terça-feira, 1 de julho de 2014

OS CASARÕES ANTIGOS DO LARGO DA MATRIZ DE INDAIATUBA

 

Nilson Cardoso de Carvalho

1995

 





O Largo da Matriz, primeiro espaço comum, reunia em torno de si as casas mais importantes do povoado, sobressaindo, imponente, a igreja, ponto de reunião das pessoas, dos fiéis nos dias de missa, procissões, festejos religiosos e também nas eleições, quando se reuniam as ‘mesas paroquiais’ no corpo da matriz, pequeno número de eleitores, para se proceder as eleições de juízes de paz, vereadores e os cargos eletivos do Império em todos os níveis.

 

Era o local cívico e religioso da comunidade. Ali residiam os principais do lugar: oficiais da Guarda Nacional, fazendeiros senhores de engenho, fazendeiros ‘cafelistas’, comerciantes principais e as autoridades locais.

 

O Largo, como o nome diz, era um largo com chão de terra sem calçamento, que em sua largueza ampliava a perspectiva da matriz. Em fotos do início do século ele aparece ainda limpo, apenas com algumas palmeiras.

 

Em 1930 era chamado ‘Praça Rio Branco’, quando este nome foi mudado para ‘Praça Centenário’, em comemoração ao centenário da elevação de Indaiatuba à freguesia, e finalmente, para homenagear a grande benemérita fundadora do Hospital mudaram o nome para ‘Praça Leonor de Barros Camargo’. Há mais de trinta anos, 1964, quando eu e minha família aqui nos radicamos, Indaiatuba era um lugar muito agradável, tal como (ainda) é.

 

A igreja matriz, sem a sufocante floresta à sua frente e os ridículos arranha-céus circundantes, imperava majestosa sobre o seu largo. Largo este de tradições tão antigas na cultura luso-brasileira, inclusive com sua indispensável ‘Rua Direita’.

 



Centro histórico, desde que ali foi implantada a primeira capelinha no século dezoito, o local se mantinha intacto, com seu casario colonial, de alinhamento uniforme, múltiplas portas e janelas envidraçadas, todas abrindo para o espaço aberto do largo. 


Esse conjunto homogêneo se manteve intacto durante muitos anos depois que aqui chegamos e só no final da década de setenta, início dos anos oitenta, começaram a vir abaixo os casarões, vítimas de muitas circunstâncias, mas principalmente da idéia equivocada do que seja “progresso”,  isto é: “tudo o que é velho deve ser demolido”. 

 

Lembro-me de uma das primeiras vítimas: um casarão na esquina com a Quinze de Novembro que deveria ter mil histórias para nos contar, desde sua trabalhosíssima construção, iniciada ainda no meio da floresta onde o construtor escolheu as árvores que dariam o seu madeiramento, passando pela história das pessoas que nele viveram e, quase no final de sua existência, quando viu surgir o Indaiatuba Clube que ali teve sua sede.


Senti um choque ao vê-lo, numa manhã, semidemolido, já destelhado com madeiramento todo à mostra e... madeiramento tão perfeito como se acabasse de ser construído!

 

Nas calçadas ao seu redor colocaram as grandes telhas coloniais empilhadas. Chamava a atenção a extensa parede de pau a pique, encostada ao casarão vizinho e que começava a ser demolida com imenso trabalho, pois estava muito firme com sua ‘trama de paus roliços amarrados com cipós’.

 

Em frente a esse existia um outro notável casarão, antiga propriedade de José Estanislau do Amaral, avô da mais famosa pintora brasileira, Tarsila do Amaral, e também avô do nosso querido amigo Tércio Ferreira do Amaral.

 

Neste casarão nasceu aos 7 de agosto de 1869 Antonio Estanislau do Amaral, um dos primeiros ecologistas de que se tem notícia no Brasil, amante dos pássaros, das árvores e da natureza, cuja obra mais importante e desconhecida, inclusive pelos indaiatubanos, é o horto Itatuba; uma floresta ocupando muitos alqueires de terras, com árvores nativas brasileiras de todas as espécies, crescendo e se multiplicando livremente, sem a interferência do homem.

 

Por estar na época fora de Indaiatuba não presenciei a derrubada desse casarão; fui poupado de testemunhar o espetáculo, mas não da surpresa desagradável de dar por sua falta, um dia ao passar por lá e verificar que só havia sobrado o imenso terreno com jabuticabeiras e entulho.

 

Sei que as cidades, tais como os homens que as criam, são organismos vivos, e como tais vão se modificando no transcorrer do tempo; mas sei também que é possível, como nos lugares civilizados, estabelecer uma orientação para que estas modificações se façam de forma racional, sem descaracterizar o que ela tem de fundamental, pois sem características fundamentais a cidade perde sua identidade; e, como um sinal de alerta, tenho ouvido ultimamente várias pessoas dizerem que Indaiatuba está se tornando uma cidade ‘sem identidade’.

 

Texto publicado no “Diário Votura”, em 4-10-1995

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