segunda-feira, 27 de julho de 2009

Casarão Pau-Preto: Arquitetura em Taipa

Um pouco da História do Casarão


A antiga sede da Fazenda Pau Preto foi construída no início do século XIX, entre 1810 e 1820, através da técnica da taipa, tanto a de pilão como a de mão, utilizando mão-de-obra escrava. 

Por volta de 1885, o proprietário da Fazenda Pau Preto agregou a suas terras a chácara onde havia sido construído o Casarão e o transformou em sede da propriedade e, logo após, construiu ao lado do Casarão um prédio de tijolos para abrigar uma máquina a vapor para beneficiar café, sendo por muito tempo a única na cidade. Assim, este prédio que possui traços da arquitetura industrial inglesa é denominado Tulha.

A arquitetura do Casarão e da Tulha são portadoras de informações da economia brasileira em dois períodos: no período em que o Brasil foi colônia de Portugal, na qual o Casarão foi construído com o incentivo português à produção açucareira, voltada ao mercado predominantemente europeu; e a Tulha é fruto da economia cafeeira, do início da industrialização no Brasil. Neste período, houve na região a introdução de linhas férreas dinamizando a escoação da produção até o Atlântico.

Na década de 1980 a Fazenda Pau Preto já recortada por ruas e outras construções, tornou-se alvo do mercado imobiliário, ocasionando a destruição parcial da Tulha. Neste momento, mais precisamente em 1982 teve início um movimento para sua preservação e para impedir a sua total demolição. liderado por Sérgio Squilanti que começou a organizar passeatas, reuniões, protestos pela imprensa, inclusive pela televisão - o que resultou no decreto 2.394 de 20 de abril de 1982, do prefeito Clain Ferrari, declarando de Utilidade Pública, a fim de ser adquirido, mediante desapropriação, o Casarão e sua área de terreno de 9.810 metros quadrados, para “instalação de museu histórico, centro cultural e parque de lazer”. Entretanto o mesmo Clain Ferrari revogou [SIC!] este decreto em 14 de dezembro de 1982.

"Localizado no ponto de origem do pequeno povoado, o Casarão assistiu à sua história,
desde o pequeno aglomerado de moradores, até a próspera cidade industrial que é hoje Indaiatuba, sendo lamentável assistirmos à sua deterioração, ou demolição (...)
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em que a população saiba que o Casarão não é apenas uma “velharia” –
mas um testemunho concreto da história e da arquitetura da cidade."
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A nota acima é de Nilson Cardoso de Carvalho, que escreveu a publicação "Arquitetura em Taipa - um dos últimos exemplares em Indaiatuba" nessa época para para chamar a atenção da população de Indaiatuba para a importância do Casarão da Fazenda Pau Preto. A publicação atingiu seu objetivo: foi distribuída num momento em que o prédio era destruído e contribuiu para engrossar o movimento para sua preservação que se avolumava na cidade.

Em 24 de fevereiro de 1983, o novo prefeito José Carlos Tonin, pelo decreto 2.615, novamente “declara de Utilidade Pública” o Casarão, só que, agora, a área considerada, ao invés de 9.810 metros quadrados, tem 4500,9 metros quadrados, sendo que o “imóvel declarado de Utilidade Pública destina-se à instalação de museu histórico, centro cultural e parque de lazer”. Mesmo após o decreto de Tonin, o Casarão ficou abandonado, deteriorando na chuva.

Foi produzido também um audiovisual com imagens de Antonio da Cunha Penna e sonorização e narração de Renato Carramenha. Imediatamente após ser exibido para uma platéia repleta, no auditório da Câmara Municipal, o prefeito José Carlos Tonin anunciou a desapropriação, o que fez vibrar a platéia e foi uma festa. Na época, a recuperação do Casarão foi executada diretamente pela prefeitura, sob a direção do engenheiro Salvador Canton Garcia, diretor do Departamento de Obras, com supervisão de uma comissão nomeada diretamente pelo prefeito. Recuperado, o Casarão foi simbolicamente entregue à população da cidade, em 9 de dezembro de 1985, no dia do aniversário de Indaiatuba com a presença de uma multidão, constituída principalmente por seus antigos moradores, sinalizando sua importância como referência histórica.

O mesmo movimento originário para impedir a demolição do Casarão deu origem a Fundação Pró-Memória de Indaiatuba que se tornou responsável pela preservação do imóvel. Em 2007 o Casarão Pau Preto, que abrigava a Secretaria da Cultura e passou a ser sede administrativa da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, abrigando o Museu, a Biblioteca Municipal Rui Barbosa, o auditório Tulha e um espaço aberto (o bosque), com árvores centenárias remanescentes da antiga fazenda.

Em dezembro de 2008 o Casarão do Pau Preto foi tombado pelo então prefeito José Onério da Silva, através do Decreto 10.108. A preservação do Casarão através da ratificação desse decreto foi fruto do empenho de pessoas que lutaram para isso.
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Abaixo, trechos e imagens da publicação do pesquisador Nilson Cardoso de Carvalho, explicando sobre a técnica arquitetônica de TAIPA DE PILÃO.


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Arquitetura em taipa - um dos últimos exemplares em Indaiatuba

Nilson Cardoso de Carvalho
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O QUE É TAIPA DE PILÃO
A chamada taipa de pilão é um processo antigo de construção usado já pelos jesuítas nas primeiras construções de São Paulo, sendo de taipa o antigo Colégio. Com a migração dos primeiros habitantes de Piratininga, fundando povoações vizinhas, estes núcleos primitivos tinham como característica comum suas igrejas e seu casario construídos em taipa. São exemplos destes núcleos: Mogi das Cruzes, Embu, Taubaté, São Roque, Sorocaba, Jundiaí, Santana do Parnaíba, Itu, Atibaia e outros.
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Os bandeirantes do ciclo da caça ao índio e do ciclo do ouro levaram a taipa de pilão para Mato Grosso e Goiás. Em Minas Gerais, o processo não deu resultado devido à inclinação dos terrenos montanhosos, nos quais as enxurradas provocavam a erosão das paredes de taipa. Os mineiros inventaram, então, a técnica da taipa de mão, ou, pau-a-pique, introduzida por eles em São Paulo, quando para cá migraram, ao final do ciclo do ouro. A técnica da taipa de pilão era muito simples e resistente quando bem construída, encontrando-se, ainda, exemplares deste tipo de edificação com mais de duzentos anos. A mão de obra empregada era o braço escravo - índio ou negro - e perdurou até o final do ciclo da cana de açúcar, em São Paulo, em meados do século dezenove. Com o início do ciclo do café, e a vinda da mão de obra européia, seus mestres de obra trouxeram o uso do tijolo queimado que, embora já conhecido, só foi utilizado a partir de então.


COMO ERA FEITA A TAIPA DE PILÃO

As paredes da taipa de pilão eram levantadas de alicerces com 50 centímetros de profundidade. Dentro de uma forma de tábuas móveis, de formato retangular colocava-se barro feito com terra peneirada e água, juntando-se em seguida, fibras vegetais, sangue de gado, crina de animais e estrume de gado. Socava-se então com os pés ou pilão, até se obter uma compactação bem firme. Cada forma tinha, em média, 40 centímetros de altura, que depois de socada, passava a 20 centímetros, aproximadamente. Essas camadas eram feitas ao mesmo tempo em todo o perímetro da obra para dar uma resistência homogênea às paredes, tal como se faz hoje com o concreto. Nas construções comuns as paredes tinham de 40 a 80 centímetros, e um metro ou mais nas construções maiores.
Para a proteção contra a chuva – o maior inimigo das paredes de taipa – o local escolhido era sempre um terreno plano, evitando-se assim as enxurradas. Os beirais eram largos para evitar que a água da chuva umedecesse as paredes. Não se conhecia o uso da calha. O aspecto da construção era retangular, com o pé direito alto e o telhado, feito de duas ou quatro águas, coberto com telha canal.
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O QUE É E COMO SE FAZIA A TAIPA DE MÃO OU PAU-A-PIQUE

Como já foi mencionado, para os terrenos em declive, foi criado o sistema de taipa de mão ou pau-a-pique, utilizado na Capitania de S. Paulo ao final do ciclo do ouro. Era um trabalho essencialmente de carpintaria, pois a casa era primeiramente armada em madeira, ficando com o aspecto de uma gaiola. Os esteios eram cravados no chão e ligados entre si por vigas horizontais (baldrames e frechais) que formavam um sistema rígido de sustentação do telhado. Para a construção das paredes era montada uma trama de paus roliços ou taquara jatevoca, que possui cerne compacto, em posição vertical (pau-a-pique ou barrotes) e horizontal (ripas), amarrada com cipó. Em seguida atirava-se barro ao mesmo tempo do lado de dentro e de fora da trama, o que requeria o trabalho de duas pessoas.
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O CASARÃO DA FAZENDA PAU PRETO E SUA ARQUITETURA

Com frente para a rua Pedro Gonçalves, com uma área construída de 555,60 metros quadrados, está situado sobre um terreno retangular de 9,810 metros quadrados. Existe ainda um barracão de 124,80 metros quadrados de área construída, muro de fecho e um bosque de árvores. .

EDIFICAÇÃO CARACTERÍSTICA DA CONSTRUÇÃO EM TAIPA

O local escolhido foi o espigão da colina entre os ribeirões do Pau Preto e do matadouro. Aí estão localizadas outras construções em taipa: a Casa Número Um; muros remanescentes e a Matriz. Nesse local o terreno é quase em nível. As paredes do casarão, onde não há envasaduras, foram levantadas inteiramente em taipa de pilão (até o teto). Naquelas paredes onde se abrem portas e janelas, a taipa sobre até cerca de oitenta centímetros e depois começam as janelas que se apóiam sobre a taipa sem nenhuma escora. Daí para cima, nos cheios entre as janelas e portas, e acima delas, foi utilizada a taipa de mão. Os elementos fundamentais aí estão presentes: pé direito alto, aspecto retangular, corpo principal de 35 x 10 metros e telhado em telha canal, avançando em beiral largo.
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PRESENTA CARACTERÍSTICAS DAS RESIDÊNCIAS DO CICLO BANDEIRANTISTA

As primeiras residências do planalto de Piratininga são chamadas residências do ciclo bandeirista. Segundo Luiz Saia, estudioso do assunto, as últimas residências do ciclo apresentam elementos característicos para sua edificação que ele relaciona em seu livro, “A Casa Bandeirista”, publicado pela Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo e que transcrevemos nas páginas seguintes, para uma comparação com tais elementos observados no Casarão.

Casarão Pau Preto
Casa de Calu.
.As últimas residências do ciclo são de meados do século dezenove, sendo portanto a data de construção um dado fundamental para a caracterização completa do Casarão como “residência do ciclo bandeirista”.
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O CASARÃO E SUA HISTÓRIA
A CONSTRUÇÃO DO CASARÃO É DA ÉPOCA DE D. JOÃO VI

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Foi construído no início do século dezenove, entre 1810 e 1820, em pleno ciclo da cana de açúcar na Capitania de São Paulo, tendo, portanto, cerca de 170 anos. O casarão é contemporâneo da igreja Matriz que teve início – sua construção – em 1807.

C, mas sim, de um padre, ou da Igreja. Era residência do Pároco, que ali mantinha seus animais, necessários para sua condução aos locais, às vezes distantes, para atendimento de seus paroquianos. Embora não haja confirmação, há indício de que ali tenha residido o Padre Antonio Casimiro da Costa Roriz, notável pregador sacro, Pároco de Indaiatuba, muito solicitado para pregar em festividades religiosas, nas vilas da redondeza e, principalmente, em Campinas, onde era muito estimado.

Foi Padre Casimiro Roriz quem rezou o Te Deum solene da elevação de Indaiatuba à Município em 1859. Arruda Camargo, em suas reminiscências sobre Indaiatuba, diz que “aqui viveu e paroquiou durante muitos anos, fazendo também, metido nuns calções de baeta vermelha, os serviços mais rudes de sua grande chácara”.
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JOAQUIM EMÍDIO DE CAMPOS BICUDO E A CONSTRUÇÃO DA PARTE DE TIJOLO À VISTA– JÁ DEMOLIDA
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Na segunda metade do século dezenove, o Capitão da Guarda Nacional José Manoel da Fonseca Leite, abastado proprietário de terras em Indaiatuba, por ocasião do casamento de sua filha Escolástica Angelina Fonseca com Joaquim Emídio de Campos Bicudo, dá a Fazenda Pau Preto como dote. A Fazenda, que tinha suas divisas além do Ribeirão do Pau Preto, estava em plena decadência com suas terras em abandono (final do ciclo da cana). Joaquim Emídio iniciou a cultura de café na Fazenda com amplo sucesso. Foi entre os anos de 1860 e 1870 que adquiriu do Padre, ou da Igreja, o Casarão, com área de terras de cerca de 15 alqueires, incorporando-a a área da Fazenda Pau Preto. O Casarão, nesta época, já era velho. Construiu então a parte mais nova do conjunto, de tijolo à vista, recém demolida. Joaquim Emídio montou ali a primeira “machina” de beneficiar café do Município de Indaiatuba. Como estas máquinas eram importadas, presume-se que tenha vindo com ela, a planta do local onde seria instalada, daí o aspecto britânico do prédio, que tão bem representava os vestígios do ciclo do café na arquitetura de Indaiatuba. Essa construção era totalmente separada do Casarão, mas se harmonizava com ele, esteticamente, de maneira notável. Nesta época e até a algumas décadas recentes, a rua Pedro Gonçalves terminava ao portão do Casarão, no início da rua Dom José, sendo, daí para frente, o terreiro de café de Joaquim Emídio de Campos Bicudo.


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BIBLIOGRAFIA (citada por Nilson Cardoso da Carvalho)
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CAMARGO, M. de A.
1931
Reminiscências a propósito do primeiro centenário de Indaiatuba, Instituto Ana Rosa.
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GROFF, M. A.
1963
Pesquisa sócio-econômica do município de Indaiatuba. Monografia (Conclusão de curso) Serviço Social, PUCCAMP, Campinas.
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Loureiro, M. A. S.
1981
Evolução da casa paulistana, São Paulo:Voz d'Oeste.
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SAIA, L.
1955
A casa bandeirista, São Paulo: Comissão do IV Centenário.
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Valle, J. L. B. do
1984
Depoimento ao autor.

Nota de Eliana Belo Silva: Este texto publicado pesquisado, escrito e publicado por Nilson Cardoso de Carvalho teve influencia (positiva) no processo te tombamento do Casarão Pau Preto. Parte de sua metodologia de pesquisa e de seus argumentos são contestados brilhantemente no texto do Dr.Carlos Alberto Nóbrega de Jesus, publicado em 2015, denominado "A Construção da História e a Legitimação da Memória no Processo de Preservação do Casarão Pau Preto", que você pode ler aqui 

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA E A LEGITIMAÇÃO DA MEMÓRIA NO PROCESSO DE PRESERVAÇÃO DO CASARÃO PAU PRETO

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA E A LEGITIMAÇÃO DA MEMÓRIA NO PROCESSO DE PRESERVAÇÃO DO CASARÃO PAU PRETO


Um comentário:

  1. Eliana, gostei muito do seu blog, muito interessante. Vou acessá-lo sempre! Obrigada por disponibilizar tantas informações!
    Beijos!

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