sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Censo Populacional de 1768, as Ordenanças de Itu e de Indaiatuba

 Eliana Belo Silva

 

INTERSECÇÕES ADMINISTRATIVAS E MILITARES NA ESTRUTURA COLOCIAL PAULISTA 

As esquadras de "Indaiatuba"

 

Introdução

O censo realizado em 1768 na província de São Paulo, marcado pela enumeração das chamadas "esquadras", não se restringia apenas ao aspecto demográfico, mas também refletia o contexto institucional e militar da colônia. Nesse universo, as Ordenanças de Itu assumem papel central, entrelaçando-se com o levantamento populacional ao estabelecer vínculos entre organização civil e defesa territorial.

Neste cenário, Nilson Cardoso de Carvalho apresentou, em seu livro "Cronologia Indaiatubana" (2009) um mapa (que categorizou como ‘em estudo’) inserindo as esquadras das Ordenanças de Itu no atual território de Indaiatuba, mostrando, assim, os europeus ou seus descendentes que por aqui viveram naquela época e que fizeram parte dessa estrutura.

Este texto explica o contexto desse censo com base em bibliografia revista e citada e reapresenta os estudos do memorialista principalmente para demonstrar as mais antigas origens do povoamento não-originário de Indaiatuba e sua relação com o Estado Colonial português.

 

Esquadras e Ordenanças: Divisões funcionais

As esquadras, tal como identificadas no censo, constituíam subdivisões das freguesias e serviam para facilitar o registro e controle dos moradores. Paralelamente, as ordenanças eram milícias civis formadas por homens livres responsáveis pela defesa e manutenção da ordem pública, baseando-se justamente nessas divisões territoriais para recrutar e organizar seus membros. A vila de Itu, de relevante influência política e econômica, tornou-se referência administrativa: suas ordenanças eram formadas segundo os agrupamentos das esquadras, permitindo uma atuação mais eficiente e articulada entre poder civil e militar.

 

O papel das Ordenanças de Itu

Criadas a partir de diretrizes metropolitanas e sob ordens do Capitão Geral Morgado de Mateus, começaram a ser produzidas na Capitania/Província de São Paulo as “listas nominativas” (os chamados Maços de População). Essas listas eram feitas com base na estrutura das Ordenanças de Itu, que reuniam habitantes das diversas esquadras (subdivisões comandadas por cabos) mapeadas no censo constituindo, assim, a base da estrutura militar paulista que, nem sempre contava com tropas regulares ou profissionais. Cada esquadra oferecia combatentes e colaboradores para as milícias, integrando a lógica censitária à dinâmica do recrutamento militar. normalmente responsáveis pela defesa, manutenção da ordem e apoio à administração portuguesa. No contexto de Itu, essas ordenanças teriam desempenhado papel importante na dinâmica política e social regional, articulando interesses locais e metropolitanos.

As ordenanças eram organizações militares com rígida hierarquia: capitão-mor, sargento-mor, capitães; abaixo, alferes, sargentos, furriéis, cabos - que comandavam as esquadras e o uso de “esquadras” sob comando de cabos. As esquadras atuavam, segundo AZEVEDO (1954) tanto no patrulhamento das áreas rurais quanto no apoio às operações militares oficiais, sendo fundamentais para a segurança das comunidades paulistas.

O censo de 1768, ao registrar quem eram e onde viviam os moradores, fornecia subsídios indispensáveis para a composição das tropas, o controle de ausências e a mobilização em caso de conflito ou ameaça externa e interna (dos indígenas e negros escravizados) e ainda segundo CARDIM (2005), também para organizar tributos e planejar estratégias de ocupação territorial.

 

As esquadras no território indaiatubano, em mapa elaborado por Carvalho

 


Ordenanças de Itu, Sexta Esquadra de Indaiatuba 
Cabo: Ignacio Xavier Leme, 48 anos; 
soldados: José Bicudo da Costa, 36, 
Caetano Felis, 58, 
Gaspar de Anhaya, 46, 
Antonio Leite, 27, 
Salvador Leite, 30,
 Gaspar Barreto, 54, 
José de Gois Barreto, 20, 
Ignacio Xavier de Passos Silveira, 19, 
Francisco Xavier Dias, 50, 
José Gonçalves Costa, 41, 
Manoel da Costa, 24. 
(Fonte: Maços de População, Arquivo do Estado de São Paulo)

 Impacto e legado

A articulação entre censo e ordenanças consolidou-se como mecanismo fundamental de governança no interior paulista, em especial em Itu, que viria a ser palco de movimentos decisivos para a história da província. O cruzamento de dados populacionais e de divisão militar não apenas reforçou a capacidade administrativa da Coroa, como também estabeleceu as bases para políticas de expansão territorial e controle social. O levantamento das esquadras, portanto, dialogou diretamente com a atuação das Ordenanças de Itu, revelando como o monitoramento dos moradores era inseparável da organização das forças de defesa.


Conclusão

Destacando CARDIM (2005), reforça-se que recenseamento nunca é neutro: ele produz efeitos de poder — classificando, hierarquizando e territorializando pessoas segundo critérios de interesses de poder – no caso, do Estado Colonial — influenciando e até determinando os moldes das políticas sobre escravidão, migração, trabalho livre, posse de terras, densidade demográfica em capitanias e vilas e seus devidos controles militarizados para a manutenção dos interesses metropolitanos.

O censo de 1768 e as Ordenanças de Itu exemplificam o entrelaçamento entre estratégias de administração populacional e militar no Brasil colonial. Por meio da enumeração das esquadras, a província de São Paulo estruturou-se para enfrentar desafios tanto civis quanto militares, e a vila de Itu - com suas esquadras no atual território de Indaiatuba - despontou como laboratório dessa integração, perpetuando um legado que marcaria a história paulista por gerações.

 

 

 

Fontes e Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Fernando de. História de São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, 1954.

BACELLAR, C. de A. P. As listas nominativas de habitantes da capitania de São Paulo sob um olhar crítico (1765–1836). Anais de História de Além-Mar, v. 16, 2015, p. 313-338.

BICALHO, Maria Fernanda. “Ordenanças, milícias e territórios: a administração militar no Brasil colonial.” In: Fragoso, João & Gouvêa, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

CARDIM, Carlos. “O censo de 1768 e o governo da população na América portuguesa.” Revista Brasileira de História, v. 25, n. 49, 2005.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

MENDONÇA, Marcos Lobato. O poder da vila: elites locais e ordenanças militares em São Paulo (século XVIII). Belo Horizonte: UFMG, 2006.

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Censos antigos: documentação histórica. 


quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Lançamento do livro “PÉS DESCALÇOS – A LEI DE COTAS VEIO PARA FICAR”




O autor Sérgio José Custódio é PhD pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, graduado em ciências econômicas pela Unicamp e mestre em educação pela USP. Foi coordenador geral do DCE da Unicamp; fundador do cursinho popular no DCE da Unicamp; relator do grupo de trabalho sobre a questão universitária em São Paulo atuou na criação do sistema público de bolsas de estudo em instituições privadas PROUNI e na aprovação da Lei de Cotas no Congresso Nacional. Foi professor de história voluntário aos sábados e domingos na periferia de São Paulo e grande São Paulo, como educador popular em experiências de cursinho popular do Movimento dos Sem Universidade (MSU). 

O livro “PÉS DESCALÇOS - A LEI DE COTAS VEIO PARA FICAR” Retrata a luta pelo direito a universidade no Brasil, não foi presente do alto ou de mentes iluminadas. A LEI DE COTAS e o PROUNI são filhos da dor e da luta de muitas famílias de negros e negras povos indígenas pobres estudantes de escola pública que chegavam as portas da universidade e eram proibidos de entrar. Esta obra narra Vitória suprapartidária da coalização dos pés descalços liderada pelo MSU e pela Educafro, pelos novíssimos movimentos sociais, do chão dos cursinhos populares até a Vitória no chão do poder no Congresso Nacional mudando a cara da universidade brasileira.


Quem luta é que sabe (1)

Marcelo Paixão (Professor da Universidade do Texas) 


Em “Lei de Cotas: mudança estrutural em política pública e vitória suprapartidária da coalizão dos pés descalços no parlamento do Brasil”, incialmente sua tese, agora transformada em livro, o professor Sérgio José nos narra a história de uma luta vitoriosa protagonizada pela juventude negra e periférica em nosso país: as ações afirmativas para ingresso nos cursos de graduação das Universidades públicas e privadas brasileiras. Certamente a maior conquista dos movimentos sociais brasileiros do século XXI, concordamos? Só por este motivo este trabalho deveria ser recebido com viva atenção pelo público leitor. Mas há outras razões também. 

No livro o Prof. Custódio escreve com ricos detalhes os passos dados por um número indefinido – menos que milhares, mas muito além de “meia dúzia” – de jovens negros e periféricos organizados coletivamente através do Movimento dos Sem Universidade (MSU). Inspirado por um discurso do célebre bispo, companheiro Dom Pedro Casaldáliga ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2000, o MSU nasceu com o objetivo de lutar pela democratização ao acesso às universidades brasileiras em prol dos – agora sim o número é preciso - os milhões de jovens alijados do ensino superior no Brasil. 

O livro é escrito em primeira pessoa, fato que se costuma despertar certa resistência por parte de orientadores e membros de banca de dissertação, neste caso antes contribui para tornar o estudo ainda mais cativante. Na qualidade de presidente do MSU, o Prof. Custódio está especialmente capacitado para levantar a documentação das ações desta coalização junto ao Congresso Nacional em Brasília e pelas diferentes universidades brasileiras que iniciaram o debate ou implementaram alguma modalidade de ação afirmativa pelo país até entre 2003 e 2012. Com a decisiva ação do MSU, neste período foram aprovados o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), em 2005, com critérios de cotas raciais em estabelecimentos particulares e a Lei de Cotas (nº Lei 12.711), em 2012, para acesso de discentes provenientes de escolas públicas às Universidades públicas federais com recorte racial baseado na composição de cor ou raça de cada estado. 

Sem meias palavras, o Prof. Custódio nos descreve o processo de amadurecimento pessoal e político de um incontável número jovens negros e periféricos no ato do contato com as caras sombrias de parcelas expressivas da comunidade acadêmica, de intelectuais e da mídia na maioria das vezes nada receptivos para ouvir suas mensagens e demandas. 

Empregando a Advocacy Coalition Framework, o Prof. Custódio convincentemente mostra aos seus leitores que a causa das ações afirmativas foram resultante do protagonismo da juventude negra e periférica, mas em fundamental aliança estratégica com outros segmentos coirmãos dos demais movimentos sociais. 

(1) O título deste prefácio, “quem luta é quem sabe”, é associado à autoria de Margarida Alves, uma liderança histórica dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, Paraíba, assassinada aos 50 anos de idade plausivelmente à mando dos proprietários de fazenda de açúcar daquela região descontentes com sua liderança pela reforma agrária e direitos dos trabalhadores da lavoura de cana-de-açúcar.


 O autor

SÉRGIO JOSÉ CUSTÓDIO 



Faz pós-doutorado na Universidade de São Paulo, FFLCHUSP (2023). Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Em 03 de janeiro de 2022 fez o depósito de sua tese de doutorado multidisciplinar na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Em 27 de abril de 2022 defendeu a tese "Lei de Cotas: mudança estrutural em política pública e vitória suprapartidária da coalizão dos pés descalços no parlamento do Brasil.", foi aprovado e obteve o título de doutor pela FFLCH-USP. Fundador do Cursinho Popular do DCE Unicamp, relator do Grupo de Trabalho Sobre a Questão Universitária em São Paulo, atuou na criação do sistema público de bolsas de estudos em instituições privadas (Prouni) e na aprovação da Lei de Cotas no Congresso Nacional do Brasil. Proponente do Conselho Nacional de Acompanhamento e Controle Social do Prouni e da Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social da Lei de Cotas. Foi membro titular da Comissão de Acompanhamento e Controle Social do Prouni no Ministério da Educação. Foi membro titular da Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social da Lei de Cotas no Ministério da Educação. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Os primeiros habitantes de Indaiatuba - ESCAVAÇÕES DE UMA ALDEIA PRÉ-HISTÓRICA EM MONTE MOR

                                                                                         Eliana Belo Silva


Os primeiros habitantes do território onde hoje é Indaiatuba foram os povos tupis-guaranis e a maior prova disso é o nome de nossa terra que, na linguagem deles, significa "muitas" (tuba) e "palmeiras de indaiá" (indaiá). 

Esses indígenas tinham o costume de dar nomes aos lugares para contar o que existia ali. Eles observavam a natureza, os animais, as plantas e até as histórias que aconteciam em cada região. Dar nome era uma forma de lembrar e cuidar do lugar. O nome Indaiatuba é uma das provas que esses indígenas viveram por aqui.

Mas essa não é a principal evidência desses antigos habitantes.


ESCAVAÇÕES DE UMA ALDEIA PRÉ-HISTÓRICA EM MONTE MÓR

Em 1949, o Museu Paulista, sob a direção do professor Paulo Duarte, deu início às escavações de uma aldeia pré-histórica localizada no município de Monte Mor, às margens do rio Capivari, estado de São Paulo. A área havia sido descoberta anteriormente pelo pesquisador José Loureiro Fernandes, que identificara vestígios cerâmicos e líticos aflorando na superfície do terreno.

Os trabalhos de campo revelaram uma aldeia de grandes proporções, com centenas de fragmentos de cerâmica, artefatos de pedra polida e lascada, restos de fogueiras e ossadas humanas e animais. As escavações indicaram a presença de várias camadas de ocupação, sugerindo que o local foi habitado durante longos períodos.

A cerâmica apresenta decoração simples, predominando os vasos de paredes finas e bordas levemente expandidas. Alguns exemplares mostram vestígios de engobo vermelho e marcas de esteira, características comuns a outras tradições arqueológicas do planalto paulista.

Os instrumentos de pedra incluem lâminas de machado, raspadores, percutores e pequenas pontas de projétil. Entre os achados ósseos, identificaram-se fragmentos de animais de caça e peixes, indicando que a dieta dos habitantes combinava recursos fluviais e terrestres.

A disposição dos vestígios e das fogueiras sugere que as habitações eram circulares, feitas de madeira e cobertas de folhas ou palha, semelhante a outras aldeias estudadas no interior do estado. Em alguns pontos foram encontrados restos de estacas carbonizadas, possivelmente bases de antigas cabanas.

Os resultados preliminares permitiram situar o sítio dentro da chamada “Tradição Aratu”, identificada em diversas regiões do Brasil central. Essa tradição se caracteriza pelo uso de cerâmica simples e pela agricultura de coivara, com cultivo de mandioca, milho e outras espécies nativas.

Os materiais recolhidos foram encaminhados ao Museu Paulista, onde passaram por triagem, classificação e análise comparativa. As escavações de Monte Mor contribuíram para ampliar o conhecimento sobre os povos pré-históricos do interior paulista, suas formas de vida e sua adaptação ao ambiente.

Trabalhos posteriores confirmaram a importância do sítio, que passou a ser referência para estudos sobre a ocupação indígena pré-colonial na bacia do rio Capivari e regiões adjacentes, incluindo Indaiatuba.


(texto em construção - créditos citados posteriormente)













domingo, 26 de outubro de 2025

JANELAS EMBANDEIRADAS DA ANTIGA INDAIATUBA

                                                                                                                                           Charles Fernandes



Alguém já se perguntou por que as construções antigas de Indaiatuba possuíam um pé-direito tão alto? E por que as fachadas das casas térreas tinham alturas muito maiores que as atuais?

Pois é... mais uma vez faremos uma viagem no tempo, por meio de um elemento marcante da nossa arquitetura tradicional: a bandeira das portas e janelas.

Se você já leu o conto O Padre Sustentável na Terra do Imperador Menino, disponível no blog da Prof. Eliana Belo, já deve ter imaginado as engenhosas peripécias que os primeiros habitantes desta nossa linda e quente terra criaram para tornar suas moradias mais agradáveis. O elemento que abordaremos a seguir também surgiu com esse propósito: proporcionar conforto térmico às edificações tradicionais da nossa região.

Nenhuma análise de arquitetura que se preze pode começar sem antes apresentar um breve panorama da economia, tecnologia e cultura do tempo e do lugar em que o patrimônio está inserido. Falaremos, portanto, das primeiras edificações urbanas de Indaiatuba, construídas entre o século XIX e o início do século XX — mais precisamente entre os anos de 1830 e 1930, ou até um pouco depois disso.

O que orientava o projeto dessas obras era, antes de tudo, a falta de equipamentos, ferramentas e materiais sofisticados. O que se tinha à disposição era madeira, barro e ferramentas rudimentares. Indaiatuba teve seu início em 1791, quando Pedro Gonçalves Meira adquiriu terras exatamente no meio do caminho entre São Carlos (Campinas) e Itu. A antiga Paragem de Indaiatyba por muitos anos foi acessível apenas pelo lombo dos animais.

As primeiras ruas eram poucas e dispostas paralelamente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária. As construções ficavam coladas umas às outras, criando uma fachada quase contínua — solução prática para preservar as paredes de barro, direcionar as águas pluviais para a via pública e para um pátio interno, onde se realizavam os serviços domésticos mais pesados, longe da vista de quem passava.

Vale lembrar que calhas e rufos só chegaram muitos anos depois, com a passagem da ferrovia em 1873. A partir daí, chegaram também o vidro e as esquadrias com ferragens mais funcionais.

Mesmo após a chegada da estrada de ferro, a estrutura da casa tradicional indaiatubana manteve-se praticamente a mesma por décadas: aberturas voltadas para frente e para trás; casas encostadas pelas empenas dos oitões; e um corredor central muito alto, percorrendo toda a planta — desde a porta de entrada até a cozinha, que, na verdade, era uma varanda posterior e aberta. Essa configuração se manteve até o fim da primeira década do século XX, quando chegou a energia elétrica, e ainda resistiu até meados da década de 1930, com a instalação da rede de água.

As casas tradicionais de Indaiatuba contavam apenas com a engenhosidade dos seus moradores. Não havia ventiladores, ar-condicionado nem sistemas de climatização — o conforto vinha da sabedoria popular e da observação dos fenômenos físicos.

Vamos relembrar alguns conceitos:

O ar em movimento exerce menos pressão que o ar parado, e, por isso, o ar estático tende a deslocar-se para onde há circulação. Além disso, o ar quente sobe, enquanto o ar frio desce. Assim, quando há vento na rua, cria-se naturalmente uma corrente de ar através do corredor central — ligando as faces opostas da casa, do fundo (mais protegido) até a rua, onde o vento sopra livremente. É como uma chaminé deitada. Essa corrente cria um fluxo contínuo, que insufla ar mais fresco para dentro das casas.

Ao instalar aberturas independentes na parte superior de portas e janelas — as chamadas bandeiras —, era possível liberar o ar quente acumulado e permitir a entrada de ar frio por outra abertura. Uma janela aberta ventila muito quando se abre também a bandeira da porta do corredor; e essa, por sua vez, ventila melhor quando a bandeira de uma janela está aberta para o exterior.

As portas voltadas para os corredores internos possuíam essas bandeiras, e, para que o sistema funcionasse, era necessário que os cômodos tivessem pé-direito mais alto. Esse princípio, hoje conhecido como ventilação cruzada, é amplamente utilizado em projetos de arquitetura sustentável.

Se a memória não me falha, algumas portas antigas do Hospital Augusto de Oliveira Camargo ainda preservam suas bandeiras voltadas para o interior.

Os grandes e altos corredores com portas e janelas embandeiradas perderam sua utilidade com a chegada dos sistemas modernos de climatização. As fachadas das casas foram abaixando e, com o avanço das leis higienistas, passou-se a exigir recuos laterais para ventilação e insolação.

Assim, chegou ao fim a fachada contínua da antiga Indaiatuba — e com ela, o uso das janelas e portas embandeiradas.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Vinhos da Colônia Helvetia - 1908

 


Propagando no jornal 'REPUBLICA" (Itu) do dia 25 de outubro de 1908

Linha telefônica chega em Helvetia em 1917

 



Publicado no jornal "A Federação" (de |Itu) em 20 de janeiro de 1917

 

Romaria de Helvetia para Itu - 1908

 






Jornal "A Federação" de 23 de agosto de 1908












Obituário de Antonio Ming em 1927

 


Palavras-chave: Ming, Helvetia, Antonio Ming, Anton Ming.
Jornal "A Federação" de 29 de janeiro de 1927



Festa do Tiro em Helvetia - 1929

 

Festa do Tiro ao Alvo em Helvetia



Fonte: jornal A CIDADE  23 de Junho de 1929











sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Sítios Históricos Identificados na Área da Barragem do Ribeirão Piraí

 

As Fazendas que Viraram Sítios Arqueológicos: Pedra Branca e Pirahy na Região da Barragem do Ribeirão Piraí

A construção da Barragem do Ribeirão Piraí, que envolve áreas de Indaiatuba, Cabreúva, Itu e Salto, trouxe à tona não apenas questões ambientais e de abastecimento, mas também um tesouro de memória: a identificação de dois importantes sítios históricos arqueológicos. Trata-se da Fazenda Pedra Branca 01 e da Fazenda Pirahy, propriedades rurais que testemunham séculos de transformações na história paulista.

Essas descobertas foram possíveis graças às prospecções arqueológicas exigidas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), realizadas antes da execução das obras. Os trabalhos revelaram que, por baixo da terra e nas ruínas das antigas construções, ainda resistem marcas da vida cotidiana de fazendeiros, colonos, imigrantes e escravizados que habitaram a região.


Sítio Arqueológico Fazenda Pedra Branca 01

Localizada nas imediações do futuro reservatório, a Fazenda Pedra Branca 01 reúne uma série de estruturas típicas de grandes propriedades rurais do século XIX. Ali foram identificados vestígios de casa-sede, casas de colonos, capela, terreiro de café e canaletas de água.

Essas construções em alvenaria de tijolos mostram como as fazendas se organizavam em torno da produção agrícola, em especial o café, que marcou o apogeu econômico do interior paulista. Além das paredes ainda de pé, o solo guarda fragmentos de cerâmica, telhas, vidro, metais e até moedas — pequenos sinais de um passado que parecia esquecido.


Sítio Arqueológico Fazenda Pirahy

Outro ponto é o sítio Fazenda Pirahy, cujo conjunto arquitetônico já é tombado pelo CONDEPHAAT (órgão estadual de preservação). A área preserva a casa-sede, capela, depósitos e casas de colonos, revelando a mesma lógica de funcionamento das antigas fazendas de café.

Além das construções, arqueólogos identificaram vestígios em profundidade, como fragmentos cerâmicos, que ajudam a contar a história de quem viveu e trabalhou ali. Por trás das paredes de tijolos, existiu a dura realidade da mão de obra escravizada, seguida pela chegada dos imigrantes após a abolição, em 1888.



O que os achados revelam

As prospecções abriram centenas de poços de sondagem, dos quais 434 puderam ser analisados. Apesar da amostragem reduzida, ela foi suficiente para confirmar a existência dos dois sítios. Os materiais encontrados — pedaços de louça, cerâmica, metais, telhas e até cachimbos — dão pistas sobre o cotidiano dos moradores: suas práticas religiosas, hábitos alimentares e modos de vida.



Linha do tempo: da sesmaria à barragem

PeríodoO que acontecia na regiãoRelação com os sítios
Século XVIIIDistribuição de sesmarias; agricultura de subsistência.Primeiras ocupações rurais.
Início do século XIXExpansão do açúcar e do café; uso de mão de obra escravizada.Formação das casas-sede e capelas.
1850–1880Apogeu do café.Construção de estruturas em alvenaria e organização das fazendas.
1888 em dianteAbolição da escravidão; chegada de imigrantes.Casas de colonos passam a abrigar famílias de italianos e espanhóis.
Início do século XXDiversificação agrícola após o declínio do café.Adaptação de estruturas; algumas caem em desuso.
Século XXIProjeto da Barragem do Ribeirão Piraí.Descoberta e registro oficial dos sítios arqueológicos.

Por que preservar?

A identificação da Fazenda Pedra Branca 01 e da Fazenda Pirahy mostra como o território de nossa cidade guarda camadas de memória que vão muito além do que se vê na superfície. Preservar esses sítios é preservar histórias de luta, trabalho e transformação que moldaram a região de Indaiatuba e arredores.

Mais do que ruínas, essas fazendas são testemunhas silenciosas de um Brasil rural construído sobre contradições: riqueza cafeeira e exploração da mão de obra escravizada; tradição religiosa e cotidiano árduo; prosperidade e abandono.

Hoje, diante do avanço das obras, cabe às pesquisas arqueológicas e aos programas de educação patrimonial garantir que esse passado não seja soterrado pela barragem, mas sim incorporado à memória coletiva.

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Com a identificação de mais esses dois sítios arqueológicos, agora Indaiatuba passa a ter cinco deles, entre os mais de 40 já mapeados na região. Leia mais sobre isso aqui.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Houve um Quilombo no território de Indaiatuba? Questões e Pistas

Eliana Belo Silva



 

Vistas da Fazenda Quilombo (sem data)

O termo “quilombo”, de origem no idioma quimbundo, significa “união” e era utilizado pelos africanos escravizados para designar os espaços comunitários de resistência constituídos por aqueles que logravam escapar da condição cativa.

No território que em parte integrou o município de Indaiatuba localizavam-se a Fazenda Quilombo e a Estação Ferroviária do Quilombo, ambas estabelecidas em área anteriormente pertencente a uma sesmaria. Instituída no período colonial, a sesmaria consistia em uma concessão de terras realizada pela Coroa portuguesa no âmbito das Capitanias Hereditárias, sob a exigência de que fosse efetivamente ocupada e explorada de modo produtivo. O beneficiário, denominado sesmeiro, assumia a obrigação de cultivar e dar função econômica à área recebida.


Veja a cronologia conhecida de proprietários da Sesmaria do Quilombo aqui.


Em 1795, este vasto território — atualmente compreendido entre os municípios de Indaiatuba e Itupeva — foi objeto de partilha judicial, processo a partir do qual se constituiu a Fazenda Quilombo. A denominação remete, segundo registros da tradição oral e referências históricas, a existência de um quilombo na região.


A menção ao “auto de divisão de 1795” é feita pelo pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho e aparece em texto disponível no Scribd, que é uma fonte secundária/online. Trata-se de um documento intitulado Revela Quilombo: Os Caminhos Às Margens do Rio Jundiaí, que cita pesquisas orais e arquivos que teriam identificado o auto e até um nome de proprietária (Anna Maria Xavier Pinto da Silva). Essa, porém, repito: é uma fonte secundária.

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Nilson Cardoso de Carvalho também é citado pela periodista Ana Lygia Scachetti (Jornal Tribuna de Indaiá):

 Neste tópico, Nilson destaca um auto de divisão da Fazenda Quilombo, datado de 1795. “A fazenda Quilombo era formada por mais de mil alqueires de floresta com mato trancado”, conta o pesquisador. “Alguns escravos fugiram e se estabeleceram no meio desta floresta às margens de um rio, por isso chama Quilombo.” O documento mostra que as terras eram de propriedade de Anna Maria Xavier Pinto da Silva. Quando ela faleceu, em 1795, a área foi adquirida por alguns outros proprietários e, algumas décadas depois, pelo menino Agostinho Rodrigues de Camargo, por meio de seu tutor, João Tibiriçá Piratininga. Com o tempo, Agostinho se firmou como senhor de engenho e depois como produtor de café. “Ele teve uma descendência muito grande”, relata Nilson. “Entre seus filhos estava Augusto de Oliveira Camargo, dono da Fazenda Itaoca. A fazenda foi vendida e o dinheiro aplicado na construção do hospital (HAOC).”

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forte indicação na bibliografia local e em notas institucionais de que um documento datado de 1795 (auto de divisão) referente à Fazenda Quilombo foi identificado por pesquisadores, e que esse material está ligado ao acervo do AESP.

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Também é Nilson Cardoso de Carvalho que registra que, através da Lei de 27 de março de 1885 a Fazenda Quilombo e a Fazenda Rio das Pedras foram transferidas de Indaiatuba para Jundiaí (e depois, para Itupeva).

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Esse quilombo teria sido abandonado pelos negros moradores, seus fundadores, quando tropas vindas da Vila de Jundiaí para prendê-los, começaram a penetrar na mata. Ela era tão fechada, que os soldados levaram dois meses para chegar ao local do quilombo, encontrando-o já abandonado.


MEMÓRIA ORAL

A Fazenda Quilombo — formada pela junção das Fazendas Capim Fino e Santa Tereza do Alto —, após o período em que teria abrigado um quilombo, passou a pertencer ao senhor José Estanislau do Amaral, avô da artista plástica Tarsila do Amaral.

Segundo relatos preservados na memória oral, a fazenda possuía uma paragem conhecida como Venda do Quilombo, ponto de parada de tropeiros e mercadores. Esses viajantes afirmavam que ali viviam escravos libertos e, por essa razão, o local “parecia um quilombo”. Assim, o nome teria se consolidado a partir dessa tradição oral. Contudo, é importante observar que José Estanislau do Amaral nasceu em 1817 e faleceu em 1899, período posterior à existência do quilombo.

Outra versão, também transmitida de geração em geração, aponta que nas imediações onde hoje se encontra a antiga Estação Ferroviária de Quilombo existiu, de fato, um refúgio de quilombolas. O local, situado às margens do Rio Jundiaí, era protegido por uma densa mata e abundante em frutas, o que lhes garantia sobrevivência. Ali permaneceram até serem surpreendidos pela investida de soldados vindos de Jundiaí.


DEMANDAS

Há, portanto, lacunas significativas quanto à real existência desse Quilombo. Até o momento, não foram encontrados documentos historiográficos ou acadêmicos que atestem formalmente sua configuração como tal. As referências disponíveis provêm, em grande parte, de tradições orais, blogs, sites locais e vídeos, ou seja, de fontes que, embora relevantes para a preservação da memória coletiva, não constituem registros oficiais ou comprovadamente respaldados por arquivos históricos.

COMO CONFIRMAR

Minha avó materna, Alzira Estevam de Araújo Quinteiro, nasceu na Fazenda Quilombo, em uma época em que parte de seu território ainda pertencia a Indaiatuba, no início do século XX. Seus pais, imigrantes que trabalhavam como colonos na fazenda desde o século XIX, transmitiram à nossa família a memória de que ali teria existido um quilombo. Registro este testemunho para que futuras pesquisas possam ter como referência essa tradição oral.

Para confirmar ou refutar essa memória, torna-se necessária uma investigação histórica mais ampla, fundamentada em documentação rastreável, como:

  • Arquivos paroquiais da região: registros de batismos, óbitos e matrículas de escravos.

  • Documentos de sesmarias, mapas e cadastros antigos relacionados às áreas de Itupeva, Indaiatuba, Jundiaí e/ou Itu — em especial os que tratam da Sesmaria Quilombo, pertencente a Agostinho Rodrigues Camargo.

  • Registros de propriedades e inventários antigos das famílias de Agostinho Rodrigues Camargo e de José Estanislau do Amaral, que possam indicar a formação e a transmissão da fazenda.

  • Publicações acadêmicas sobre escravidão em Jundiaí e Itupeva ou estudos dedicados aos quilombos na região.


RETALHOS DESSA COLCHA

Ainda considerando fontes para confirmar ou refutar, cito as seguintes:
  • “Os quilombos de Jundiahy” (por Vivaldo José Breternitz)
    Relata que, em 1885, “o Sr. Bueno” (administrador da estação de Itupeva) organizou uma força de 15 paisanos para atacar um quilombo na Fazenda São Simão, no distrito de Jundiahy (Itupeva). Houve confronto, morte de um dos paisanos, e depois ele comunicou o ocorrido ao delegado de polícia de Jundiahy pedindo reforço para desalojar os quilombolas. Jundiaqui

  • Arquivo Histórico de Jundiaí – Notícia “Arquivo Histórico preserva documentos sobre período escravista em Jundiaí”
    Nesta notícia, o diretor do Departamento de Museus de Jundiaí menciona que há documentos do acervo sobre quilombos em regiões que pertenciam a Jundiaí, e que “quilombolas de Itatiba seriam duramente atacados por tropas oriundas de Campinas”. Também há citação de “pagamento de quatro mil réis para um Capitão do Mato de São Paulo capturar e degolar um quilombola de Itupeva em 1759”. Serviços e Informações do Brasil

  • “Jundiahy usou ‘exterminadores de quilombo’” – artigo de José Arnaldo de Oliveira no site Jundiaqui relata que, em meados dos anos 1700, tropas da capital foram contratadas pela Câmara Municipal de Jundiaí para “exterminar (literalmente) um quilombo” em área da atual Itupeva. Jundiaqui

  • Arquivo Histórico / Prefeitura de Jundiaí — a própria Prefeitura / Arquivo Histórico de Jundiaí publica notas sobre documentação relacionada ao período escravista na região (incluindo menção ao quilombo de Itupeva e a episódios de repressão), o que corrobora que há documentação no acervo regional/estatal, embora o registro primário não esteja publicado integralmente online. Prefeitura de Jundiaí





Imagens: ponte sobre o Rio Jundiaí, nas proximidades da Estação Quilombo - 1934

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