segunda-feira, 11 de março de 2024

Campinas Decor 2024 volta a ocupar as OFICINAS DA COMPANHIA MOGIANA


Anualmente, esta exposição de profissionais de decoração promove intervenções em prédios da cidade de Campinas, muitos colegas meus desta cidade, como Alexandre Galhego, Veridiana Perez e Inara Palinkas estão sempre entre os mais prestigiados, espero vê-los este ano também.

Mas com tão preciosa oportunidade,  não posso deixar de escrever sobre as oficinas da bitola métrica,  como era chamado este lindo prédio em 1993, quando tive a oportunidade de trabalhar lá. Não sei se em decorrência das inúmeras lembranças que tenho dele,  considero-o o mais belo de Campinas, talvez de toda a região ou de todo o interior paulista. Desculpem-me a subjetividade de minha parte  nesta introdução, prometo, a seguir, me ater a descrição do prédio e da história de minha interação com ele, com menos emoção. Beleza é atributo subjetivo de algo, decorrente da percepção de um individuo, e a seguir, vou guardar isso apenas para mim.

Em 1993 iniciei meu primeiro emprego como Arquiteto, na FEPASA, na Superintendência de Passageiros de Campinas, para acompanhar reformas na Estação Campinas.  Em pouco tempo, me vi trabalhando na "Assessoria Especial da Presidência para Restauro do Patrimonio Histórico" (baita nome grande), com obras na Estação Julio Prestes (Sala São Paulo), Museu da Compania Paulista em Jundiai, e no Complexo da Estação Campinas onde restauramos o Saguão Principal e partes da estação. 

Conto até hoje, o "causo" de como consegui entrar para a equipe de arquitetura de restauro da FEPASA. Sempre tive muito boa memória, de tudo que leio ou vejo, consigo transcrever com certa precisão planilhas ou projetos, tendo visto uma única vez, talvez não tanto agora com 51 anos, mas quando tinha meus 20 e poucos anos, era um HD vazio. Na época quase ninguém tinha câmera digital, e era muito caro fotografar tudo,  eu acompanhava os arquitetos seniores em visitas de obra, e nas reuniões, quando questionado, descrevia as edificações em detalhes, se portas eram originais, o desenho das vergas, o encaixe entre pisos, sempre lembrei de tudo que me maravilhava, e aquilo tudo era mágico para mim.

O Pátio Campinas sempre me fascinou, e o Prédio da Mogiana é a edificação que domina e hierarquiza todo o local; a mais alta, a mais imponente, que olha para o pátio e indica a direção a tomar, dita o horário em seu grande relógio; e foi sem dúvida alguma, referência para a importância da Mogiana no conjunto arquitetônico ferroviário de Campinas.








"As oficinas foram idealizadas, projetadas e executadas entre os anos de 1897 e 1908, pelo engenheiro Carlos Stevenson." O predio marca o ponto mais a leste do complexo; atrás dele apenas a engenhosa rotunda da Mogiana, onde em 1993 funcionava a pintura das locomotivas elétricas. O complexo do Pátio de Manobras de Campinas é incrível, surreal,  pois sua escala não é humana, tudo é feito para locomotivas e composições, tudo é enorme, tudo é robusto, a porta principal da fachada da oficina é acesso para lovomotivas, e as relações proporcionais áureas e ordens clássicas utilizadas, são decorrência da porta e da altura da máquina. É ENORME.





No Pátio, do lado leste, localizavam-se as oficinas das locomotivas elétricas, que usavam o prédio da Mogiana ou também chamado de Oficina da Bitola Métrica. Do outro lado do pátio a oficina da Diesel ou Oficina da Bitola Larga. Historicamente no estado de São Paulo há dois tipos diferentes de trilhos, a Mogiana usava bitolas mais estreitas, e a Compania Paulista usava "bitola larga". Apesar das lendas que existem sobre as empresas não terem bitolas iguais, a Mogiana teria optado em usar uma bitola mais estreita entre os trilhos para poder ter raios de curva menores nos leitos e transpor terrenos acidentados com menor custo, a Compania Paulista usava bitola larga que tinha mais capacidade de carga. Foi uma relação custo beneficio que cada empresa optou para construir sua rede.




Na decada de 90 do sec XIX, quando estas oficinas estavam em construção, Campinas foi acometida de um surto de Febre Amarela que levou 1/3 da população a deixar a cidade. A Compania Paulista optou por construir suas oficinas em Jundiai, onde o prédio é igualmente sensacional. Neste prédio de Jundiaí,  tive a oportunidade de ajudar a revitalizar um edifício anexo e montar a exposição do Museu da Compania Paulista em cerca de 1994.

Ainda no conjunto da oficina da Mogiana, os depósitos são igualmente incríveis, o telhado de galpão em shafts, possui integração com a linguagem de repertório eclético adotada nas fachadas, pela mogiana, proporcionado soluções criativas e de resultado estético muito eficiente. 

Antigo galpão de baldeação localizado no estacionamento do atual Terminal Rodoviário de Campinas. As estruturas metálicas expõe os esforços,  peça a peça,  através do material utilizado, em geral trilhos e barras metálicas.


Quando se fala em estruturas metálicas ferroviárias inglesas, utilizadas nestes prédios e em diversos outros galpões de baldeação dispostos no pátio, meu fascínio aumenta exponencialmente. O nível de racionalismo é incrível, muitas vezes utilizando trilhos e tirantes como materiais básicos,  separam as peças das estruturas pelos esforços, trilhos grossos para compressão e tirantes finos para tensão usando o minimo de material com o máximo de eficiência. 

Quase tudo no pátio é considerado, ALVENARIA INDUSTRIAL INGLESA, que foi um conjunto de soluções técnicas e estéticas usado pela inglaterra para construir no mundo todo os edificios para receber as máquinas que fabricava,  utilizando material que abunda em quase todo local, o barro. As soluções construtivas eram elaboradas em tijolos a vista, reduzindo a necessidade de reboco e adornos, reduzindo assim os custos e tempo de execução, eram obras com o pé no racionalismo e funcionalismo, anos antes do modernismo. 

As ruíndas da Estação Pimenta, são outro exemplo de alvenaria industrial inglesa em Indaiatuba. 
A imagem fala muito sobre o cuidado com o Patrimônio Histórico.


Na minha cidade natal, Indaiatuba, temos um incrível exemplar, que apesar de ter sido demolido parcialmente, mantém sua engenhosidade típica da era das ferrovias, é a Tulha do Casarão Pau Preto, feita para receber uma máquina de beneficiamento de café. Uma curiosidade deste prédio, que passa despercebida por quase todos que não tentam ler os esforços das peças que o compõem, é uma série de tirantes metálicos, delgados, usados para reagir tensionados, a força dos oitões das tesouras que atuam sobre os pilares de alvenaria da fachada, cujos encaixes aparecem para o lado de fora. Vocês nunca se perguntaram o que são as placas metálicas sobre as pilastras de tijolos a vista?!

Casarão Pau Preto, ainda com o prédio da tulha completo

O jornalista Sergio Mateus Squilanti, precursor da  preservação do patrimônio histórico em Indaiatuba, ao lado de Archimedes Prandini, em frente a parte já demolida da Tulha do Casarão Pau Preto


A Estação urbana de Indaiatuba, é outro prédio da era ferroviária na cidade, edificado na decada de 70 do sec XIX. Como curiosidade, posso dizer que seu projeto reflete todo o raciocinio da época.  Foi um projeto tipo, utilizado em algumas outras cidades, que possuia linguagem vitoriana que o destacava da Indaiatuba Colonial e Imperial, de linhas retas do vernáculo paulista, certamente foi o prédio mais impressionante da cidade no fim dos anos 1800.



A Arquitetura Ferroviária, no final do seculo XIX, trouxe modernidade quase "alienígena" para as cidades do interior paulista. A ferrovia substituiu as tropas de mulas que desciam para o porto levando café e açúcar, pelos caminhos calçados desde o sec XVIII, por Bernardo de Lorena, Governador Geral da Capitania.    

[...] Cada burro carregava duas sacas de café de quatro arrobas cada uma e voltava do porto com carga igual de 8 arrobas, dos mais variados produtos.[...] 

Cada fazenda possuia centenas de mulas, ou contratava tropeiros, cujos rebanhos invernavam cerca de Sorocaba e Itapetininga. Eram milhares de animais a serviço do transporte da produção,  que necessitavam ser trocados por máquinas.

Curiosamente, também no final do século XIX, teve inicio a Guerra contra o Paraguai, país que se ameaçava interesses comerciais da Inglaterra. A guerra necessitou de mulas para transporte logístico de equipamentos e víveres, os Barões do Café trocaram as tropas de mulas com títulos de ferrovias, possibilitando a implantação e rápida expansão da malha ferroviária. Ironicamente foi um golpe de sorte, sem escrupulos, que eliminou um concorrente e ampliou o mercado de consumo. O positivismo e o darvinismo social, impostos por impérios como o da Inglaterra, foram muito cruéis com nações menos desenvolvidas. 

Como resultado, a ferrovia inseriu São Paulo na era industrial, na velocidade da máquina, trouxe a agitação urbana, o êxodo rural, o ecletismo das artes, abriu as portas do mundo, para um interior que há pouco tempo era fronteira entre o sertão inexplorado e a metrópole além mar.

Este prédio é sem dúvida, o melhor exemplar para ilustrar esta época de incríveis transformações.


 
https://www.facebook.com/mogianacampinas

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