terça-feira, 13 de abril de 2010

Girando nos Campos dos Indaiás

crônica de Antonio da Cunha Penna*


Nossa cidade nasceu em torno de uma capelinha onde hoje fica a

igreja matriz Nossa Senhora da Candelária. Lentamente ela foi crescendo meio de um lado só, até encontrar uma clareira em meio aos campos de indaiás; uma espécie de rapadão onde crianças brincavam. A cidadezinha por muitos anos acabava ali na clareira, seguida de pés de indaiás a perder de vista.

O tempo se arrastava e o lugarejo seguia com seu marasmo. Pessoas nasciam, morriam. A apatia era de quando em quando quebrada por um ou outro forasteiro que ficava.

Indaiatuba era uma cidade sem centro, as coisas quase não aconteciam e a vida não girava, até que o número de bêbados, loucos e arruaceiros justificou a construção de uma cadeia. Naquele rapadão onde crianças brincavam foi erguido um casarão imponente, cheio de janelas onde funcionaria a Cadeia, a Câmara e a Prefeitura. Antigamente, não sei se por coerência ou praticidade, tinham a mania de colocar esses três estabelecimentos num só.

Podia fazer e ainda faz sentido.

Passados pouco mais de dez anos após a construção do prédio, aconteceu o Crime do Poço (1907). Três rapazes mataram a pauladas um jovem forasteiro e o jogaram num poço desativado. O caso se alastrou por todo o Estado. A cidadezinha dos campos dos indaiás levaria anos para lavar de vez essa nódoa.

As crianças do lugar alheias a tudo continuavam a brincar; já eram tantas, tantas, que nas brincadeiras de roda passaram a girar em torno do novo prédio cantando velhas cantigas.

Aos sábados, domingos e feriados a população se reunia ao entardecer para ver e ouvir aquela ciranda. Conforme as crianças cresciam, naturalmente iam sendo substituídas por outras que continuavam a prática de girar em torno do prédio. A ciranda foi se transformando em caudalosa procissão.

O largo da Cadeia virou Praça Prudente de Moraes e o estranho hábito de girar em torno do prédio foi sendo passado de geração à geração. Não se tratava mais de coisa de criança. Moças e rapazes aderiram ao cortejo e logo seriam maioria. A cidadezinha, qual moinho a girar, seguia triturando amores, paixões, sonhos, hipocrisias, esperanças, ilusões... Os viandantes que passavam, se encarregavam de proclamar aos quatro ventos a graça da cidade nascida entre campos de indaiás.

Os forasteiros foram chegando. Misturados à população que girava, flertavam com as moças do lugar. Foram ficando, casando e constituindo famílias. Em torno da praça surgiram lojas, posto de gasolina, cinema, correio, clube e bares. No coreto, a banda cantava suas canções, revezando com o serviço de alto-falantes:

“No Bar Centenário você encontra bebidas nacionais e estrangeiras e sorvetes dos mais variados sabores”.

“Indaiatuba não tem milhões de ruas mas tem a Rua dos Milhões. Casa Lotérica é a de João Schetini onde a sorte faz morada”.

“Se você procura tecidos, móveis e armarinhos, vá até a Casa Ferreira. Lá você encontra também grande estoque de brinquedos”.

“Ouviremos agora na voz bonita de Osny Silva o sucesso Manolita, que Moreninha da Vila Feres oferece a um rapaz de sapato branco como prova de muito amor”.

No início dos anos de 1960, ventos modernizantes vindos da recém inaugurada Brasília, derrubaram o velho casarão. A cidade terminaria aquela década girando em torno de uma fonte luminosa. Cada casamento que acontecia, era um casal a menos no carrossel da praça. Os pedidos de oferecimentos musicais foram rareando, rareando até que certa noite um último chiado de um disco 78 rotações ecoou pela cidade. O apelo da televisão fora tão forte que até o cinema havia cerrado suas portas.

Testemunhos desse tempo restam ainda as árvores, alguns prédios, o sr. Vico Pipoqueiro e as pedras das calçadas, tantas e tantas vezes pisadas por mim.
pipoqueiro da praça ludovico pipoqueiro ludovico zanotello



Será que ainda há quem passe pela Prudente de Moraes e, como eu, vislumbre o espectro do velho casarão a flutuar por sobre o lago da fonte?

Os tempos são outros.

A cidade cresceu, perdeu novamente seu eixo e se espalha desordenadamente por aí.

Hoje, a imprensa local anuncia um “Crime do Poço” por semana. Os gritos dos nossos Domenicos de Lucca são abafados pelos que ecoam de outras paragens. Já não nos lembramos mais que sob nossos pés dormem campos de indaiás.

E pensar que um dia houve uma cidadezinha onde as crianças tinham um estranho hábito de girar em torno de um Casarão!


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