miguel deu espaço a um dos bairros mais cobiçados da cidade. “A topografia é boa aqui, é uma das partes mais altas da cidade. Quando chove, a água escoa, então não tem problema de enchente nem de nada”, afirma Sérgio, procurando o motivo pelo qual a terra ainda lhe parece impagável.



* por Ana Carolina Lahr
(Matéria publicada na Revista Exemplo Imóveis® nº 6, dezembro 2009)

Um comentário:

  1. Sou filho dos filhos de Indaiatuba.Meus pais Elizeu Ambiel e OLga Canova Ambiel.Nasci no Bairro Helvètia em 1957. Amo esta cidade!

    ResponderExcluir

Postagens mais visitadas na última semana