quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Candelária, Hospital e Mosteiro: a Trilogia do Barroco e Neocolonial em Indaiatuba

Candelária, Hospital e Mosteiro

A Trilogia do Barroco e Neocolonial em Indaiatuba




O Barroco

Quando falamos em Barroco, nos referimos a um movimento artístico autêntico que sucedeu o Renascimento na Europa a partir do séc. XVI, propondo uma estética que buscava explorar a ideia de movimento, contrastes na iluminação e expressividade extrema. É uma linguagem de exageros que visava despertar sensações e emoções no apreciador. Durante o Maneirismo, movimento que pode ser entendido como início do Barroco, temos os indícios de que a razão renascentista seria sobrepujada pela subjetividade. Um dos primeiros atos que levam à ruptura que iniciará o Maneirismo é a utilização de uma ordem colossal de colunas no frontispício da Basílica de São Pedro, em Roma, idealizada por Michelangelo, na intenção de desprezar as rígidas regras dos tratados clássicos, propondo mais liberdade na utilização dos elementos formais — arcos, colunas, entablamentos, entre outros — adotando um raciocínio mais fluido e dinâmico.

Alguns elementos acabam por se tornar típicos do Barroco, como o arco abatido, a coluna torsa, a folha de acanto estilizada, a concha do mar (rocaille) e as volutas, além do uso da perspectiva e das curvas elípticas como elementos compositivos.

Durante a Contrarreforma da Igreja Católica, proposta no Concílio de Trento no início do séc. XVI, são estabelecidos novos parâmetros para a construção de igrejas, e as “Regras de Fabricação” promulgadas por São Carlos Borromeu determinam a forma de toda a arquitetura religiosa que veio ao Brasil nessa época. Nosso país é colonizado durante o movimento barroco, e o reflexo é claro em toda a produção de edifícios desde a chegada dos primeiros portugueses até o séc. XIX, tendo um de seus maiores expoentes na obra do mestre Aleijadinho, em Minas Gerais.

Em Indaiatuba, a Igreja da Candelária, em seu formato original, refletia os últimos suspiros do Barroco no Brasil. Apesar das reformas e modernizações sofridas, ainda hoje podemos observar elementos característicos desse movimento: o frontão alteado, os arcos abatidos e os entalhes dos balcões que se abrem sobre o presbitério são o que nos resta da estética inicial desta igreja.


Os estilos ecléticos e o Neocolonial

A chegada ao Brasil dos artistas da Missão Francesa, em 1816 — poucos anos após a vinda da família real — marca nossas primeiras obras em estilo neoclássico, realizadas pelo arquiteto Grandjean de Montigny.

A Revolução Industrial é um fator determinante para a criação de um novo movimento artístico que irá suceder o Barroco, chamado Ecletismo, cujo início é marcado por nova reutilização da estética da Antiguidade Clássica, denominada estilo neoclássico.

Em atendimento às necessidades da produção industrial, o Ecletismo do séc. XIX passa a criar sucessivos estilos, através de releituras da estética de movimentos artísticos passados e seus regionalismos. O prefixo “neo” determina as designações dessas releituras, a exemplo do Neoclássico e Neogótico, e infere um novo atributo à produção artística: a “moda”.

A palavra “moda” vem de “moderno” e foi criada para incentivar o desejo de substituição de um produto antes mesmo de este estar deteriorado, por meio da aspiração ao status privilegiado. A produção industrial substitui a produção artística original e o produto único, pelo produto industrializado, prêt-à-porter, que acaba por possuir um estilo que define sua estética. O séc. XIX e o início do séc. XX são marcados pela criação de novos e sucessivos estilos, que se superam a cada nova “tendência”.

É nessa realidade que, no início do séc. XX, tem início a discussão que leva à criação de um estilo brasileiro, em substituição aos modismos europeus — em especial os trazidos pela modernidade ferroviária.

O estilo Neocolonial é, paradoxalmente, uma recuperação do Barroco brasileiro, cujo Ecletismo pretendia suceder e superar como movimento artístico. Na busca por uma referência a ser adotada como estilo brasileiro, atendendo a ideologias nacionalistas existentes no início do séc. XX, foi utilizada a única opção possível: o Barroco. (Excetua-se desse raciocínio apenas o “estilo marajoara”, usado em arte decorativa, que tinha como referência a cultura indígena pré-colombiana que habitou a Ilha de Marajó, no Pará.)

Foi nesse Zeitgeist que Dona Leonor de Paula Leite de Barros contratou o maior nome do Ecletismo brasileiro, o arquiteto Ramos de Azevedo, para desenvolver o desenho do Hospital Augusto de Oliveira Camargo, inaugurado em 1938, considerado um dos mais importantes exemplares do Neocolonial no Brasil, tombado em 2004 por decreto do então prefeito de Indaiatuba José Onério.

Poucos anos após a inauguração do Hospital Augusto de Oliveira Camargo, é edificado outro inestimável patrimônio histórico do Neocolonial de Indaiatuba: o Seminário Jesuíta de Itaici.


O Mosteiro de Itaici e a Arquitetura Neocolonial em Indaiatuba

Edificado entre 1951 e 1955 em área pertencente à antiga Fazenda Taipas, de João Tibiriçá Piratininga, ocupa parte do local que já foi conhecido como Sítio Itaicy, quartel do bandeirante Antonio Pires de Campos — o Pai Pirá — na época do início da colonização portuguesa do Brasil. Atualmente, o local possui dois conjuntos arquitetônicos: Vila Kostka, que chamamos de Mosteiro, é a edificação mais recente; e Vila Manresa, localizada em terreno menos elevado, mais próxima à curva do Rio Jundiaí, é remanescente da edificação original da sede da Fazenda Taipas. São dois sítios distintos, cada um com sua história.

O nome “Mosteiro de Itaici”, como é conhecido pela população indaiatubana, acabou sendo adotado pelos jesuítas para designar o Seminário de Vila Kostka, como que uma homenagem à população local, que sempre chamou o local de “mosteiro”, por consequência chamando os clérigos de “monges” — o que não é verdade. Os jesuítas não são uma ordem monástica, e Vila Kostka não foi concebida para ser um mosteiro, claustro ou convento. O uso do nome “Mosteiro de Itaici”, amplamente adotado atualmente pelos jesuítas, é uma referência clara ao respeito à identidade, às tradições e à história da população de Indaiatuba em sua relação de admiração com o local.

Seu desenho teve como referência a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (ESAMV), edificada em 1948 pelo arquiteto e paisagista Eugênio de Proença Sigaud no município de Seropédica, no Rio de Janeiro.

Nos projetos do Hospital Augusto de Oliveira Camargo e no Mosteiro de Itaici, podemos identificar elementos do repertório eclético neocolonial. Arcos abatidos, volutas e frontões alteados utilizam a abstração das curvas retiradas da natureza — de acantos e conchas. Essa redução dessas formas a um conceito geométrico, racionalizando e abstraindo a realidade e adaptando-a a um ideário ou a necessidades técnicas de construção, é a semente plantada do Neocolonial (também presente no estilo Art Nouveau e Art Déco) e que irá contribuir para o florescimento do modernismo no Brasil, em especial nos projetos de Oscar Niemeyer.


Conclusão

A planta maneirista da Igreja da Candelária e os elementos remanescentes de seu formato original tornaram-se clara referência para nossos edifícios neocoloniais — tanto o Hospital Augusto de Oliveira Camargo quanto o Mosteiro de Itaici.

Esta trilogia da arquitetura indaiatubana simboliza a autofagia que transformou nosso Barroco em Neocolonial, proporcionando estéticas semelhantes, mas com histórias antagônicas: uma delas, a do artesão e do ofício; as outras, das novas tecnologias, da Revolução Industrial e da modernidade sob o viés do século passado.


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Este post está vinculado com outro texto escrito para crianças sobre o mesmo assunto.

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